Mesa de abertura da Flip 2016, com Armando Freitas Filho e Walter Carvalho e o curador Paulo Werneck (Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo)
Vida

Flip começa sob o signo da crise e da crítica

Flip começa sob o signo da crise e da crítica

Festa Literária Internacional de Paraty homenageia Ana Cristina Cesar. Mesa inaugural reuniu o poeta Armando Freitas Filho e o cineasta Walter Carvalho

RUAN DE SOUSA GABRIEL, DE PARATY
29/06/2016 - 22h51 - Atualizado 26/07/2017 16h58

A 14ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que homenageia a poeta marginal Ana Cristina Cesar, começou na noite desta quarta-feira (29) sob o signo da crise e da crítica. Na fala que antecedeu à primeira mesa da Flip, o curador Paulo Werneck lembrou que a crise econômica tem castigado com severidade o mercado editorial e levado editoras a fechar as portas. Werneck, porém, arrematou com uma nota otimista: “Crise e crítica têm uma origem comum na língua grega”, afirmou. “Todo tipo de crítica é bem-vinda e deve ser objeto de reflexão.”

Ana Cristina Cesar (Foto: Divulgação/Instituto Moreira Salles)

A primeira mesa, Em Tecnicolor, reuniu o poeta Armando Freitas Filho e o cineasta Walter Carvalho. Freitas Filho foi amigo próximo de Ana C. e herdeiro de seu espólio literário. Coube a ele escavar os arquivos da poeta e organizar seus livros póstumos. Carvalho dirigiu o filme Manter a linha da cordilheira sem o desmaio da planície, que acompanhou Freitas Filho ao longo de sete anos e foi exibido após o debate. A mesa foi mediada pelo poeta Eucanaã Ferraz.

“O que há de cinema em sua poesia?”, perguntou Ferraz, iniciando uma conversa que enveredou pelo fazer poético e pelo fazer cinematográfico. Freitas Filho respondeu citando o cineasta francês Jean-Luc Godard. “Godard é poesia”, afirmou. “Ele é o cineasta que mais tem o sumo, a vontade, o impulso. Godard tem a surpresa da poesia.” Carvalho afirmou que descobriu em Freitas um poeta cineasta. “A primeira vez que abri um livro dele, li o verso ‘Uma gaivota passa riscada a lápis”. Não sabia se estava diante de um poema ou de uma imagem”, disse. “Na Paraíba, onde nasci, quando alguém faz uma coisa muito interessante, dizem: ‘É um poeta!’. Nunca vi dizerem: ‘É um cineasta!’.”

>> “Os poemas de Temer são bobos”, diz autor de paródia do presidente interino

>> Manoel  de Barros, o poeta das miudezas

Carvalho contou que a ideia para o filme surgiu depois que ouviu de Freitas Filho: “Eu sou o poeta, você é a poesia”. Manter a linha... também partiu de outras questões: como vive um poeta? Os poetas vão ao supermercado? Abrem a janela para a inspiração entrar? Como nasce um poema? O título escolhido para o filme são versos de Fretas Filho. “Como duas ou três palavras se combinam num poema e me põem a chorar indefeso?”, disse Carvalho.

O cineasta também citou Godard, para quem a vida é um filme mal-acabado. “O cinema arruma e resolve a vida”, afirmou. Freitas Filho discordou: “A poesia não é a vida passada a limpo. A poesia é aquilo que toca todas as coisas, inclusive as monstruosas e horrorosas, como o Temer”. A referência ao presidente interino (e poeta) Michel Temer arrancou aplausos entusiasmados da plateia.

Freitas Filho também recordou a convivência íntima e literária com Ana C. O poeta era 12 anos mais velho que Ana C., e a conheceu em 1973, quando ela tinha apenas 20 anos. “O que me impressionou logo foi a maneira como ela provocava você para falar e ouvir. Tudo era um problema para ser resolvido”, disse. “A gente discutia se o verso livre era livre mesmo e como pôr as vírgulas.”

Manter a linha... mostra Freitas Filho como um poeta andarilho que tem prazer em caminhar pelas ruas do Rio de Janeiro. No entanto, ele não gosta de viajar. Só o convite para homenagear a amiga Ana C. na Flip foi capaz de fazê-lo botar o pé na estrada pela primeira vez em 20 anos. Freitas Filho foi a última pessoa a conversar por telefone com Ana C. antes que ela cometesse suicídio, em 29 de outubro de 1983, aos 31 anos.








especiais