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Irvine Welsh: "A União Europeia e o Reino Unido são projetos falidos"

Irvine Welsh: "A União Europeia e o Reino Unido são projetos falidos"

O autor de "Trainspotting" afirma que a independência da Escócia ainda é um assunto pendente e que é improvável que os britânicos continuem unidos sob a mesma coroa

RUAN DE SOUSA GABRIEL
04/06/2016 - 10h00 - Atualizado 08/06/2016 16h28

Quem se aventurar pelas páginas de A vida sexual das gêmeas siamesas (Rocco, 416 páginas, R$ 48), o novo romance de Irvine Welsh, não vai encontrar os resmungos da sofrida classe trabalhadora escocesa, nem os junkies e os beberrões que tornaram célebre o autor de Trainspotting. O novo livro se passa em Miami e é narrado por duas mulheres americanas: Lucy, uma instrutora de ginástica durona convertida em celebridade depois de dar uns tapas num bandido armado, e Lena, uma jovem que sofre com o excesso de sentimentos e quilos. Há sete anos, Welsh, uma das atrações da próxima Festa Literária Internacional de Paraty, trocou a chuvosa Edimburgo pelos Estados Unidos. Vive em Chicago, mas passa temporadas na ensolarada Miami. Welsh está de férias na Escócia e conversou com ÉPOCA sobre seu novo romance, os vícios americanos, a independência escocesa e as chances do Brasil na Copa América: “Aquele 7 a 1 para a Alemanha foi ruim para vocês, mas eu acho que Seleção Brasileira pode ressurgir”.

 Irvine Welsh (Foto: Ulf Andersen/Getty Images)

ÉPOCA – A vida sexual das gêmeas siamesas se passa em Miami e não há nenhum personagem escocês. Por que escrever este “romance americano”?
Irvine Welsh –
Passo bastante tempo em Miami e queria escrever sobre o culto ao corpo que existe lá. Quando o clima muda, tudo fica diferente. Na Escócia, nós não ligamos muito para nosso corpo, porque faz frio o tempo todo. Nós não podemos andar quase sem roupa, como vocês fazem no Brasil. Por causa disso, não nos importamos muito com o que comemos ou bebemos. Nossa cultura é muito verbal, as pessoas falam o tempo todo. Mas, quando estou em Miami, a primeira coisa que faço é ir à academia, pegar um bronzeado na praia. Muda o clima e eu mudo também. Eu queria escrever um livro sobre o que acontece nesses lugares quentes, onde as pessoas pensam sobre o próprio corpo, sobre o que comem e bebem.

ÉPOCA – O senhor também escreve bastante sobre vícios. A vida sexual das gêmeas siamesas fala sobre obesidade, culto ao corpo, reality shows e vigilância da vida sexual alheia. Esses são vícios americanos?
Welsh – Sim, esse é um livro sobre as obsessões americanas. Os Estados Unidos são uma força cultural muito grande, especialmente no mundo de língua inglesa. E os vícios americanos tendem a se tornar nossos vícios. O consumismo, por exemplo, é um vício americano que ganhou o mundo. Os americanos também são muito obcecados por comida. Eles falam de comida como nós, escoceses, falamos do clima.

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ÉPOCA – Seu novo livro também trata da obsessão americana com números e métricas. Ultimamente, os números que mais interessam aos americanos se referem aos delegados partidários dos quais Donald Trump e Hillary Clinton precisam para ser candidatos à Presidência. O senhor está acompanhando a eleição americana?
Welsh – Sim, mas não de perto. Acompanhar uma eleição de perto é desesperador, mas eu me interesso pelo processo. Trump e Hillary são duas das pessoas mais odiadas dos Estados Unidos. Se os dois candidatos são tão desprezados pelo povo, é porque há algo de errado com o sistema político. Cada um a sua maneira, Trump e Hillary representam a avareza, a ganância, a arrogância, a pura ambição e o egoísmo. E aí você pensa: “Meu Deus! A sociedade está tão ruim e débil que só conseguiu produzir candidatos assim?”.

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ÉPOCA – Viver nos Estados Unidos mudou a maneira como o senhor enxerga a Escócia?
Welsh –
Sempre que você viaja ou mora fora, seu país de origem se torna mais exótico. Eu via a Escócia como um lugar entediante e rotineiro, mas, quando fui embora, percebi que era um dos lugares mais estranhos e maravilhosos do mundo! A Escócia é um país bizarro! Mas você só consegue ver toda a loucura olhando de fora.

ÉPOCA – Europeus e americanos se relacionam com a política de modo diferente?
Welsh –
Na Europa, nós acreditamos que tudo vai piorar. Os americanos – não os jovens, mas as gerações mais velhas – ainda são bastante otimistas, acreditam na inevitabilidade do progresso e veem a si mesmos como um povo excepcional. É uma crença que tem a ver com fatores econômicos, históricos e com o desenvolvimento do capitalismo. Mas o declínio da sociedade americana também tem a ver com esses mesmos fatores.

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ÉPOCA – O pessimismo europeu tem a ver com o avanço da extrema-direita no continente e com a crise dos partidos de esquerda?
Welsh – Os partidos social-democratas e socialistas europeus estão numa situação muito difícil. Todos se aproximaram do neoliberalismo para chegar ou se manter no poder, mas não deu certo. E, agora, não sabem o que fazer. Não sabem se devem ser mais socialistas, movendo-se mais em direção à esquerda, ou se devem adotar uma versão diluída do neoliberalismo. Não é exatamente uma crise, porque o capitalismo e o socialismo não são filosofias opostas, mas receitas práticas e complementares.

ÉPOCA – É verdade que Sean Connery tentou convencê-¬lo a ingressar no Partido Nacional Escocês (SNP, na sigla em inglês)?
Welsh – Sim. Sean e Alex Salmond (ex-primeiro-ministro escocês) me convidaram para entrar no SNP. Mas isso não é para mim, eu não sou um cara de partido. Não sou exatamente um nacionalista escocês, ainda que eu apoie a independência da Escócia. Participar de um partido seria uma coisa muito difícil para mim.

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ÉPOCA – A proposta de independência da Escócia foi rejeitada por 55,3% da população no referendo de 2014. Quais devem ser os próximos passos dos escoceses que querem a independência?
Welsh –
A vitória do “não” foi o pior resultado possível para todo mundo. Se o “não” tivesse alcançado um resultado decisivo, cerca de 70% dos votos, as coisas seriam diferentes. Nesse caso, continuaríamos a ser parte do Reino Unido e tentaríamos tirar o melhor proveito disso. Se o “sim” tivesse ganhado, ainda que por uma margem estreita, teríamos saído das urnas como uma nova Escócia e uma nova relação com o Reino Unido. A independência escocesa é uma questão ainda a ser resolvida. Foi uma população envelhecida que votou pela manutenção da Escócia no Reino Unido. Em 30 anos, nenhum deles estará mais aqui. E não há nada sendo oferecido às novas gerações, que votaram pela independência. Parece que, na verdade, nós já tomamos a decisão de deixar o Reino Unido e começamos a construir nossas próprias instituições. Emocionalmente, a Escócia já deixou o Reino Unido.

ÉPOCA – O Reino Unido continuará unido?
Welsh –
Todas as coisas que uniram o Reino Unido depois da Segunda Guerra Mundial – como a indústria e o Estado de Bem-Estar Social – não existem mais. Não há nenhuma cola que junte as partes do Reino Unido. Há apenas a rainha, que foi símbolo da unidade britânica para as gerações do pós-guerra. Mas a sociedade mudou, desindustrializou-se. Os centros de poder que a indústria da Escócia e do norte da Inglaterra representavam não existem mais. O poder, agora, está nas mãos do mercado financeiro. Há um desequilíbrio e, por causa disso, os nacionalismos voltaram a aflorar.

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ÉPOCA – O SNP defendia que a Escócia se tornasse membro da União Europeia. Um referendo convocado pelo primeiro-ministro, David Cameron, vai decidir se o Reino Unido vai ou não continuar na União Europeia. O senhor acredita que os britânicos devem se manter no bloco?
Welsh –
Não dou a mínima para isso. Essa é uma preocupação das elites, que querem que todo o resto se importe com isso. A questão é que as duas uniões estão falidas. A União Europeia e o Reino Unido são projetos falidos. Esse é o problema que temos de enfrentar e que o referendo não vai resolver.

ÉPOCA – Danny Boyle vai dirigir Pornô, a sequência de Trainspotting. O senhor está acompanhando as filmagens?
Welsh –
Sim, estou animado e envolvido nas filmagens. Eu atuo em algumas cenas e também sou um dos produtores executivos.

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ÉPOCA – O senhor participará da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que ocorrerá entre 29 de junho e 3 de julho. O senhor está animado em voltar ao Brasil?
Welsh –
Sim! Sempre fico animado em ir ao Brasil! Anos atrás, eu estive no Rio de Janeiro, passeei por Copacabana e assisti a uma partida entre Flamengo e Botafogo no Maracanã. O jogo foi muito bom! Aquele 7 a 1 para a Alemanha foi ruim para vocês, mas acho que Seleção Brasileira pode ressurgir nesta Copa América.








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