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Steven Spielberg: “Temos de respeitar a inteligência da plateia”

Steven Spielberg: “Temos de respeitar a inteligência da plateia”

Para o diretor, que tem feito experiências com filmes em realidade virtual, o público sabe quando há efeitos especiais em excesso – e responde com bilheterias fracas

CRISTINA GRILLO| DE NOVA YORK
10/06/2016 - 08h00 - Atualizado 10/06/2016 11h56
Steven Spielberg diretor (Foto: ebastien Micke/Paris Match/Contour by Getty Images)

Uma lista publicada no início do ano em veículos especializados em cinema relacionou os 200 filmes de maior bilheteria na história, em valores atualizados. ...E o vento levou é o campeão, com US$ 1,73 bilhão. Mas é Steven Spielberg quem tem mais títulos na relação: dez longas-metragens que, juntos, arrecadaram US$ 6,4 bilhões só nos cinemas. De Encurralado (1971) a O Bom Gigante Amigo, que estreará no Brasil no final de julho, são 30 filmes que fazem parte da memória afetiva de milhões de pessoas. Quem não se emocionou com a volta de ET para o espaço ou com o menino-robô abandonado pela mãe adotiva em Inteligência artificial? “Mas respondo em um segundo qual é minha cena favorita: a do menino abrindo a porta e a luz entrando, em Contatos imediatos”, diz Spielberg em entrevista exclusiva a ÉPOCA em uma suíte do Ritz Carlton, em Nova York. O diretor conta que está produzindo, em fase experimental, filmes em realidade virtual. “Será a maior mudança de paradigma que a indústria já viu”, afirma Spielberg, que participa de outra proposta inovadora – e alvo de críticas de alguns diretores: o projeto Screening Room, um serviço de streaming de luxo no qual será possível assistir, em casa, a filmes no dia em que são lançados no cinema. Quando conversou com ÉPOCA, ele ainda não tinha visto o vídeo Spielberg in 30 shots, no qual o diretor Jacob Swinney reuniu cenas marcantes de seus 30 longas-metragens. “Posso ver em seu computador?”, perguntou. Assistiu, comentou e, numa das últimas cenas – de Prenda-me se for capaz, na qual o personagem de Leonardo diCaprio desce de um carro cercado por lindas aeromoças –, fez uma inconfidência. “Leo adorou filmar com essas meninas.”

ÉPOCA – Efeitos especiais vêm se tornando a essência de filmes, em muitos casos mais importantes do que a própria história. O senhor, que usou esses recursos em muitos filmes, acha que há  excesso no uso da tecnologia?
Steven Spielberg –
Preciso ter cuidado com o que vou dizer porque não quero morder a mão que nos alimenta. A indústria se tornou extremamente saudável  por causa dos grandes filmes com efeitos especiais. Isso atrai o público, aumenta o apetite das audiências. Em alguns deles, a história não são os atores, mas sim os efeitos especiais. Alguns conseguem conciliar de forma brilhante uma boa história, interpretações magistrais e efeitos especiais que não são forçados. Há algo nesse negócio que temos sempre de respeitar: a inteligência da audiência. O público lembra, ouve, sabe o que está vendo e o que quer ver. Essas pessoas não podem ser feitas de bobas, sabem quando o que estão recebendo é só um monte de efeitos especiais para reproduzir desastres, coisas desmoronando, quebrando, explodindo. Sabem que isso é só um parque temático, barulhento, que eles têm de suportar por duas horas. O público sabe a diferença quando o efeito especial está a serviço da história e quando a história é empurrada pelos efeitos especiais. A audiência é esperta, e isso pode ser constatado nas bilheterias. O público voltou para ver O despertar da força [sétimo filme da série Guerra nas estrelas] não por causa dos efeitos especiais, mas por causa da história.

>> Confira o trailer de O bom gigante amigo

ÉPOCA – O senhor apoia o projeto Screening  Room, o que lhe rendeu críticas de outros diretores, como James Cameron (o projeto prevê que pessoas possam assistir, em suas casas, a filmes no dia de seu lançamento. Para isso, precisam ter equipamentos especiais, que impedem a pirataria). Iniciativas como essa, um passo adiante em modelos de streaming, são o futuro do cinema?
Spielberg –
A grande mudança que se aproxima é a realidade virtual. O próximo passo será termos filmes a nosso redor, com imagens por todo lado. Estaremos dentro do filme, e não fora. Será uma experiência parecida com a que tenho quando estou no set. Para todo lado que olho, há atores, cenários. Estou cercado pelo filme, uma experiência fascinante que o público não tem. Eles só veem o que eu decido mostrar a eles. No futuro, a audiência será convidada a entrar nos filmes. Essa será a maior mudança de paradigma que a indústria já viu. Não consigo prever quando vai acontecer, mas sei que vai. A experiência com realidade virtual vai começar com videogames, e nos primeiros jogos faremos coisas como rafting no Grand Canyon ou jogos com tiros em realidade virtual. Infelizmente, os tempos são assim agora. Mas em algum momento essa experiência vai chegar ao cinema e mudar totalmente a forma como fazemos filmes e assistimos a eles.

ÉPOCA – Como o senhor está se preparando para essa grande mudança?
Spielberg –
Trabalho em alguns projetos de realidade virtual, fazendo alguns filmes muito curtos, de seis ou sete minutos. Participo de uma empresa, a Virtual Reality Company, VRC, e estamos fazendo nosso primeiro filme, na verdade um curta-metragem, que talvez chegue a 12 minutos. É o mais longo que podemos realizar agora. Mas será um bom exemplo do que o público poderá ver no futuro. Estou trabalhando nisso ao mesmo tempo que termino O Bom Gigante Amigo.

“Filmes em realidade virtual serão a maior mudança de paradigma que a indústria de cinema já viu”

ÉPOCA – Os livros de Roald Dahl sempre trazem alguma mensagem edificante, assim como grande parte de seus filmes. Que tipo de mensagem O Bom Gigante Amigo, baseado no livro de Dahl, traz?
Spielberg –
O mais importante é deixar que cada pessoa decida qual mensagem encontra em um filme. Descobri, por experiência própria, que, quando eu anuncio o que pretendia com determinado filme, isso impede que o público descubra seu próprio sentido. Então, há muitos anos decidi deixar que as pessoas me digam o que o filme significou para elas.

ÉPOCA – O Bom Gigante Amigo marca sua volta a um tipo de filme que é sua marca registrada: uma criança pura e inocente como heroína, cercada por efeitos especiais que ajudam a contar uma história. Vivemos em tempos de guerra, terrorismo, rejeição a imigrantes. Voltar a esse tipo de filme tem relação com o que acontece com o mundo?
Spielberg –
É possível que, inconscientemente, houvesse uma voz em minha cabeça dizendo que era a hora de O Bom Gigante. Somos crianças, apesar de muitos de nós termos esquecido disso. Gosto de filmes que nos relembram do deslumbramento da infância. Já contei várias histórias sob o ponto de vista de crianças. E.T., Contatos imediatos, Império do sol… Lembra do menino de Contatos imediatos? Crianças têm uma capacidade imensa de aprender e perdoar. O mundo em que vivemos perdoa muito menos do que antigamente. Crianças sempre perdoam, até que sejam ensinadas a não ser mais assim. Eu me sinto um pouco aliviado do peso do mundo ao contar uma história onde a voz principal é de uma pessoa de 8 anos de idade.

>>Spielberg x Spielberg

ÉPOCA – E agora o senhor se prepara para voltar com Indiana Jones, um herói agora setentão...
Spielberg –
Eu nunca o deixei! Voltar a esse projeto é música para meus ouvidos. Ainda há muitas histórias que eu gostaria de contar, de aventuras, arqueologia... Harrison Ford vai voltar! Ele estará no meio de seus 70 anos quando o filme estrear em 2019, mas ele é um jovem de 70 anos [Ford completará 74 em julho], e será sempre nosso herói. Você não pode imaginar quanto estou ansioso para vê-lo de novo naquele chapéu e jaqueta de couro.

ÉPOCA – O senhor faz parte da história do cinema, tem em seu currículo clássicos como E.T. e Contatos imediatos. Ganhou três Oscars, dirigiu 30 longas-metragens, produziu uma infinidade de filmes. Consegue escolher sua cena favorita?
Spielberg –
Posso responder em um segundo, sempre soube a resposta. A cena que mais fala ao meu coração, de todas as que já dirigi, está em Contatos imediatos, quando o garotinho abre a porta e a luz entra.

>>"Não deixo de ser nostálgico"

ÉPOCA – O senhor é um ativo democrata, amigo do presidente Barack Obama e partidário da candidatura de Hillary Clinton. Como vê a disputa com Donald Trump pela Presidência dos Estados Unidos?
Spielberg –
Ah, não! Não vou cair nessa! [Spielberg ri e a assessora que acompanha a entrevista interrompe: “Perguntas só sobre o filme”, diz.]

ÉPOCA – Ok, então vamos mudar a pergunta. No livro, o Bom Gigante explica para Sophie que os gigantes comedores de seres humanos escolhem as vítimas por seus sabores. Panamenhos, diz o Gigante, têm gosto de chapéu. Já turcos têm sabor de peru (um trocadilho em inglês com a palavra Turkey, que tanto é o nome do país quanto o da ave). Que gosto teriam os eleitores de Trump?
Spielberg –
[Gargalhando.] Não, não vou entrar nessa. Mas posso dizer que nós, americanos, provavelmente temos gosto de peru com molho de cranberry, o sabor do dia de Ação de Graças.








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