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Multiplataforma, Victor Heringer pediu ajuda na rede para escrever seu novo livro

Multiplataforma, Victor Heringer pediu ajuda na rede para escrever seu novo livro

Expoente da primeira geração de escritores brasileiros que cresceu com acesso à internet, Victor Heringer publica O amor dos homens avulsos

RUAN DE SOUSA GABRIEL
02/09/2016 - 12h03 - Atualizado 02/09/2016 12h18

Quando vivia em São Paulo, o escritor carioca Victor Heringer caminhava olhando para baixo, reparando nos desenhos das calçadas. Esses passeios cabisbaixos resultaram numa série de fotografias sobre o chão paulistano e na descoberta das “raízes revolucionárias”, que se revoltam contra a opressão do concreto, destroem o calçamento e ameaçam os pedestres. O projeto fotográfico não foi adiante, mas o retrato de uma dessas raízes rebeldes estampa uma das páginas de O amor dos homens avulsos (Companhia das Letras, 160 páginas, R$ 39,90), o novo romance de Heringer. O síndico do prédio de Camilo, o protagonista, coleta dinheiro entre os moradores para cortar a árvore, cujas raízes amedrontam velhinhas com seu ímpeto revolucionário.

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Heringer se autodefine como um “romancista promíscuo”. Além de prosa, ele escreve versos, filma videopoemas, flerta com as artes visuais, publica livros que só existem na internet e apresentou uma instalação acústica, com Dimitri BR, na 30a Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 2012. Ele costuma misturar esses diferentes formatos para contar uma história. “Tudo o que eu faço pode ser compreendido como ficção”, diz Heringer. “Quanto mais formatos um artista experimenta, melhor ele fica.”

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Heringer foi premiado com o Jabuti em 2013 por seu romance de estreia, Glória, que acompanhava as desventuras de uma família cuja sina era sofrer. Uma ironia machadiana guia o romance. Em O amor dos homens avulsos, Heringer abandonou a galhofa em nome da melancolia e da ternura. Camilo, o narrador, é um cinquentão manco que gasta os dias a remoer o passado, os 14 dias de felicidade adolescente que viveu ao lado de Cosme – ou Cosmim, num diminutivo mineiro –, seu primeiro amor.

O escritor carioca Victor Heringer, no Rio de Janeiro (Foto: Stefano Martini/ÉPOCA)
Livro O amor dos homens avulsos (Foto: divulgação)

Para compor o romance, Heringer contou com a ajuda da internet. Perguntou qual era o nome do primeiro amor dos potenciais leitores. E eles responderam. Os nomes foram transcritos no livro. O narrador é quem começa: “Amei Cosmim como você amou o seu primeiro amor, que chamava...”. E a quadrilha de afeto continua por cinco páginas. “É como se fosse um porta-retratos coletivo de todos os amores de todas essas pessoas”, diz Heringer. “O trabalho de escritor é muito solitário e, quando você consegue o mínimo de conexão imediata com o leitor, é muito bonito.”

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O livro também traz alguns desenhos de Heringer, como um sol forte que inunda as cenas. “O sol é talvez o personagem mais complexo desse romance”, diz Heringer. O sol é testemunha de todos os infortúnios de Camilo e brilhava forte no dia em que seu pai trouxe Cosme para morar com eles. O despertar sexual dos dois meninos acontece no abafado e fictício bairro do Queím. E é debaixo de um sol escaldante que Cosme é assassinado. A vida enlutada do Camilo cinquentão só ganha um pouco de luz quando ele transforma sua melancolia em ternura.

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Aos 28 anos, Heringer pertence à primeira geração de escritores brasileiros que cresceu com acesso à internet. Para ele, as redes sociais podem inspirar a renovação dos formatos literários por meio de suas narrativas polifônicas, que embaralham fotos, vídeos e o infame “textão”. Em vez de afastar os internautas de formas de arte mais requintadas, essa linguagem pode oferecer ferramentas para que eles melhor apreciem a estética  experimental. “Quem navega nas redes sociais se depara com uma história totalmente fragmentada, que mistura diferentes vozes. É quase um romance dos anos 1960!”, diz Heringer. “O leitor de folhetim não estava acostumado com esse tipo de narrativa sem pé nem cabeça, mas, hoje, o leitor está mais preparado para apreciá-la.” Se avistar um escritor caminhando cabisbaixo por aí, repare bem, ele não deve estar de olho nas raízes das árvores, mas na tela do celular. Quem sabe, capturando pokémon.








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