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felicidade  — Foto: Getty Images
felicidade — Foto: Getty Images

Em 2023, visitei o Japão e pude enxergar claramente o que sempre ouvi: vivem uma cultura workaholic e, segundo a OMS, é o país com maior índice da síndrome de burnout do mundo. Conversei com pessoas que tinham 2 ou 3 empregos e viviam para trabalhar. Vi executivos dormindo no chão no centro financeiro de Tóquio. Os caminhos underground do metrô sempre lotados, com muitas idas e vindas e correria para todos os lados e, dentro do trem, as pessoas dormindo.

Segundo uma recente pesquisa da Ipsos Global e Reuters, é o país com menos pessoas saindo de férias, somente 33% dos profissionais. Mas qual o resultado dessa cultura hustle e workaholic?

Em termos de saúde mental e bem-estar, os dados são alarmantes e óbvios:

- O país vive altas taxas de suicídio. Em outubro de 2020, o Japão teve mais mortes por suicídio no mês do que por Covid-19 em todo o ano.

- A preocupação com a saúde mental da população levou o governo daquele país a criar um Ministério da Solidão, responsável por criar campanhas e políticas públicas voltadas aos cuidados com a saúde mental.

- Existe um termo para definir a 'morte por excesso de trabalho': Karoshi.

- Porém, o que talvez surpreenda para alguns é que, quando olhamos o crescimento da economia, o país também tem passado por algumas recessões.

O mundo do trabalho vem passando por mudanças e transformações. Estamos cansados e sobrecarregados e não queremos mais somente viver para trabalhar. Não está bom para os profissionais, tampouco para as empresas ou para nós, como sociedade. É preciso reconstruirmos nossa relação com o trabalho. Se por muito tempo ele foi visto somente como um fardo, está na hora de tê-lo de forma harmônica com outros aspectos da nossa vida.

E, certamente, essa mudança passa por um olhar para o ser humano, suas complexidades e necessidades. Temos muito medo da IA e, de fato, é preciso precaução neste momento para não criarmos robôs enviesados ou aumentarmos as desigualdades entre as pessoas e profissionais. Porém, a evolução já está acontecendo e também podemos usá-la a nosso favor.

Ian Beacraft trouxe que a evolução que aconteceria em 100 anos, em 2050 estará acontecendo em 5. Nossa mentalidade não lida com facilidade com as mudanças e evoluções, e vemos isso quando, depois de tudo o que vivemos, pensamos que voltar ao modelo 100% presencial será o ideal. Aprendemos tanto nos últimos anos com novos modelos de trabalho. Será que não está na hora de construirmos algo novo? Que seja bom para as empresas, mas também para as pessoas.

É preciso priorizar a sustentabilidade humana dentro das organizações

Primeiro, porque é o óbvio. Deveríamos entender que o mundo tem sido desafiador e a empresa não pode ser mais um ofensor na saúde mental de seus profissionais. Segundo, porque não há sustentabilidade dos negócios em ambientes tóxicos, de medo, de comando e controle. Ambientes assim têm levado pessoas ao esgotamento, ao baixo engajamento e baixa produtividade. Não será colocando elas para voltar 100% ao presencial nem a sobrecarregarmos com 12h de trabalho diário a solução desse problema.

É preciso redesenhar o trabalho, entendendo que a sustentabilidade humana e felicidade corporativa não vêm do RH, de programas de benefícios ou festas. Tudo isso é importante e gera satisfação, mas não nos traz engajamento ou motivação. É preciso tratar a causa-raiz e não somente os sintomas, ignorando como as pessoas se sentem. Do jeito que está hoje será insustentável.

A cultura de bem-estar não é antagonista a uma cultura de resultados

Precisamos aprender a trabalhar melhor, de forma mais eficiente, eficaz, produtiva, saudável e flexível. Porém, antes de tudo, entender que a cultura de bem-estar não é antagonista a uma cultura de resultados. Na verdade, talvez seja a única forma de continuarmos inovando e criando de forma sustentável. Podemos reduzir reuniões improdutivas, usar melhor a IA, criar novas formas de nos relacionarmos no híbrido, de forma assíncrona. Podemos ser saudáveis e produtivos.

O outro aspecto é as empresas conhecerem mais os talentos de seus profissionais. Podemos trabalhar de forma menos rígida, mas pelas skills dos colaboradores, e não somente seguindo a descrição do cargo. Esse redesenho do trabalho traz mais resultados, mas também senso de realização e significado.

E, claro, é essencial construirmos novas formas de nos relacionarmos no mundo híbrido e globalizado. Cada vez mais atuamos com parceiros em diferentes fusos e isso tem nos criado a sensação de que temos que estar sempre conectados, o que a longo prazo só nos adoece. Além disso, por mais que falemos sobre diversidade, equidade e inclusão, muitos ainda se sentem sem voz e sem senso de pertencimento. Segurança psicológica é sútil e, às vezes, pequenas atitudes negativas não são percebidas pela liderança. É necessária uma cultura de reconhecimento, valorização, escuta ativa e empática.

A verdade é que trabalhar a sustentabilidade humana não é fácil e não será do dia para a noite. As mudanças não virão somente de uma palestra ou um momento de team building. Tem mais a ver com o dia a dia, novas formas de nos relacionarmos entre nós e com o nosso trabalho. É preciso construir uma cultura de bem-estar aliada aos negócios.

Pensar em nossos colaboradores, nossos clientes, nossos fornecedores, no impacto que causamos na sociedade, enfim, construir um olhar mais consciente para todos os stakeholders. Só assim poderemos assumir o protagonismo da construção de um futuro do trabalho mais humano e mais sustentável, tanto em visão de pessoas quanto de negócios.

* Renata Rivetti é graduada em Administração pela FGV-EAESP, com Pós-Graduação em Psicologia Positiva pela PUC-RS, Especialização em Estudos da Felicidade na Happiness Studies Academy (Tal Ben-Shahar), além de diversas certificações internacionais, como Managing Happiness de Harvard, Positive Psychology da Penn, The Foundations of Happiness at Work de Berkeley, Leading the future da SingularityU Brazil, Kaospilot Experience Design, entre outras. Atuou como gerente de marketing por muitos anos em grandes empresas e multinacionais e em 2017 fez uma transição de carreira, passando a atuar no desenvolvimento de pessoas, se especializando no tema da Felicidade no Trabalho. Atualmente, é fundadora e diretora da Reconnect Happiness At Work, empresa especializada em Felicidade Corporativa e Sustentabilidade Humana e realizadora do piloto da semana de 4 dias com a 4 Day Week Brazil.

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