Inovadores

Filho, pai, marido, tio, irmão, empreendedor, investidor, autor, palestrante, podcaster, mentor, ex-evangelista da Apple e atual evangelista do Canva”: é assim que Guy Kawasaki, 70 anos, gosta de ser apresentado ao público – no SXSW 2024, as mais de 500 pessoas que lotavam o auditório do hotel Hilton, em Austin, responderam com palmas ensurdecedoras e gritos entusiasmados. O próprio Guy (como prefere ser chamado) concordaria que, nesse caso, “resistir é inútil” (pontos para quem pescar a referência nerd). Afinal, o executivo ajudou a salvar a Apple, ao convencer desenvolvedores do mundo todo a criar produtos compatíveis com computadores Macintosh – em plenos anos 1980, quando muita gente apostava no fracasso da empresa de Steve Jobs.

O empreendedor visionário nascido em Honolulu, no Havaí, tem hoje como ocupação principal o cargo de evangelista-chefe na Canva, empresa australiana fundada em 2012 que tornou o design mais acessível para os usuários da plataforma. A startup já captou US$ 572 milhões em aportes e está avaliada em US$ 26 bilhões. Kawasaki, que também foi consultor especial no Google e embaixador da marca Mercedes-Benz, ainda divide seu tempo entre os investimentos (na Garage Technology Ventures), as aulas (nas universidades de Berkeley e de New South Wales), o podcast Remarkable People (“Pessoas Extraordinárias”) e o ofício de escritor – já escreveu 15 livros, o mais recente deles Think Remarkable, referência a Think Different, famosa campanha de publicidade criada para a Apple em 1987. Para quem quer ser criativo, ele tem alguns conselhos simples, mas nem tanto. “Não pense em ser criativo, apenas faça coisas incríveis”, diz. “Não precisa muita coisa, só imaginação, perseverança e garra.”

ÉPOCA NEGÓCIOS Como se tornar uma pessoa mais criativa?
GUY KAWASAKI
 Uma pessoa raramente decide “ser criativa” e aí se dedica a esse objetivo. Sua motivação geralmente é algo exterior: ela quer inventar uma boa ferramenta, salvar uma espécie da extinção, sair da pobreza, salvar a democracia. Ao perseguir esses objetivos, ela se torna criativa, mas isso é algo natural, não planejado. Dentro de uma empresa, as pessoas geralmente exercem a criatividade quando decidem criar produtos e serviços incríveis que as pessoas queiram comprar. Convivi de perto com Steve Jobs, sem dúvida uma das pessoas mais criativas que já passaram pelo planeta. Posso dizer com certeza que seu objetivo nunca foi ser um “gênio criativo”. Ele queria criar o melhor computador do mundo. E dizia: “Quero um computador eficiente e elegante, com lindas fontes e uma grande interface com o usuário”. Claro que, para pensar em tudo isso, você precisa ser criativo. Mas isso faz parte do processo, não algo que você busca como objetivo final. Se sua meta é simplesmente ser criativo, vá ser um artista isolado na floresta ou no topo de uma montanha. Se quiser ser um empresário de sucesso, terá de criar algo vendável, que gere receita. É simples assim. Steve Jobs criava grandes coisas que as pessoas queriam comprar.

NEGÓCIOS Mas empresários e executivos que já estão empenhados em criar produtos e serviços incríveis podem tomar alguma atitude para desenvolver a criatividade, não?
KAWASAKI
 Com certeza. A primeira coisa é cultivar o mindset de crescimento. Aprendi isso com a escritora Carol Dweck, autora do livro Mindset, The New Psichology of Success. Ela diz que pessoas com mindset fixo acreditam ser tarde demais para aprender uma nova habilidade ou conhecimento, e por isso se concentram apenas no que já sabem fazer bem. Pessoas com mindset de crescimento, ao contrário, estão sempre dispostas, e até mesmo ansiosas, por explorar e experimentar novos caminhos. Isso contribui para a criatividade, com certeza. Para cultivar esse mindset, é interessante perseguir diferentes áreas fora da sua zona de conforto, conhecer gente de diversas linhas de conhecimento e atividade, que podem não ter nada a ver com o seu negócio. Quanto mais gente conhecer, maior será a probabilidade de desenvolver relações e conexões significativas. Por fim, costumo dizer que é preciso plantar muitas sementes. Não basta ter uma ideia e achar que o trabalho acabou. É bem melhor ter várias, e daí ver qual poderá realmente ser implementada. No Vale do Silício, costumamos dizer que jogamos as ideias na parede, vemos o que gruda e pintamos um alvo em volta. Esses serão nossos objetivos, e vamos fazer de tudo para alcançá-los.

SAUDADES DE CASA - Guy Kawasaki posa na frente de loja da rede Waiola, que vende Shave Ice, sorvete típico do Havaí, sua terra natal — Foto: Reprodução
SAUDADES DE CASA - Guy Kawasaki posa na frente de loja da rede Waiola, que vende Shave Ice, sorvete típico do Havaí, sua terra natal — Foto: Reprodução

NEGÓCIOS Como um líder pode estimular os times a serem criativos, mesmo em tempos de incerteza com a economia, crises geopolíticas e ameaça constante de burnout?
KAWASAKI 
Não é fácil ser um CEO, mas é por isso que eles ganham pequenas fortunas, certo? Esse é o seu trabalho, motivar as pessoas. Nunca fui um bom gestor de pessoas. Por isso, nas empresas que liderei, contratava funcionários para me ajudar com isso. Sempre acreditei que a melhor maneira de motivar os funcionários é mostrar a eles uma visão de como seu produto ou serviço deve ser, e explicar como ele pode fazer a diferença no mundo. Quando aquele empregado percebe que o que faz vai muito além de empacotar produtos, que aquilo melhora a vida das pessoas, isso gera entusiasmo, lealdade e paixão. Na divisão do Macintosh, acreditávamos que estávamos tornando as pessoas mais criativas e produtivas. Tudo começa a partir desse núcleo, de como você cria significado, e como isso se traduz em algum tipo de produto ou serviço físico que você realmente entrega. É como eu costumo dizer: do good shit [em tradução literal, “faça uma merda boa”] e as pessoas te seguirão.

NEGÓCIOS No seu livro mais recente, Think Remarkable, você usa muito essa expressão. O que quer dizer com isso?
KAWASAKI
 “Good shit” pode ser um produto, um serviço, uma equipe, uma aula, um grupo, uma obra de arte, um jogo ou a sua vida inteira. É algo que te interessa profundamente e que, para ser alcançado, requer resiliência, perseverança e paciência. Pode começar como alguma solução que você procura para um problema seu. Ou então você quer aliviar a dor de alguém. A revolta diante de uma injustiça também pode ser um motivador. Quando você decide o que quer fazer, agarra esse objetivo com todas as suas forças, apesar de todas as dificuldades, e o revisita com frequência. É essa garra que vai te levar a alcançar a meta.

NEGÓCIOS Quem você considera criativo no mundo dos negócios hoje?
KAWASAKI 
Essa é uma pergunta difícil, porque não vejo tanta gente criativa nas empresas hoje em dia, não vejo tanta inovação. O que Sam Altman fez na OpenAI foi extraordinário. Com o ChatGPT eles criaram, sozinhos, uma indústria totalmente nova. Mas ele não fez isso porque queria ser criativo, e sim porque queria criar algo importante para as pessoas e que, ao mesmo tempo, desse lucro para a empresa. Há uma grande diferença.

NEGÓCIOS Sabemos que a inteligência artificial já existe faz tempo, mas seu alcance aumentou muito após a popularização da IA generativa. Até que ponto a tecnologia pode ajudar as pessoas e as empresas a serem mais criativas?
KAWASAKI 
Acredito que a IA é uma ferramenta fabulosa, talvez a mais incrível que eu já tenha encontrado na minha carreira. Diria que ela terá mais impacto sobre os negócios do que os computadores pessoais ou o surgimento da internet. Mesmo como um simples escritor, eu já sinto o seu poder. O ChatGPT me tornou um autor duas ou três vezes melhor do que eu era, porque é o melhor assistente de pesquisa do mundo. Tem um conhecimento infinito, é infinitamente paciente e está disponível 24 horas por dia, 365 dias por ano. E, dessa maneira, me ajudou a escrever livros melhores.

PESSOA MAIS CRIATIVA - “O que o Sam Altman fez na OpenAI foi extraordinário. Ele criou uma indústria totalmente nova”, diz Kawasaki — Foto: Getty Images
PESSOA MAIS CRIATIVA - “O que o Sam Altman fez na OpenAI foi extraordinário. Ele criou uma indústria totalmente nova”, diz Kawasaki — Foto: Getty Images

NEGÓCIOS Nem todos acreditam que a IA pode ser um instrumento para aumentar a criatividade.
KAWASAKI 
Olha, já passei por algo parecido no passado, nos anos 1980, quando os computadores pessoais estavam sendo inventados. Tivemos de convencer as pessoas de que os PCs iam ajudá-las a serem mais criativas e produtivas. Hoje é só olhar para toda arte, música e literatura criadas por causa do advento do computador. A mesma coisa é verdade para a inteligência artificial. As pessoas criativas que abraçarem a tecnologia mais rápido vão prosperar de maneira inacreditável. Quem ignorar vai comer poeira. É inconcebível alguém não usar o poder da IA para ser mais criativo nos negócios, e para competir em pé de igualdade com quem já está usando. Imagine alguém abrir uma empresa hoje usando apenas máquinas de escrever. É a mesma coisa.

NEGÓCIOS E o que diria para quem vê a IA como uma inimiga?
KAWASAKI 
Se você for conversar com atores, artistas, músicos, escritores, vai perceber que eles se sentem ameaçados, claro. Se sou um fotógrafo, sei que não vão me chamar para tirar a foto de uma pessoa de pé ao lado do rio – a IA pode fazer isso. Toda nova tecnologia ameaça algumas pessoas. E empodera outras. Cabe a você decidir: você vai usar essa ferramenta para melhorar sua performance? Ou vai negar sua utilidade? Aposto que, quando Gutenberg inventou a prensa, os monges pensaram: “Vamos perder o emprego, não precisam mais da gente para transcrever a Bíblia!”. É assim a vida, fazer o quê?

NEGÓCIOS Para você, a IA é capaz de ser criativa, ou isso é algo inerente ao ser humano?
KAWASAKI 
Acredito que ela pode ser criativa, só não da mesma maneira que os seres humanos. Vamos dizer que você seja dona de um hotel e alguém escreve uma resenha em um site como TripAdvisor ou Yelp. Se você pedir ao ChatGPT para responder a esse comentário, tenho certeza de que será uma grande resposta. Se pedir uma resposta em forma de poesia, ou de rap, os resultados serão ainda mais originais e efetivos. Isso é ou não criatividade? Para mim é. Isso é páreo para a criatividade humana? Diria que não, mas estamos lidando com IA generativa só há pouco mais de um ano. E se, um ano atrás, alguém me dissesse que já teríamos inventado tantos usos para essa tecnologia, eu acharia impossível. E aqui estamos nós.

NEGÓCIOS Quando você se juntou ao Canva, qual era o seu objetivo?
KAWASAKI
 Não foi uma decisão muito científica. Simplesmente me apaixonei pelo Canva. Achei que era uma grande ideia democratizar o design, assim ninguém precisaria comprar e aprender a usar o Photoshop para criar layouts. Gosto de ajudar as pessoas a fazerem coisas incríveis. Se isso me torna criativo, aleluia! Mas não estou esperando esse tipo de reconhecimento.

NEGÓCIOS O Canva está integrando a IA em diversas funcionalidades. A tecnologia vai mesmo estar em todo lugar nos próximos anos, não é?
KAWASAKI 
Acredito mesmo que estamos apenas começando. E me sinto tão sortudo, porque testemunhei tantas revoluções na minha vida! A revolução dos computadores pessoais, da internet, das mídias sociais, da inteligência artificial... Vivi e experimentei tanta coisa, e tenho apenas 70 anos. Acho que isso me ajuda a ter uma visão mais ampla das coisas.

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