Casos de Polícia

Por Chico Otávio — Rio de Janeiro

Das lembranças terríveis daquela noite, o que mais se fixou na memória de Vera Lúcia da Silva dos Santos, de 60 anos, foi o silêncio que tomou conta da comunidade, logo depois da chacina. Ela olhava para o céu escuro, sentia o burburinho de vizinhos ainda amedrontados, mas parecia anestesiada após receber do então companheiro a notícia de que havia perdido toda a família: pais, irmãos e cunhada. Vivas, ficaram apenas as cinco crianças da casa, da mais velha, de 9 anos, a um bebê, que, trêmulas, foram entregues a ela por uma vizinha.

A dor de Vera Lúcia não diminuiu nesses 30 anos de luto. Uma vontade de chorar a cada lembrança da casa, dos pais, dos cultos em família, dos almoços aos domingos. Uma vez, pouco tempo após o massacre, ela lembra que a assessora de um político lhe disse que sentia muito, mas que até o último dia da vida, jamais iria esquecer o que aconteceu.

— Ela foi direta: 'Infelizmente, não é o que eu queria, não, Vera. Mas você vai sofrer cada vez que lembrar' — recorda-se.

Chacinas da Candelária e de Vigário Geral completam 30 anos

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Vera Lúcia é filha do vigia Gilberto Cardoso dos Santos, e de sua esposa, Jane, que não moravam na casa invadida pelos criminosos. No ataque covarde, morreram, além do casal, cinco filhos: Luciano, Lucinéia, Lucia, Luciene e Lucinete, com idades de 15 a 33 anos; além de uma nora, a jovem Rubia, de 18 anos. A matriarca morreu com a Bíblia nas mãos. Um dos irmãos, Luciano, foi alvejado de joelhos, após mostrar os documentos. A maioria tinha acabado de chegar de um culto evangélico.

Cabeleireira e manicure, Vera Lúcia morava a 50 metros da casa da “família dos evangélicos”, como os Santos ficariam conhecidos. Queria uma vida mais independente. E foi isso que lhe salvou a vida. Deitada, ela ouviu os tiros próximos, mas já estava habituada à rotina violenta. Só depois que a vizinha apareceu à porta, com os sobrinhos, que ela começou a se dar conta da tragédia que acabava de acontecer.

Vera Lúcia, que perdeu oito parentes na Chacina de Vigário Geral, junto ao muro que divide da linha do trem da comunidade — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Vera Lúcia, que perdeu oito parentes na Chacina de Vigário Geral, junto ao muro que divide da linha do trem da comunidade — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Vera virou referência da dor dos sobreviventes da casa dos evangélicos. Depois de acolher as crianças — Núbia, de 9 anos, Victor, de 7, Lucieni, de 6, Derek, de 4, e Jaíne, de apenas dois meses — e receber a notícia sobre a chacina, chegou a relutar, mas reuniu forças para ir cobrir os corpos com lençóis. A escuridão parecia não terminar para ela. Não amanhecia.

A esperança me mantém de pé, viva. Creio que Deus, com o Seu infinito amor, que toma conta de mim, que me faz sentir esse sentimento. Ainda bem que existe Deus
— Vera Lúcia da Silva dos Santos, que perdeu oito parentes na Chacina de Vigário Geral

Na longa noite da ex-costureira, vivida em romarias pelos tribunais e gabinetes públicos, sempre em busca de justiça e reparação, ela diz ter se agarrado a sua fé:

— A esperança me mantém de pé, viva. Creio que Deus, com o Seu infinito amor, que toma conta de mim, que me faz sentir esse sentimento. Ainda bem que existe Deus.

Em 11/04/1997, crianças em uma biblioteca no quarto onde houve a chacina da família de Vera, na Casa da Paz — Foto: Custodio Coimbra / Agência O Globo
Em 11/04/1997, crianças em uma biblioteca no quarto onde houve a chacina da família de Vera, na Casa da Paz — Foto: Custodio Coimbra / Agência O Globo

Mas a esperança de Vera Lúcia já foi mais forte. De 1994 a 2008, quando a residência da família, palco da tragédia, foi transformada na Casa da Paz, ela trabalhou como secretária da entidade. O lugar era a base do movimento dos parentes das vítimas, ao mesmo tempo que alavancava projetos sociais para a comunidade. Porém, novas desilusões chegaram aos poucos. De uma só vez, por exemplo, a Justiça absolveu 19 réus do caso. Outros condenados conseguiram reformar a pena e sair livres.

A própria Casa da Paz foi minguando, até fechar as portas em definitivo, em 2008. Vera arrumou as gavetas, trancou a porta do lugar onde nasceu, cresceu e viveu os melhores dias da sua vida, e despediu-se para sempre de Vigário Geral. Conseguiu uma vaga de merendeira em escola evangélica e se mudou para outra comunidade pobre do Rio. A violência, porém, jamais a abandonou.

— Agora mesmo, quando falo, fico tremendo. Tenho de fazer de tudo para não reviver. Quanto mais tento esquecer, aparece alguém para me fazer relembrar. Hoje, moro em um lugar onde, a cada operação policial, vejo uma multidão de PMs com cachorro, rosto tampado, e revivo aquilo tudo de novo. Quanto mais os anos passam, vai ficando pior, vai ficando pior, vai ficando pior.

Hoje, moro em um lugar onde, a cada operação policial, vejo uma multidão de PMs com cachorro, rosto tampado, e revivo aquilo tudo de novo. Quanto mais os anos passam, vai ficando pior, vai ficando pior, vai ficando pior
— Vera Lúcia da Silva dos Santos

Vera Lúcia entende que, nos 30 anos da chacina, é inevitável reviver os sofrimentos iniciados naquela noite de 29 de agosto de 1993. Às vezes, sua rotina é atravessada por boas notícias. No início do ano, foi informada que, por projeto aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio, sobreviventes e parentes dos mortos, que já ganhavam uma pensão, teriam também direito a receber valores retroativos, correspondentes ao período em que o benefício foi cortado por uma questão burocrática.

Essa pensão foi aprovada em 2000, como medida administrativa para compensar a impossibilidade de pagamento de indenizações. Como a ação criminosa não se originou de uma operação policial, mas de uma investida de policiais criminosos fora de serviço naquela noite, a Justiça vinha negando sistematicamente os pleitos por indenização. A saída foi criar a pensão, mas o benefício, em um primeiro momento, ficou condicionado ao período de vida útil da vítima, estimado em 65 anos.

Corpos de família evangélica dentro da casa atacada por matadores na chacina de Vigário Geral em 30/08/1993 — Foto: Custodio Coimbra / Agência O Globo
Corpos de família evangélica dentro da casa atacada por matadores na chacina de Vigário Geral em 30/08/1993 — Foto: Custodio Coimbra / Agência O Globo

Com a queda da restrição, Vera Lúcia não apenas teve o benefício restabelecido como recebeu os retroativos. Com os recursos, está pondo a vida financeira em dia. E com o que sobrar, pretende ir para bem longe até o fim do ano:

— Vou morar no meio do nada, bem distante — chora, esperando que esta vez seja a última.

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