Por Luiza Garonce, G1 DF


Museu Nacional, em Brasília — Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília

Anunciado neste fim de semana como o novo curador do Museu Nacional da República, em Brasília, o empresário e editor Charles Cosac disse em entrevista ao G1 que quer trazer, para o espaço, exposições que dialoguem com a arquitetura do prédio.

“Sou daqueles que respeitam a arquitetura (...). Queria que o museu tivesse uma linha, um discurso, uma voz.”

O museu foi concebido por Oscar Niemeyer e inaugurado em 2006. Ele fica na Esplanada dos Ministérios – perto da Catedral Metropolitana, da Biblioteca Nacional de Brasília e do Teatro Nacional Claudio Santoro.

Segundo Cosac, o governo do Distrito Federal estuda usar os dois auditórios e o restaurante do Museu Nacional, que nunca foi inaugurado, para gerar renda para o próprio espaço. O secretário de Cultura, Adão Cândido, também participou da conversa e confirmou os planos para o monumento (leia entrevista completa abaixo).

Além de gerir a programação cultural do museu, a expectativa é de que Cosac seja ouvido em outros projetos do setor cultural. Desde a eleição, o governador Ibaneis Rocha (MDB) destacou diversas vezes a reforma e a reabertura do Teatro Nacional como prioridades para os próximos quatro anos.

O empresário ficou famoso no país em razão da empreitada com o cunhado, Michael Naify. A editora da dupla, Cosac Naify, ganhou espaço no mercado literário pelo cuidado de curadoria, edição e projeto gráfico. A empresa surgiu em 1997 e fechou as portas em 2015.

Empresário e curador Charles Cosac, em entrevista ao G1 — Foto: Luiza Garonce/G1

Confira a entrevista:

G1: Você já tem ideia de quais serão as prioridades temáticas do museu? Se serão artistas locais, nacionais, internacionais?

Charles Cosac: Eu não acredito em arte regional. Ele é um museu de arte moderna contemporânea, a gente tem que seguir. E tem uma arquitetura que restringe, que limita... Apesar de ser bela, ela tem limitações.

Muitas coisas também não podem vir para Brasília porque o clima é muito seco. Quer dizer, a gente vai ter que lidar com algumas dificuldades. Eu sou daqueles que respeitam a arquitetura. Quando eu faço exposição, evito criar paredes, corredores, enfim.

Agora, ele tem muito potencial porque está no coração do Brasil. E é muito belo, quer dizer, tem tudo para dar certo. Eu não vou fazer promessas porque você vai me cobrar, e eu não sei se posso cumprir isso, entende?

G1: Você prevê a aquisição de algum tipo de obra?

Charles Cosac: Vou falar com o secretário, com as pessoas responsáveis, sobre uma política de aquisição, levando em conta que nenhum museu no Brasil tem política de aquisição. Nenhum museu no Brasil tem dinheiro para comprar obras de arte.

Geralmente, é uma troca, uma doação, um artista faz uma exposição. Essa realidade, eu não posso mudar. Eu não conheço nenhum museu que tenha política de aquisição.

G1: Mas é algo que a gente poderia tentar criar aqui?

Charles Cosac: Eu acho, seria uma maravilha. Isso pertence não só a Brasília, como ao Brasil. Fazer seu acervo é muito importante.

E existe alguma forma de captar recursos para o museu? O secretário falou, em entrevista, em cobrar um valor simbólico. Isso será colocado em prática?

Adão Cândido: Isso foi até mal interpretado, acabou parecendo que era simplesmente [cobrar]. O que a gente vem fazendo, inclusive com a Unesco e o Programa de Apoio a Projetos Institucionais com a Participação de Recém-Doutores (Prodoc), é uma pesquisa de ressignificação e de reinvenção dos espaços.

Nós temos 25 espaços sob controle da secretaria, um deles é esse aqui. É, inclusive, o que está em melhor estado. Nós vamos fazer, tanto a parte de arquitetura, a questão cênica – como nós contamos, por exemplo, com o centro Lúcio Costa, ali na Praça dos Três Poderes. Ele está bem sucateado.

Sociólogo Adão Cândido, anunciado como futuro secretário de Cultura do DF — Foto: TV Globo/Reprodução

Em paralelo, vamos fazer uma pesquisa sobre a questão financeira. Como esses espaços podem, e se podem, ter algum retorno para o financiamento, para a própria estrutura da cultura.

No caso daqui, nós temos dois auditórios, temos aquele restaurante lá na frente. Tem muita coisa para fazer, em termos de retorno financeiro para a própria instituição, além de ver outras formas.

Aqui tem muita agência de publicidade que quer utilizar o espaço para fazer comerciais. Tudo isso, em tese, pode gerar renda para o museu, aliviando o orçamento público.

Outra coisa mais estratégica que já conversamos é que, com a aprovação da Lei dos Fundos Patrimoniais e a possibilidade de utilizarmos a Lei Rouanet para construirmos fundos patrimoniais, possamos fazer a sustentação dos equipamentos.

As pessoas vão fazendo a doação. E aquele fundo, o rendimento dele, é utilizado para fazer a sustentação e o principal não é mexido. Até para que ele possa ter uma sustentabilidade.

Museu Nacional, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília — Foto: Vianey Bentes / TV Globo

G1: Mas e a ideia de pedir uma contribuição voluntária? Não criaria uma espécia de "consciência cultural do bem"?

Adão Cândido: Neste caso, a gente tem que ter cuidado. Como ele é perto desse "nó rodoviário", do Metrô, tem muita pessoa de baixa renda [que frequenta].

Ele é muito querido, é hoje uma atração, uma experiência de lazer muito acessível para as pessoas. Não queremos tirar essa característica dele, mas acho que nós podemos repensá-lo olhando com essa preocupação.

Mas isso é uma coisa que vamos ver no tempo. Levei o Charles lá para ver o restaurante que nunca foi licitado, os auditórios que são dois espaços muito bons.

Então, tem muita coisa para fazer aqui, antes de chegar no ponto de cobrar. É nesse sentido que eu falei: nós temos que olhar para os equipamentos e ver como eles retornam.

Nós não temos uma lojinha, como tem em qualquer museu do mundo, para comprar souvenires, esticar a experiência.

Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília — Foto: Letícia Carvalho/G1

G1: Embora o museu fiquei no centro de Brasília e seja um dos equipamentos mais acessados, os senhores acham que ele, de fato, abraça toda a população?

Charles Cosac: Todo museu é elitizado. Isso não é culpa do museu, a gente tem que convidar para entrar.

É claro que as edificações de Brasília são intimidadoras. Eu tenho medo, e sou um homem viajado. Dá medo de entrar aqui. Imagina você chegar do Nordeste e vir aqui, entende? É difícil.

G1: Com a sua experiência de curadoria, existe alguma forma de tornar este espaço mais acolhedor?

Charles Cosac: Não existe. A Biblioteca Municipal, onde eu trabalhei, todo mundo achava que era maternidade, estação de Metrô, por causa da arquitetura. Foi difícil convencer que era biblioteca.

[Em janeiro de 2017, o editor assumiu a diretoria da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, onde ficou por um ano. A saída foi anunciada na última semana, e justificada pela troca de cargos no governo municipal paulistano]

Não parece uma biblioteca, porque os livros ficam na torre. Muitos visitantes que eu encontrava diziam: "a gente veio ver os livros". E os livros não estavam expostos, estavam na circulante.

Biblioteca Mário de Andrade é reinaugurada após reforma — Foto: Fabiano Correia

É claro que os museus intimidam, mas não é essa a natureza do museu. O primeiro museu do mundo foi em Oxford, se chama Ashmolian, e é um museu pequeno. Esse não é um museu tão grande, e eu acho que isso ajuda.

Uma vez, fiz um estágio no V&A [Victoria and Albert Museum, em Londres], e ele tem 6 km de museu (risos). Lembro que eu era estagiário, e falaram: "leva lanterna, que eles não podem pagar a luz". E realmente, é tão caro que nem na Inglaterra eles podem pagar.

Então, assim, nenhum museu é um mar de rosas. É linda a ideia do museu, da biblioteca, mas a logística é trabalhosa. Aqui, como o secretário falou, o espaço é convidativo.

A porta não é muito grande, mas basta a gente chamar, eu acho.

G1: Hoje, a gente tem alguns eventos que acontecem na área externa. Vocês estão abertos a essa programação também?

Charles Cosac: Eu não gostaria que o museu ficasse ao léu, e fosse apenas um acomodador, um hospedador de exposições que não têm para onde ir. Eu queria que o museu tivesse uma linha, um discurso, uma voz.

Eu, na condição de editor que fui, recebi muito convite para fazer livro de sandália Havaiana, do Copacabana Palace, mas não tive interesse. Poderia ter feito muito dinheiro com isso, entende?

Mas eu queria seguir uma linha editorial que tivesse uma voz, que fosse coerente. Não poderia aceitar qualquer livro que me dessem. Aí vem uma exposição que está tudo pago, e a gente tem que abrir a porta? Eu preferiria não me ver nesse tipo de situação, entende?

Também não acho que a última palavra tenha que ser minha. Quando eu estou com dúvida, chamo alguém mais jovem. Quando me mostravam uma capa na editora, eu falava "está horrível, mas imprime". Acho que o jovem sabe mais que o velho. Já me sinto uma pessoa velha, e aprendo com os jovens.

Museu Nacional, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília — Foto: G1

G1: Você poderia explicar melhor essa afirmação do museu ter uma voz?

Charles Cosac: Queria que o museu tivesse uma voz íntegra, que fosse justo. Acho possível. Eu consigo isso.

G1: O que seria essa ideia de justiça? Abrir espaço para diversas linguagens?

Charles Cosac: Não. Eu não quero artefato. Existe arte e artefato, entende? Existe a pessoa que quer ser artista e a pessoa que é artista. Isso é muito claro para mim. A gente pode um dia falar, quem sabe, em fazer o museu do artefato. Vou ter várias pessoas para indicar (risos).

Depois que você começa a ler muito, conviver muito, você sente uma passagem. Você sente quando é arte, quando vem, quando é visceral. Ou quando é uma coisa rasa, supérflua.

Mas eu tenho o olho muito complacente. O mercado também pauta muito e isso cansa. Nem sempre o que mercado vende é bom, nem sempre o que custa caro é bom. E as coisas mudam.

Modelos formam palavra 'arte' na rampa do Museu Nacional, em Brasília — Foto: Kazuo Okubo/Divulgação

G1: Então, não estão descartados os eventos externos...

Charles Cosac: Não, eu não tenho nem essa autoridade. O meu papel aqui, por enquanto, é atender as pessoas e escutar o que elas têm a dizer, ponderar. É o que eu fazia, atender e servir.

G1: De que forma sua experiência na Cosac Naify te ajudaria a administrar, gerir a programação cultural?

Charles Cosac: Fiquei 20 anos tratando muito de arte. Antes disso, fiz mestrado em história e teoria da arte, que ajuda também. Depois, fiz doutorado, mas tive que interromper porque tive um câncer.

Aí, fiquei muito mal, larguei e quis vir para o Brasil fazer uma coisa minha. Foi quando eu voltei, em 1996 e montei a Cosac Naify, que era meu projeto brasileiro.

Pessoalmente, a arte é muito ligada ao espiritual. Eu acho que é difícil desvincular.

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