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Por Allan Caldas — Frankfurt, Alemanha


Analista da Alemanha revela os erros táticos do Brasil no 7 a 1

Analista da Alemanha revela os erros táticos do Brasil no 7 a 1

Uma goleada histórica, desenhada fora das quatro linhas, bem antes do apito inicial no Mineirão. Há exatos dez anos, a Alemanha humilhava o Brasil na semifinal da Copa do Mundo de 2014, um resultado que ganhou significado próprio: o famoso 7 a 1. Nem é preciso dizer mais nada para entender de que jogo se trata. Um dos analistas de desempenho da seleção alemã naquele Mundial, Stephan Nopp revelou em entrevista ao ge como o trabalho nos bastidores ajudou o time então dirigido por Joachim Löw a dominar completamente a seleção brasileira naquele 8 de julho de 2014.

Nós mostramos aos jogadores onde estavam os espaços, e como nós podíamos jogar com o adversário para abrir esses espaços. A seleção brasileira se dividia em duas partes, e especialmente o meio do campo era a chave para a gente explorar.
— Stephan Nopp, analista de desempenho da seleção da Alemanha

— Não era porque tinha o Dante na zaga, porque também era assim com o Thiago Silva. Também não importava se era o Bernard no lugar do Neymar. O estilo de jogo era o mesmo. Isso foi realmente a chave para a gente quando nós tínhamos a bola. Se você olhar os gols, vai ver exatamente o que eu estou falando, especialmente o segundo e o terceiro gols — explicou Nopp em entrevista por videoconferência, diretamente do centro de treinamentos da Federação Alemã de Futebol (DFB), em Frankfurt.

10 anos do 7x1: nossa maior derrota contada nas memórias do alemães

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Quatro gols entre os 23 e os 29 do 1º tempo

Sem Neymar, que sofreu séria contusão na coluna contra a Colômbia, nas quartas de final, e Thiago Silva, suspenso por ter recebido o segundo cartão amarelo na vitória por 2 a 1 sobre os colombianos, o Brasil enfrentou a Alemanha com uma escalação inédita na Copa. Por mais que a torcida imaginasse um confronto difícil, duas das maiores potências do futebol mundial, ninguém, nem mesmo os alemães, imaginavam que o jogo estaria praticamente resolvido em 30 minutos.

O primeiro chute a gol foi brasileiro, de Marcelo, bem defendido pelo goleiro Manuel Neuer. A Alemanha abriu o placar com Thomas Müller, aos 11 minutos, e o Brasil sentia dificuldade para se organizar ofensivamente. E, então, em um intervalo de seis minutos, os alemães marcaram quatro gols diante de uma seleção brasileira cada vez mais desnorteada: Miroslav Klose, aos 23, Toni Kroos, aos 24 e 26, e Sami Khedira, aos 29.

Os gols de Brasil 1 x 7 Alemanha pelas semifinais da Copa do Mundo 2014

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Perdido em campo, o Brasil não conseguiu chutar a gol novamente até o intervalo. Em um segundo tempo quase protocolar, André Schürrle marcou mais dois para a Alemanha, aos 24 e 34 minutos, e Oscar fez, já aos 45, o gol que deu ao confronto histórico seu placar — e nome — definitivo.

Nopp trabalha na seleção alemã desde 2011

Nopp, de 44 anos, é formado pela Universidade do Esporte de Colônia, no Oeste da Alemanha. O país tetracampeão mundial é um dos pioneiros no uso de informações acadêmicas como ferramentas para melhorar o desempenho esportivo. Ainda estudante, Nopp fez parte de uma força-tarefa que ajudava o time de analistas da DFB durante a Copa do Mundo de 2006. Cinco anos depois, ele foi contratado pela federação e é até hoje um dos três analistas principais da seleção alemã.

No Brasil, Nopp viu de perto a consagração do futebol alemão e o resultado do trabalho dos analistas da DFB. Também em entrevista ao ge, o goleiro Manuel Neuer relembrou uma das observações passadas pela comissão técnica sobre a seleção brasileira.

— Sabíamos que Neymar e Thiago Silva eram dois grandes desfalques e que o Brasil tinha perdido jogadores importantes na estrutura. E sabíamos que David Luiz era um defensor que gostava de avançar e, portanto, surgiriam lacunas. Sentamos com o treinador e ele nos preparou para que tivéssemos o nosso espaço nas entrelinhas e também em profundidade. E é por isso que era importante mantermos o nosso posicionamento para depois aproveitarmos as oportunidades — afirmou Neuer.

Stephan Nopp, analista de desempenho da seleção alemã — Foto: Reprodução

Embora não se considere um "campeão do mundo", Nopp sabe que sua equipe de análise teve papel importante na conquista do título alemão há dez anos, um trabalho reconhecido pelos próprios jogadores e integrantes da comissão técnica da seleção.

— Acho que essa é maior honra que você pode ter. Na minha visão, não sou um campeão do mundo de 2014, mas eu pude ajudar os jogadores a ganhar a Copa, esse foi o meu papel. Foi um torneio fantástico, algo único na nossa vida. É mesmo uma honra ter o reconhecimento dos jogadores e dos treinadores, é como alguém te dizer: "Ok, você fez um grande trabalho".

Thomas Müller comemora após abrir o placar para a Alemanha no 7 a 1 sobre o Brasil — Foto: Facebook

Primeiro gol combinado com apenas três jogadores

Em quase uma hora de entrevista, Nopp contou que a seleção brasileira vinha sendo taticamente mapeada pelos alemães ao longo da Copa, e que sua equipe pôde perceber padrões de jogo que, tudo indicava, se repetiriam na semifinal. Um deles, na marcação em lances de escanteio, abriu o caminho para o 7 a 1: o gol de Thomas Müller, aos 11 minutos de jogo, foi combinado no dia da partida pela comissão técnica e apenas três jogadores.

— Nós conversamos com o nosso assistente técnico na época, que era o Hansi Flick, vocês o conhecem, depois foi técnico do Bayern de Munique e da seleção alemã. No dia do jogo, fizemos uma reunião rápida apenas com os três jogadores que importavam. Um era o cobrador do escanteio, o Toni Kroos. O outro, Miroslav Klose, porque ele faria o bloqueio. E Thomas Müller, que era o finalizador. Os outros nem precisavam saber o que estava acontecendo, não importava. Três jogadores sabiam o que fazer — revelou Nopp.

Foi realmente legal ver o que pode acontecer quando você se prepara e encontra uma solução para a marcação adversária numa cobrança de escanteio. E foi o gol que abriu o placar, que nos deixou mais fortes. Depois disso a coisa fluiu e nós conseguimos explorar os espaços.
— Stephan Nopp, analista de desempenho da seleção da Alemanha
Analista de desempenho da Alemanha explica jogada que originou primeiro gol no 7 a 1

Analista de desempenho da Alemanha explica jogada que originou primeiro gol no 7 a 1

Para o analista alemão, duas deficiências táticas do Brasil foram fundamentais para o sucesso alemão: a distância entre meio-campo e defesa, e na frente a ausência de alternativas de ataque. No primeiro tempo, quando

— Quando o adversário tinha a bola, era interessante como o Brasil jogava, porque você tinha os dois meias centrais, contra nós era o Fernandinho e o Luís Gustavo, e tinha a segunda parte do time, que era a linha defensiva. E havia um grande espaço entre essas duas partes. No meio do campo, em frente à linha defensiva — explicou Nopp.

A sequência de gols da Alemanha abalou emocionalmente o Brasil, que mal conseguia se aproximar de forma organizada da área de Neuer para tentar reagir. Mas antes mesmo de sofrer o primeiro gol, a seleção brasileira já indicava que teria dificuldade para construir jogadas ofensivas. Nos dez primeiros minutos de jogo, David Luiz já tinha feito quatro tentativas de ligação direta com o ataque, todas infrutíferas. E mesmo quando a bola chegava ao ataque, o Brasil era rapidamente desarmado pela defesa alemã.

— O Brasil não tinha muitas soluções e ideias com a bola. Foram muitos contra-ataques, e eles tentaram várias jogadas individuais, no um contra um, e também muitas bolas longas atrás da nossa defesa. Para nós, foi relativamente fácil defender — observou Nopp.

O 7 a 1 está marcado na história de Brasil e Alemanha, e especialmente para quem viveu de perto a campanha vitoriosa na Copa de 2014, as lembranças vão além da goleada inesquecível na semifinal. Para Nopp, independentemente das deficiências táticas da seleção brasileira, aquela equipe alemã estava destinada a conquistar o tetracampeonato mundial

— A gente já estava no mata-mata, e houve um momento no Campo Bahia, que era o nosso centro de treinamentos na Copa, em que eu estava filmando o treino com uma câmera no alto, e eu pude ver o oceano lá atrás e nosso jogadores interagindo em campo. E eu tive uma sensação de que a coisa estava fluindo e que ninguém poderia nos parar. Não dá para explicar, era um sentimento. Se eu voltar dez anos no tempo, ainda consigo sentir toda aquela atmosfera — afirmou.

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