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Por Redação Glamour


A artista plástica Flavia Zimbardi, em meio às suas criações em ouro (Foto: Reprodução/Instagram) — Foto: Glamour
A artista plástica Flavia Zimbardi, em meio às suas criações em ouro (Foto: Reprodução/Instagram) — Foto: Glamour

"A primeira vez que ouvi falar em 'Desenho Industrial' – que é como as faculdades no Brasil chamavam os cursos de design – foi aos 12 anos. Minha escola fez um concurso com os alunos de 6ª e 7ª séries para criar o logo da feira de ciências. Eu, que sempre amei as aulas de arte, não perdi a oportunidade. Algumas semanas depois, descobri que meu desenho era o vencedor (eu tinha feito meu primeiro trabalho como designer da vida!). A partir daí, não tive dúvidas que seria a primeira pessoa da família a não cursar medicina ou engenharia e seguir uma carreira artística.


Quando entrei na faculdade, na PUC-Rio, meu sonho era trabalhar com computação gráfica e games. Mas logo no primeiro estágio percebi que odiava! Me apaixonei pelas aulas de design editorial e coloquei no mundo meu primeiro projeto pessoal, o jornal “Design na real”, feito sobre design para designers. Nos anos seguintes, fui para São Paulo e meio sem querer comecei minha carreira dentro deste universo, quando conheci o diretor de arte Alceu Nunes, hoje na Companhia das Letras, que me convidou a participar de projetos em uma grande editora.

Trabalhar com revista é uma experiência muito rica e intensa. Principalmente se você não focar em um só segmento. Existem muitas soluções diferentes de layout, linguagem fotográfica, repertório de ilustração, infografia, etc. E era muito legal ficar imersa em um determinado mundo, aprender o máximo com ele. Participei de várias mudanças de projeto gráfico, mergulhei no universo da moda e pude trabalhar com uma linguagem sofisticada, minimalista e cool – que conversava mais diretamente com as minhas influências e inspirações. Era uma vida bem divertida, mas com pouquissímas horas de sono.

O problema é que, ao crescer na carreira, a mão na massa foi dando lugar a atividades cada vez mais burocráticas. De repente, eu estava pulando de reunião em reunião, respondendo mil emails, gerenciando uma equipe de 20 pessoas, controlando budgets... Apenas 10% do meu trabalho era criar. No final de 2013, me vi nesse dilema: mercado editorial em crise, vida frenética... Não fazia mais sentido. E decidi que era hora de começar tudo de novo.


A idea de morar fora era antiga, mas por um motivo ou por outro, sempre acabava adiada. Só que, naquela hora, parecia que a oportunidade batia na minha porta. E não pensei duas vezes: queria me mudar para Nova York para investir em outra grande paixão, a tipografia. Foi uma grande aposta. Em menos de 4 meses, eu e meu marido (que é um excelente letrista e sign painter) encerramos todos os compromissos em São Paulo, resolvemos a papelada de visto, compramos passagens e, um dia antes do réveillon, aqui estávamos.

Lembro de quando chegamos no JFK [o aeroporto internacional de Nova York]. No caminho para o Brooklyn, a paisagem era branca de tanta neve. Foi um dos invernos mais frios da história dos EUA, o East River estava congelado. Então, além da dificuldade de adaptação ao clima, rolou pra gente uma estúpida diferença de mood [em relação à] cidade. As pessoas ficam mais introspectivas e reclusas, o que nos dificultou consideravelmente a fazer os primeiros contatos (ninguém quer sair pra tomar um café com sensação de - 20°C, né?). Um pouco por isso, os primeiros meses foram de muita burocracia ne experimentação. Aproveitamos esse modo “hibernação” da cidade para tocar projetos pessoais, explorar novas linguagens e estudar.

Logo ficaria claro para mim que esse seria o plano – abrir nosso studio de design e lettering juntos. Misturar nossos backgrounds diferentes e oferecer o que sabemos fazer de melhor para o mercado de moda, luxo e lifestyle. Mas nenhum plano era ou é 100% certeiro – ainda mais quando você muda de area e país ao mesmo tempo. Era preciso um mix de coragem e felizes coincidências...


Ter experiência é sempre uma vantagem, porque você já explorou e aprendeu muita coisa, e esses ensinamentos vão acumulando, e muitos desafios se repetem. Apesar de estar me dedicando mais ao desenho de letras agora, foram anos usando fontes e aprendendo a dar voz a elas. Buscando as melhores combinações e hierarquias. Isso gerou um apuro no olhar, que me favorece na hora de decidir que características devo incorporar no projeto x, ou y.

Mas, recomeços nunca são assim tão preto no branco. Você também precisa se permitir experimentar e lidar com a angustia, de que muitas vezes terá de dar um ou dois passos atrás em um novo país. Seguir um novo caminho, demanda mais tempo, mais energia – e a palavra de ordem é persistência. Afinal, apostar em uma carreira em outro país é praticamente uma aposta em si mesma -- e a cada pequena vitória, minhas baterias eram recarregadas. Nenhuma decisão foi tão difícil quanto deixar o Brasil para ir atrás de algo novo, foi isso que mudou tudo na minha carreira.

Nesses 3 anos que estamos em Nova York, não sofri preconceito por ser mulher e latina, mas por ser imigrante. Desbravar o mercado internacional é um exercício de adaptação a novas rotinas e culturas. Os perrengues são vários: lingua, costumes, legislação… Um simples e-mail de prospecção ganha outro nível de dificuldade porque você não está acostumada a se comunicar como um americano – e não me refiro ao seu nível de inglês, e sim às pequenas nuances de tom, expressões, etc. É preciso rebolar, sair da zona de conforto e aprender a jogar como eles.

Acho que conseguimos, porque conquistamos muitas coisas incríveis desde a mudança. Mas ter sido convidada para participar do juri da 12ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e ter recebido o certificado de excelência tipográfica pelo TDC (Type Directors Club), com o trabalho que fizemos para o Artists & Fleas no Chelsea Market -- por coincidência, as duas conquistas mais recentes -- me deixaram honrada e orgulhosa de ter escolhido esse caminho.

Apesar de o mercado enxergar o que fiz como uma mudança, pra mim foi mais uma expansão, uma nova especialização. Minha conexão com o desenho de letras vem da infância. Quando quebrei o braço, aos 7 anos, minha maior preocupação era não arruinar meus cadernos e conseguir manter minha caligrafia mesmo escrevendo com gesso. Já na faculdade, me reconectei a paixão antiga e fiz vários workshops sobre o tema. Ao longo dos anos que trabalhei com revistas, sempre busquei escolher as famílias tipográficas mais adequadas para cada projeto gráfico e adorava brincar, manipulando e dando nova vida a fontes ou desenhando letterings à mão. Seguir uma especialização em type design foi um passo orgânico para que eu continuasse explorando novos recursos visuais e amadurecendo.

É dessa nova fase que veio a série Half&Half. Fiz um exercício durante uma aula de linguagem visual, lá em 2000, para explorar graficamente as várias maneiras de dividir um módulo quadrado em partes iguais. Sou fã de arte concreta, grids, e do conceito modular, amo mixar formas geométricas, patterns e tipografia nos meus trabalhos. É um quebra-cabeça de elementos que me intriga bastante. Desde que comecei a Half&Half, tenho buscado novos jeitos de explorar o conceito, misturando-o com outros processo, materiais, formas. Depois dos primeiros quadros em folha de ouro, criei um alfabeto geométrico, patterns pintados a mão em tecido e, atualmente, estou desenvolvendo novas artes para uma série de murais – que é um segmento que queremos explorar cada vez mais.

Daqui pra frente, meu principal projeto é aprender mais a teoria e a prática. Por isso, estou cursando o programa de pós graduação em type design da Cooper Union, onde estou desenvolvendo o “embrião” do que será o design da minha primeira fonte. Acho que eu não poderia estar mais orgulhosa e empolgada com o quanto aprendi desde que comecei, em outubro de 2016, e o tanto que ainda tem por vir! Logo começo o terceiro (e mais intenso) trimestre, e pretendo focar nos estudos ao máximo durante o verão. Em paralelo, estamos tocando o projeto de dois murais, que serão quase “landmarks” (pontos turísticos) aqui no Brooklyn, pelo tamanho e excelente localização. Também estou rascunhando propostas para escrever e editar uma pequena série de livros sobre sign painting, lettering, e type em português. Queremos muito poder usar dessa experiência aqui no exterior para devolver algo ao Brasil e contribuir para o fortalecimento do nosso mercado aí. E, se tudo correr como o planejado, o passo seguinte é realizar meu sonho e me aplicar para o mestrado de type & media da KABK na Holanda e passar um ano completamente dedicada ao mundo acadêmico e à pesquisa.

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