Moda
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Por Ana Carolina Pinheiro (@anacarolipa)

Há uma conta que não fecha na indústria da moda e não é de hoje: por que mulheres são maioria na produção, mas não chegam na mesma proporção ao topo da cadeia? Com a saída de Sarah Burton da Alexander McQueen, em 2023, a conversa sobre a escassez feminina em cargos estratégicos e na direção criativa de marcas se alastrou para além do contexto do luxo, em que se conta em uma mão as personalidades femininas que furaram o clube do bolinha, como Maria Grazia Chiuri, Miuccia Prada e Gabriela Hearst. Se o cenário é desproporcional com o recorte de gênero, quando olhamos para raça e nacionalidade, por exemplo, a balança fica ainda mais desigual.

Diante dessa estrutura, é possível ver o copo mais cheio? Fizemos essa pergunta para Angela Brito e Patricia Bonaldi, estilistas que vêm trabalhando há mais de duas décadas na construção de um cenário mais favorável às mulheres na moda. Com o Brasil como ponto de encontro dessas trajetórias, sendo uma cabo-verdiana abraçando o Rio de Janeiro como lar há três décadas e uma brasileira conquistando a ponte aérea São Paulo-Nova York, elas abrem portas ao ocuparem posições inéditas, como Angela tornando-se a primeira mulher negra a ter uma marca no line-up do São Paulo Fashion Week, e Patricia sendo a única brasileira integrante do Council of Fashion Designers of America (CFDA). A seguir, as designers compartilham os bastidores de colocar na rua coleções com periodicidade, essência e diálogos pertinentes à sociedade.

Angela Brito

Angela Brito — Foto: Mateus Augusto Rubim
Angela Brito — Foto: Mateus Augusto Rubim

No ateliê e longe dos holofotes, Angela Brito desfruta da paz que pede sua essência introspectiva. Com alma carioca e Cabo Verde como raiz, a estilista confessa que demorou para se sentir pertencente à indústria, mas depois entendeu à sua forma que existia naquele lugar. "As pessoas costumam dizer que enxergam uma identidade forte na minha marca, e eu acredito piamente nela, principalmente por criar moda com um olhar para a cultura", considera a designer, que em sua mais recente coleção, Romaria, trouxe estampas exclusivas assinadas pelo artista plástico Maxwell Alexandre em vestidos, saias e lenços.

As imagens interpretadas pelo criativo foram baseadas em fotos de Angela feitas em festas de santos, mais um ponto de convergência da história da fundadora da marca homônima que inspira seu processo criativo. "Tenho pensado muito nessa questão das origens serem atravessadas por eu ser estrangeira, de estar fora do meu lugar, mas sou uma mulher africana que vive na diáspora, então também sou brasileira. No fim, percebo que a busca incessante por essa definição de origem é sobre os outros e não sobre mim", reflete a estilista.

Angela Brito no SPFW N54 — Foto: Getty Images
Angela Brito no SPFW N54 — Foto: Getty Images

A ideia de feminilidade é ampliada pela criativa, que dispensa os códigos pensados de cara para elas. "Se você for ver meu guarda–roupa pessoal, ele é praticamente masculino dentro do conceito patriarcal. Faço uma moda que tem uma pitada feminina com austeridade", diz Angela, que estranhou a posição de subalternidade imposta a mulheres quando chegou ao Brasil nos anos 1990.

Acostumada com um ambiente familiar majoritariamente feminino, a primeira experiência profissional, do outro lado do Atlântico, na área tecnológica, escancarou a realidade do País. O baque, no entanto, não a paralisou. "Sou do time que vê o copo sempre meio cheio. Costumo dizer que estou na indústria, mas não vivo na indústria. Hoje em dia, consigo ter alguma voz, mas preciso ter muita disciplina e pé no chão, porque, para gerir uma marca que não tem investidor, você tem que ser certeira em tudo que faz."

Para encontrar o equilíbrio, Angela tem como meta dar vazão aos sonhos que ficaram de lado nos últimos anos, menos ligados à moda e mais conectados à cultura, para girar a engrenagem da monetização a seu favor.

Patricia Bonaldi

Patricia Bonaldi — Foto: Divulgação
Patricia Bonaldi — Foto: Divulgação

Equilibrar demandas pessoais com o gerenciamento de uma marca em expansão internacional só é possível na vida de Patricia Bonaldi graças ao processo de autoconhecimento, em que a vitalidade se materializou no silêncio. Taurina, a fundadora e diretora criativa da PatBO e diretora do Grupo Nohda precisou ser regrada para atravessar a maratona dos últimos meses, que envolveu o lançamento da sua segunda loja em Miami, a reinauguração da loja de São Paulo e o desfile na New York Fashion Week. "Não dá para falar que estou plena, mas me cuido bastante e faço meditação. Digo que meditar funciona não para a pessoa zen, e, sim, para alguém estressada como eu", brinca a estilista.

Com meta neste ano de colher os frutos do investimento feito nos EUA e intensificar a presença na Europa, Patricia explica que os passos exigem cautela por ser uma marca sem investidores e sócios fora do País. "Olhando para o mercado americano, estamos no começo e com um vasto caminho a ser percorrido, claro, sem deixar de olhar para o Brasil", destaca a diretora, que planeja um evento para as clientes e imprensa brasileira neste ano no País, assim como fez no ano passado.

O diferencial da marca é o apreço pelo trabalho artesanal local. Com uma equipe de artesãs de Uberlândia, em Minas Gerais, cidade natal de Patricia, o projeto social Costurando Sonhos foi a forma que a estilista encontrou de aproximar mulheres dos saberes manuais, garantindo independência financeira e valorização da técnica.

Coleção outono/inverno 2024 PatBO desfilada na New York Fashion Week — Foto: Getty Images
Coleção outono/inverno 2024 PatBO desfilada na New York Fashion Week — Foto: Getty Images

Cercada por essa rede feminina, a designer tem a modelista Luz Dalva como seu porto seguro desde o primeiro ano da marca. "Ela é autodidata. Começou comigo como costureira e aprendeu sozinha a modelar, tornando–se uma figura muito forte e me emociono só de falar." Das colaboradoras às clientes que ainda vão conhecer suas criações, a estilista busca uma reação de encanto, de forma que símbolos românticos, como pérolas, rosas e plumas, são desassociados da ideia de fraqueza.

"Ser feminino não é ser fraco. Ser feminino não é ser vulnerável. Obviamente, tem mulheres que não se identificam, que são mais minimalistas ou têm um estilo mais andrógino, mas gosto de ter a liberdade de também poder usar flores e tons femininos", ressalta a criativa, que questiona a ideia de que, para gerir uma empresa, ainda é esperado que uma gestora tenha que se endurecer ou rivalizar com profissionais do setor.

"Me vejo no futuro investindo na preservação e desenvolvimento de talentos mais do que dedicada a uma marca. Em um coletivo criativo, o objetivo não é destruir a criatividade para ganhar dinheiro, mas sim exaltar essa subjetividade para desenvolver esses nomes", explica Patricia sobre a dinâmica aplicada no Grupo Nohda, que contempla PatBO e Apartamento 03.

Elas indicam

Externalizando um movimento orgânico na vida das estilistas, a convidamos a indicarem duas mulheres designers por aqui. Sugerida por Angela Brito, Bárbara Heliodora repensa a chapelaria com toque contemporâneo com a marca Barbarah, que tem chapéus clássicos com matéria-prima natural e mão de obra Made In Brazil como destaque. Além dos acessórios, a etiqueta traz uma linha de beachwear e moda noiva focada em véu e grinalda. As peças são encontradas no site da marca e na loja Pinga em São Paulo e Rio de Janeiro.

Barbara Heliodora — Foto: Instagram
Barbara Heliodora — Foto: Instagram

Já a indicação de Patricia Bonaldi, assim como a estilista mineira, tem desbravado passarelas internacionais. Brasileira radicada em Londres, Karoline Vitto fez barulho em sua estreia na semana de moda de Milão com peças pensadas para corpos maiores, representados em um casting histórico na edição primavera/verão 2024. A inserção de detalhes metalizados em recortes, principalmente nas laterais das peças, tornaram-se uma das marcas registradas da label.

Karoline Vitto — Foto: Instagram
Karoline Vitto — Foto: Instagram

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