• Alexandre Teixeira
Atualizado em
Novo workaholic não abre mão do esporte e da família (Foto: iStock)

Novo workaholic não abre mão do esporte e da família (Foto: iStock)

Se alguém, um dia, precisar reunir os personagens desta reportagem para uma rodada de negócios, fica aqui uma sugestão: marque o encontro na Vila Olímpica. Maratona, triatlo, judô, taekwondo e windsurfe são algumas das modalidades praticadas – em alguns casos com dedicação e resultados semiprofissionais – por este pequeno conjunto de executivos. Mas boa sorte com as agendas. Todos presidem empresas, obviamente com rotinas intensas, e dificilmente permitem que compromissos extracurriculares roubem o tempo sagrado para suas famílias ou, no caso dos solteiros, para os hobbies que fazem brilhar seus olhos. Representantes de uma geração que conviveu com chefes e colegas viciados em trabalho (e em certos momentos se confundiram com eles), esses profissionais fizeram do esporte a pedra angular para a construção de rotinas criativas.


Sua dedicação a empresas tão diferentes entre si como P&G, Leo Burnett e Unisys não é avaliada pelo número de horas passadas no escritório, uma obsessão típica dos velhos baby boomers. “Talvez porque eles não tivessem outros interesses na vida”, afirma Alberto Ogata, diretor técnico da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV). Tampouco é medida pelos símbolos de status corporativo que conspiravam contra a saúde dos executivos, a começar pela vaga de estacionamento próxima ao elevador. Pelas novas regras com as quais eles estão subvertendo o jogo corporativo, o que vale são os resultados entregues e o modo como se dá essa entrega: com equilíbrio e foco invejáveis. É o que permite a altos executivos, em posições de destaque nas companhias que lideram, terem vidas saudáveis, interessantes e, quase sempre, divertidas. É o que faz deles a primeira geração dos chamados novos workaholics.

O ponto de partida para essa mudança de paradigma encontra-se no Vale do Silício. O engravatado durão que demitia 10% de seus funcionários todo ano deu lugar ao ex-hippie. E as empresas passaram a trocar horários a cumprir por tarefas a executar

Com idades entre 40 e 50 anos, eles estão no auge de suas carreiras, lideram multinacionais e têm vasta experiência internacional. São todos apaixonados pelos esportes que praticam, mas têm uma visão utilitária da atividade física. Em troca da disciplina férrea que tira a maioria deles da cama antes de o sol nascer, esperam benefícios (aplicáveis ao trabalho) como energia, serenidade e capacidade de executar impecavelmente sob pressão.

Pragmaticamente, eles estão trocando quantidade por qualidade no trabalho porque entenderam que mais tempo no escritório não significa mais trabalho feito. Um estudo recente da Business Roundtable, uma associação de CEOs de grandes empresas nos EUA, concluiu que embora um pico concentrado de muitas horas de trabalho possa aumentar o rendimento em prazos curtos (fechamentos de trimestre, lançamento de produtos, etc.), longas jornadas sistemáticas tendem a diminuir a produtividade. Os pesquisadores constataram que pessoas trabalhando 60 horas por semana – ou 12 horas por dia – durante dois meses não produziram mais do que num regime tradicional de 40 horas semanais – ou oito horas diárias. Já uma semana de 80 horas provoca burnout em menos de um mês.


Há raízes históricas para a transformação em curso. “No início dos anos 80 tivemos as primeiras manifestações de executivos que se saturaram da busca pelo sucesso, justamente por terem percebido que o custo de alcançá-lo é imenso”, afirma o professor Esdras Vasconcellos, do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo. “Naquela época, reduzir o ritmo era mais difícil. Então, alguns abdicaram da carreira executiva.” Ouviam-se casos anedóticos de executivos que largavam tudo para abrir uma pousada no Nordeste. No auge da onda workaholic, eles tiveram o insight que originou o que Vasconcellos chama de ecologia da vida. “Esse novo pensamento não traz uma abdicação da vida civilizada, moderna, até certo ponto consumista”, pondera. “Traz, sim, uma leveza simbolizada pela troca do tênis (longas partidas, alta competitividade) pela ioga (meditação, retiros espirituais).”

Geograficamente, o ponto de partida para essa mudança de paradigma encontra-se no Vale do Silício – não por acaso, na Califórnia. Volte aos anos 60. Ali floresceu todo o movimento hippie, toda a contracultura que influenciou São Francisco e região. “Esses anos revolucionários romperam totalmente com valores antigos”, afirma Vasconcellos. Duas décadas depois, a Califórnia estava no epicentro do surgimento da informática, do computador pessoal como facilitador de processos de trabalho.

Placas tectônicas do mundo corporativo se moveram durante o período de ascensão e estrelato de Steve Jobs. Da sua explosão como empreendedor, nos anos 80, à sua assimilação pelo establishment empresarial na primeira década do século 21 – que coincide com o caso de Jack Welch, até então o grande ícone do executivo vencedor e o protótipo do workaholic. O engravatado durão que demitia 10% de seus funcionários todo ano deu lugar ao ex-hippie com grande apetite por LSD, meditação e comida vegana. Era o início de uma revolução cultural. Pragmática. As empresas, ao perceber que a permissão para que as pessoas trabalhem com um pouco mais de leveza acaba trazendo resultados, decidiram relaxar. Trocaram horários a cumprir por tarefas a executar. Os ambientes de trabalho ganharam quadras de esporte, áreas de lazer, restaurantes gourmet.

Se workaholic é o profissional que não consegue ou tem grande dificuldade de se desconectar do trabalho, o que importa não é o número de hobbies e atividades esportivas que ele encaixa na rotina. O desafio para esse executivo é o poder de se desligar

Esse movimento ganhou impulso com uma mudança na cultura das empresas na década de 90, quando começa a implantação dos programas de qualidade de vida. A geração que estava, então, em início de carreira já recebeu esse novo modelo mental de autogerenciamento nos seus anos de formação. “Esses executivos têm consciência elevada e tratam a saúde como elemento de sustentabilidade pessoal”, diz Carlos Legal, sócio da consultoria Legalas, especializada em educação corporativa. Parte deles abre mão voluntariamente de posições no topo das organizações. Todavia, há aqueles que querem tudo: chegar ao topo de suas empresas, porém sem sacrificar vida pessoal e vida familiar.

Na visão de Vicky Bloch, uma das mais renomadas coachs de CEOs do país, o perfil predominante no topo das companhias brasileiras ainda é o do workaholic clássico. Profissionais atléticos são pontos fora da curva e não um retrato fiel da realidade do Brasil, onde 51% das mulheres e 47% dos homens hoje são sedentários. A obesidade é uma epidemia, sobretudo na base da pirâmide organizacional das empresas. Mas isso está mudando, e rapidamente.

“Estamos em transição”, nota Vicky. A mudança maior está se dando com a entrada no primeiro escalão das empresas de executivos na faixa de 35 a 45 anos. Pessoas que já são associadas ao que ela chama de geração flexível, no que diz respeito à sua relação com o tempo e o espaço em que o trabalho é executado. Gente mais saudável, sem dúvida, mas não necessariamente menos viciada em trabalho, pondera Vicky. Afinal, se workaholic é o sujeito que não consegue se desconectar do trabalho, o que importa não é o número de hobbies e atividades esportivas que ele encaixa na rotina. O desafio é o poder de se desligar.
Alguns sintomas típicos do antigo vício em trabalho, é bem verdade, tornam-se mais raros na geração flexível – como os casamentos desfeitos. De acordo com as pesquisas de Bryan Robinson, psicoterapeuta, professor emérito da Universidade da Carolina do Norte e autor do livro Chained to the Desk (“Acorrentado à Mesa”, sem edição em português), casamentos com ao menos um cônjuge workaholic têm 40% mais riscos de acabar em divórcio. Contudo, se a cachaça do workaholic é o trabalho, a dependência, em muitos casos, continua presente. “Só que hoje ele não trabalha apenas no escritório”, diz Vicky. “Trabalha em casa, no carro, correndo.”

O próximo desafio, então, talvez seja completar a transição desses novos workaholics em autênticos pós-workaholics. A troca da guarda geracional, sem dúvida, está fazendo sua parte. Basta conferir o depoimento de Ricardo Sangion, principal executivo da rede social Pinterest no Brasil. Mais jovem do time aqui reunido, ele se orgulha de dormir muito, trabalhar pouco, entregar resultados e ainda ter tempo para administrar um site, um bar e uma pousada na Bahia. Nem tudo, porém, se resume à idade. Valores antes reprimidos estão sendo integrados à vida executiva. “A espiritualidade passa a ser importante”, exemplifica o professor Vasconcellos. E há o poderoso efeito demonstração. “As empresas começam a perceber que até profissionais na posição de CEO já não estão mais disponíveis para alcançar resultados a qualquer preço”, observa o consultor Carlos Legal. Ao dizer que não estão dispostos a fazer qualquer tipo de sacrifício para chegar ao topo, esses profissionais aceleram o processo de mudança no próprio modo de funcionar das organizações.