Esporte Clube

Por Zach Baron*

A Residência Sheats-Goldstein, localizada no alto de Beverly Hills, é uma maravilha projetada por John Lautner: tem uma quadra de tênis, um lago koi e, da sala de estar, uma vista deslumbrante de Los Angeles, que entra agora na primavera. Embora seu proprietário, Jimmy Goldstein, figura carimbada nos jogos da NBA, tenha se comprometido em 2016 a um dia doar a casa para o LACMA, fotos de Goldstein com vários luminares – Bill Clinton, Karl Lagerfeld, Drake – ainda revestem as paredes, e uma coleção de CDs bem gasta (Pure Pacha Summer 2014, Club St. Tropez 2006) fica empilhada em um canto da sala de estar. Foi aí que filmaram a cena de O Grande Lebowski em que Jeff Bridges se espalha no sofá modernista, sonhando, drogado por um white russian particularmente potente. Agora, Roger Federer está sentado bem perto de onde The Dude se sentou, observando a vista.

Ele não viu o filme, diz ele, embora tenha ouvido que foi um "grande sucesso" – parece mais familiarizado com o local porque uma vez filmou algo ali para uma marca de champanhe, o que é uma coisa muito Roger Federer de se dizer. Ao vivo, ele é um pouco mais alto do que você imagina, e seus olhos têm um tom mais avelã. Aos 42 anos, ele ainda se move com a mesma graça e eficiência de quando era tenista profissional, embora quando ele e eu nos levantamos do sofá onde conversamos, ambos fazemos exatamente o mesmo gemido involuntário. (Não importa que Federer tenha jogado mais de 1.500 partidas de tênis profissional e vencido vinte Grand Slams, e que eu seja apenas um cara que assistiu a uma amostra dessas vitórias de uma variedade de posturas reclinadas – foi exatamente o mesmo som.) "Elas estavam bem ontem", diz Federer, rindo e dando tapinhas suaves nas costas.

Ontem à noite, Federer participou da cerimônia do Oscar pela segunda vez. (A primeira vez foi em 2016, "quando Leo [DiCaprio] venceu por O Regresso" – outra coisa muito Roger Federer de se dizer.) Mesmo antes de se aposentar, em uma noite cheia de lágrimas em setembro na Laver Cup 2022, em Londres, Federer tinha interesses incomuns, para um atleta profissional, no mundo fora do esporte. Ele tem sido presença constante nos tapetes vermelhos, de Wimbledon ao Met Gala. "Conheço alguns jogadores que fazem hotel, clube, hotel, clube, serviço de quarto, assistindo esportes o dia todo, e é isso", diz Federer. Este não era, e não é, o caminho escolhido por ele. Ele é um cara social e curioso. Desde que se aposentou, em parte por conta de uma lesão no joelho esquerdo que exigiu várias cirurgias, tem viajado com frequência de sua casa na Suíça – já foi a Tóquio, Tailândia, África do Sul – com sua esposa e quatro filhos, e também se inseriu no design, mais recentemente com a marca californiana de óculos Oliver Peoples, com quem está lançando uma linha elegante de óculos escuros esta semana.

Roger Federer veste jaqueta Todd Snyder | blusa Uniqlo | óculos escuros by RF Oliver Peoples — Foto: Lachlan Bailey
Roger Federer veste jaqueta Todd Snyder | blusa Uniqlo | óculos escuros by RF Oliver Peoples — Foto: Lachlan Bailey

Um ano e meio depois de sua nova vida, ele está reflexivo, mas ainda aparentemente encorajado pela mesma mistura de facilidade e foco na qual confiava quando jogador. "Apenas ficar na mente estreita do tênis não é suficiente para mim", diz Federer. "Sinto que sair, conhecer pessoas e fazer coisas diferentes é muito atraente para mim, ainda que eu antes temesse tapetes vermelhos, conversa fiada e todas essas coisas."

Por que tinha esse medo?

Ah, porque… o que se fala nessas situações? O que estamos fazendo ali? Por que eu tenho que vestir isso? Todas aquelas dúvidas da época de adolescente, por exemplo, "Meu Deus, eu não consigo respirar nessa gravata!". Aí eu pensei: preciso usar mais ternos, para conseguir me sentir confortável de gravata. E, na verdade, eu costumava fazer um esforço consciente de usar mais gravatas, com um blazer ou paletó, e jeans, ou gravatas com um cardigã, e apenas me certificar de que me acostumei com a sensação de usar esse tipo de roupa.

Essa é uma resposta típica de atleta. Como dizer, “Ah, é só eu treinar.”

"Vou treinar", isso. Eu treino para me sentir confortável. Isso é tão verdadeiro! Porque se você só usa algo muito de vez em quando, e depois só em premiações, você vem para a premiação literalmente surtando, porque é tão desconfortável, e você está tão nervoso... Então eu pensei: tenho que entrar no estado de espírito correto.

Como está sendo a aposentadoria?

Estou muito aliviado, se isso fizer algum sentido. Os últimos anos foram difíceis, por conta do meu joelho. Dava para sentir o fim se aproximando. Então, quando tudo está claro, e você chega no limite e se vê oficialmente aposentado, você respira fundo e pensa, "Tudo bem. Isso foi bom".

Roger Federer veste suéter Theory | shorts Uniqlo | tênis on — Foto: Lachlan Bailey
Roger Federer veste suéter Theory | shorts Uniqlo | tênis on — Foto: Lachlan Bailey

Então a emoção não era tristeza? Era felicidade?

Naquele momento, eu estava sofrendo. Porque sabia que ia ser difícil. O momento da aposentadoria em Londres, tudo o que levou a ela. E então, é claro, você tem flashbacks um tempo depois, quando revê momentos ou quando as pessoas perguntam: "Como você se sentiu?", e mostram um destaque daquele dia. Eu só pensava, "Deus, eu realmente tenho que ver isso de novo?".

Mas você estava soluçando naquela noite.

Sim, sim, foi algo muito forte. Algo que sempre esteve com você se foi para sempre, e você não pode ter de volta nem se quiser muito. E tudo bem, e quero que seja assim, mas é claro que você não pode simplesmente, de um dia para o outro, dizer, "Foi fácil passar por isso".

No fim das contas, você sente que conseguiu o final que queria?

Definitivamente. Melhor que o que eu queria. Porque eu sempre tive pavor do momento em que você joga e a partida acaba, a gente aperta a mão, e aí o adversário meio que se afasta, ou fica por ali, e você pega o microfone, e você está sozinho na quadra. Alguns dos seus amigos estão na arquibancada, mas ninguém sabe se você vai perder na primeira rodada ou se está perdendo a final ou o que quer que seja, então nem todo mundo pode estar lá. Nem todo mundo sabe se aquele mesmo dia seria o seu fim. Então você acaba pensando, ok, é isso, puf, acabou, e então vem o próximo jogo e o show continua.

Roger Federer veste suéter Theory | shorts Uniqlo | tênis on — Foto: Lachlan Bailey
Roger Federer veste suéter Theory | shorts Uniqlo | tênis on — Foto: Lachlan Bailey

E os próximos dois caras saem e começam a bater uma bola de tênis.

É, não é grave, o show tem que continuar. E eu sempre tive medo de ficar sozinho em quadra. Tudo o que eu sempre esperei era estar em um ambiente de equipe e cercado pelos meus, onde eu pudesse dizer ao mundo: "Ok, este é o dia". Não me lembro da data para ser honesto, mas em uma sexta-feira à noite em especial eu pude dizer, hoje eu vou jogar e todos podem vir me ver jogar. Ainda havia um sábado e domingo que se seguia à Laver Cup e eu podia ficar por perto, relaxar, desfrutar. Eu ainda fazia parte da equipe, então parecia que havia uma rede de proteção me segurando.

Você se permitiu imaginar a aposentadoria enquanto jogava?

Ah, sim, totalmente. Você tem uns flashes enquanto se senta no carro a caminho do treino, ou algo assim, e olha para fora e pensa: Ok, como vai ser minha aposentadoria? Ou: Onde vou me aposentar? Como? Quanto tempo mais posso jogar? Essas perguntas naturalmente passam pela sua mente quando você pensa sobre a vida, seus filhos e para onde tudo vai se encaminhar. Mas acho que todo jogador tem isso. Me perguntam sobre aposentadoria desde 2009, quando ganhei o Aberto da França e empatei o recorde do Sampras [de 14 Grand Slams]. As pessoas perguntam: "E agora, qual é o próximo desafio?" E eu penso, boa pergunta. Não sei. Mas adoro jogar e vamos ver onde isso me leva.

Durante toda a sua vida, você pensava, "Sou um tenista profissional, essa é a minha identidade". E então um dia você não é mais um tenista profissional. Houve algum momento em que você pensou: "Peraí, quem sou eu na verdade?"

Estou aposentado. As pessoas perguntam "O que você faz?" e eu não sei. Estou aposentado. É estranho. O tênis era minha identidade, mas não era o que eu fazia todos os dias, o tempo todo. Quero dizer, na maior parte do tempo, estou sendo pai, marido, filho. Ser tenista era meu hobby, e depois se tornou meu trabalho. Mas sempre tentei não me identificar apenas como tenista. Quando o tênis foi tirado de mim, ou deixado de lado, bem, eu ainda tinha todas as outras coisas. E acho que essa mentalidade tem sido uma força minha ao longo da minha carreira. Eu sabia que, se o tênis acabasse amanhã, o que pode acontecer se a gente sofre um acidente ou o que quer que seja, eu tinha que ser capaz de viver consigo mesmo sem o jogo.

Roger Federer veste suéter Theory | shorts Uniqlo | tênis on — Foto: Lachlan Bailey
Roger Federer veste suéter Theory | shorts Uniqlo | tênis on — Foto: Lachlan Bailey

Isso é algo que você diz a si mesmo enquanto está jogando. Mas o que acontece quando um dia você acorda e realmente precisa viver isso?

Sinto que tem sido até bastante simples mergulhar na vida da aposentadoria. Na verdade, não tenho tempo suficiente no dia. E eu amo estar cercado de pessoas e amigos, sou muito social. Então acho que isso sempre me ajudou, o fato de que eu não fico sozinho, isolado em um canto. Eu sinto que tive talvez duas tardes desde a minha aposentadoria onde fiquei em casa sozinho porque as crianças estavam na escola, ou fazendo algo, e minha esposa estava trabalhando em alguns outros projetos. E de repente me peguei pensando, "Ok, o que eu faço? Eu não sei". Foi bastante constrangedor. Então tento não ter esses momentos. Não fazer mais isso. Não vou fazer isso de novo.

Você sente que a aposentadoria mudou sua relação com o tempo?

Boa pergunta. Eu sinto que os minutos importam mais agora do que antes. Não sei se é uma coisa da idade, também: à medida que você envelhece, você sente que o tempo está fugindo de você e você ainda tem muito a realizar, muito a fazer.

Uma das coisas que você fez foi começar a projetar coisas, como roupas e sapatos, e agora óculos de sol. O que você ganha com isso?

Acho que quando você tem a chance de trabalhar com grandes pessoas, grandes mentes, você entra nessa ideia de como seria legal ter, por exemplo, seus próprios óculos de sol. E pensa, "se eu pudesse, quem escolheria?" Oliver Peoples, o quão legal seria isso? Califórnia, um lugar tão distante da Suíça, um mundo completamente diferente. Como poderíamos conceituar uma ideia e fazê-la ganhar vida? E o fato de que passei 80% da minha vida correndo atrás do sol o ano todo, por conta dos campeonatos, me faz querer usar mais óculos escuros agora. Não sei o que desencadeou isso tudo, mas eu só pensei que poderia ser algo muito divertido.

O quanto você se envolveu no projeto real da coisa?

Neste caso, com a Oliver Peoples, eles esboçaram as ideias, mas eu trouxe minhas opiniões também. E aí foi como colocar tudo em uma panela, cozinhar, mexer. E então se perguntar: "Qual é a nossa inspiração?" Queremos referenciar o tênis ou ficamos completamente longe dele? Eles acharam que seria legal referenciar o tênis com algumas das cores que fazem referência às diferentes superfícies, e com as cordas na parte de trás, com o logotipo. Eu só pensei, que ótima ideia. Então, ok, vamos mergulhar mais fundo nisso. E estou muito feliz com o resultado. Honestamente, acho que ficaram muito bons.

Roger Federer veste suéter Theory | shorts Uniqlo | tênis on — Foto: Lachlan Bailey
Roger Federer veste suéter Theory | shorts Uniqlo | tênis on — Foto: Lachlan Bailey

Mas você nem sempre se interessou por moda. O que o levou a isso?

Ah, com certeza as viagens. Minha esposa, Mirka, é três anos mais velha e sempre foi muito elegante, sempre gostou muito de carros, relógios e moda. Esses eram seus hobbies. E ela sempre foi muito extrovertida, sempre gostou de visitar muitos lugares, e acho que me inspirou a também ir a museus, conhecer pessoas, ser mais extrovertido, ser mais forte no quesito social. Porque começamos a namorar quando eu tinha 18 anos, nos conhecemos nas Olimpíadas de Sydney, em 2000. Acho que foi isso que me levou a entrar no mundo da moda. Quando você vai a todas essas cidades diferentes, você não pode usar jeans e tênis de corrida e, sei lá, uma camiseta oversized todos os dias. E então, à medida que eu estava me tornando um tenista mais bem-sucedido, começaram a aparecer tapetes vermelhos. Então vi que precisava de um terno, e você não pode usar a mesma gravata todas as vezes…

Você também está trabalhando agora em um documentário sobre você e os últimos dias de sua carreira, que vai ser lançado pela Amazon, com os cineastas Joe Sabia e Asif Kapadia. Por que você decidiu fazer isso?

Bem, eu não decidi, para ser honesto. Não sei explicar. Isso era algo que eu não queria fazer. É como escrever um livro. Eu não queria escrever um livro, não estava pronto para escrever minha história. Então isso nunca foi uma ideia. Quando o fim estava se aproximando, e uma vez que a Laver Cup estava definida, a pergunta era: Queremos ter algo documentado? Talvez mais pela minha própria história, pelos meus filhos, amigos, treinadores e pela equipe. Que tal se filmarmos um pouco, de um jeito meio informal? Então, pelo menos, teríamos alguma coisa, porque quase não temos bastidores da minha vida porque eu nunca quero ninguém por perto. Então eles vieram e eu disse: "Bem, vocês provavelmente querem ver o antes, o durante, e o depois [da partida]." E o Joe me disse: "Olha, eu tenho tanta filmagem e é tudo tão incrível que seria um desperdício não compartilhar isso. Posso apenas apresentar a vocês um documentário de uma hora?" E eu disse, "Ok, claro, mas esse não é o objetivo aqui. Mas sim, com certeza, pode mostrar." E foi super forte, difícil de assistir. Eu assisti com a Mirka e o Tony [Godsick, agente de Federer] e ficamos tipo, Meu Deus, uau. Então, quando me dei conta, já tínhamos uma hora e meia, uma coisa meio "os últimos 12 dias da minha vida". Eu assisti a uma exibição outro dia, e foi pesado. Chorei umas seis vezes.

Chorou por quê?

Eu acho que, em muitos momentos, senti aquele sofrimento de que eu estava falando. Você vê o fim chegando e há esse ponto final, mas é lindo. Mas acho que é algo mais para mim, que estou passando emocionalmente por isso, é difícil. Fico imaginando como o espectador vai vê-lo. Talvez seja muito bom, e acho que para muitos atletas, talvez seja bom ver como eu saí.

Roger Federer veste jaqueta Tod's | suéter e calça Theory | óculos de sol RF Oliver Peoples — Foto: Lachlan Bailey
Roger Federer veste jaqueta Tod's | suéter e calça Theory | óculos de sol RF Oliver Peoples — Foto: Lachlan Bailey

Quando você diz "sofrimento", você quer dizer sofrimento mental, não físico, certo?

Ah, sim, estamos falando mentalmente, emocionalmente. Mas passa pelo seu corpo, literalmente. É como uma experiência de corpo inteiro.

Você já tinha sentido algo parecido antes?

Acho que com os Grand Slam. A única coisa que chegou perto foi, talvez, quando perdi em Wimbledon [em 2021], minha última partida contra [Hubert] Hurkacz, em sets diretos. Seis a zero no terceiro set. E eu literalmente saí da quadra e meu joelho estava tão ruim que nem conseguia mais jogar direito. Eu sabia que aquele talvez fosse meu último Wimbledon. Tentei me preparar para a coletiva de imprensa pensando, "Ok, o que eles poderiam me perguntar? Vai ser sobre o joelho, e minha cabeça está girando, e foi literalmente… meu Deus, acabei de perder em Wimbledon. Tentei de tudo. Isso é o máximo que eu poderia ter feito. Na verdade, joguei muito bem, considerando o quão longe cheguei, pensei. Essa foi uma experiência fora do corpo porque tudo aconteceu de uma maneira que eu não achava que ia acontecer, ou que não deveria acontecer. Como aquele seis a zero no terceiro set, a coletiva de imprensa, os sentimentos, o medo, a ansiedade, a coisa toda. Foi pesado. Então, talvez isso chegue um pouco perto de como me senti com a minha aposentadoria.

Você sente falta de jogar?

Na verdade, não. Me perguntam muito isso, e eu não sinto falta. Realmente não sinto. Me sinto em paz. Acho que é também porque sei que meu joelho, meu corpo e minha mente não me permitem estar nas quadras. Eu sinto que já tentei tudo o que tinha para tentar. E estou em paz. Adoro ir jogar tênis com meus filhos. Recentemente, reservei uma quadra para jogar com minha esposa pela primeira vez na vida. Perguntamos: "Tem uma quadra disponível na terça-feira das três às quatro? Porque acho que talvez fosse divertido jogar." Isso foi há um mês, ou dois meses, e fomos brincar ao lado dos meus filhos, que estavam tendo uma aula, e foi muito divertido. Eu amo jogar tênis e sempre pensei: como vai ser esse momento em que eu me aposentar, voltar para uma quadra de tênis e não precisar melhorar? Quem se importa se eu perder um forehand?

Você ainda é capaz de momentos de grandeza de vez em quando?

Sim. É até engraçado. Eu estava em Stanford alguns dias atrás e fui ver o time deles jogar tênis porque o filho do Tony é calouro lá. E então eu os vi fazendo algo e disse ao filho de Tony: "Olha, no retorno do forehand, acho que você deveria estar fazendo isso". E eu expliquei rapidamente, peguei uma raquete, estava vestido assim [jaqueta, calça jeans e suéter] e estou marcando retornos de forehand, e estava tudo lá. Não perdi. Foi como andar de bicicleta. E então fizemos outro exercício e me vi tentando explicar como há diferentes versões de forehands. Há o com efeito, o rápido, o angle-y, enfim. E cada um que eu acertei foi perfeito. E eu só pensava, meu Deus, ainda está tudo aqui.

Roger Federer veste roupas Prada e sapato acervo pessoal — Foto: Lachlan Bailey
Roger Federer veste roupas Prada e sapato acervo pessoal — Foto: Lachlan Bailey

Você ainda assiste tênis?

Só os melhores momentos. Um jogo completo é difícil de assistir, porque estou muito ocupado com crianças e correndo com as coisas. Talvez eu tenha assistido a uma partida inteira no ano passado. Mas fora isso, são momentos e eu verifico as pontuações todos os dias. Estou surpreso, na verdade. Pensei que ia dar uma olhada completa e não me importar tanto, mas acho que ainda conheço muitos jogadores e quero ver como eles se saem.

Sempre que Rafael Nadal ou Novak Djokovic vencem, as pessoas pensam em você, por causa de sua rivalidade de longa data com os dois e por causa da curiosidade sobre como eles terminarão, um em relação ao outro, em termos de história. Você está pensando em você quando eles jogam? Está prestando atenção nisso?

Bom, obviamente, estou ciente quando eles estão na final, ou quando Rafa volta, ou Novak quebra outro recorde. Gosto de saber. Mas não mudo minha agenda por conta de um jogo. Mas acompanho, e adoro saber de tudo, especialmente sobre Novak, que vem indo de vento em popa. E o Rafa, obviamente fiquei triste por ele não ter conseguido jogar tanto quanto gostaria. Espero que ele possa fazer o que gostaria no verão, porque gosto dele, e sei que ele saiu de Indian Wells e Doha e todas essas coisas, mas ainda torço pra que consiga dar a volta por cima.

São caras com quem você dividiu a quadra por anos. E aí você liga a TV e eles ainda estão na quadra, e você não. Esse sentimento tem nome? Como você se sente?

Me sinto bem. Quando me aposentei em Londres, na coletiva de imprensa ao lado de Andy [Murray], Novak, Rafa e [Björn] Borg e todos que estavam lá, eu disse: "É apropriado que eu seja o primeiro a ir". Eu tive o tempo sem eles quando comecei, e agora é a hora deles terem um momento sem mim. Seria errado para mim se Murray, que quase se aposentou com o quadril, ou Rafa com os joelhos, não soubéssemos quanto tempo ele iria jogar. Então, estou feliz por ter sido o primeiro a ir. E, na verdade, eu gostaria que eles pudessem continuar por tanto tempo quanto eu.

E o competidor que existe em você? Concorda?

Ah, esse já não existe mais. Porque estou orgulhoso e feliz com o que conquistei; e eu nunca vou esquecer de quando quebrei o recorde do Sampras, e do quão legal ele foi comigo. O mais legal que alguém pode ser em uma situação assim. Nunca vou esquecer disso. E acho que você também assume um papel diferente quando se aposenta. Você acaba ficando muito, sei lá, contente na sua posição, e você também apoia o jogo como um todo. Então, se as coisas forem alcançadas, eu vejo isso na esfera de: Ok, não estamos competindo dentro da esfera do tênis, mas na esportiva, colocando o tênis no mapa em uma escala maior. Estamos lutando por olhares como a Netflix ou a Amazon, ou o que quer que seja.

Há jogadores mais jovens que você gosta de assistir, ou alguém que você vê que te lembre você?

Quero dizer, obviamente que estamos perdendo a situação de uma mão só. Não sei se você ouviu, mas pela primeira vez na história...

Não há nenhum jogador com um backhand de uma mão só no top 10, atualmente.

Isso doeu.

Eu me perguntei como você se sentia em relação a isso.

Essa eu senti. Essa foi pessoal. Não gostei. Mas, ao mesmo tempo, como é que se diz?, isso torna os jogadores de uma mão só – o Sampras, o Rod Laver, eu – especiais também por termos carregado a tocha, ou a bandeira ou o que quer que seja, por tanto tempo quanto fizemos. Por isso, adoro ver jogadores de uma mão como Stan [Wawrinka], [Richard] Gasquet e [Stefanos] Tsitsipas. Dominic Thiem tem um backhand maravilhoso. Grigor [Dimitrov], bom amigo. Eu amo isso tudo. O que vemos mais e mais hoje em dia é que eu gostaria que, às vezes, a gente tivesse um pouco mais de variedade, e também idas e vindas para perto da rede um pouco mais, não só de um lado pro outro. Vamos ver para onde vai o jogo. Mas obviamente o problema é que, quando você tem muitos jogadores semelhantes jogando uns contra os outros, muitos dos pontos acabam sendo jogados de maneira semelhante. E meu objetivo sempre foi: se eu jogar todo ponto de maneira semelhante contra meu adversário, é isso que ele quer. O que ele não quer é que eu misture e tenha variedade. Então, para mim, ver dois caras jogando um contra o outro e tendo 20 pontos consecutivos, vamos lá. Pode ser muito interessante. É como uma queda de braço. Mas gosto de dizer: "Não vamos entrar na queda de braço. Vamos entrar em outro jogo".

Você estava falando sobre o backhand de uma mão como se achasse que não vai voltar a ser popular.

Acho que ainda vai existir, vai voltar, vai estar lá. Mas quero dizer, eu ensinei meus quatro filhos a mão dupla.

Não!

Pois é, sou um péssimo exemplo. Sou um péssimo guardião da mão única. Mas talvez ainda possamos mudar isso.

Roger Federer veste casaco Theory | camisa e jeans Uniqlo | relógio acervo pessoal — Foto: Lachlan Bailey
Roger Federer veste casaco Theory | camisa e jeans Uniqlo | relógio acervo pessoal — Foto: Lachlan Bailey

Tem algum jogador mais jovem que você vê agora e pensa: Talvez ele possa ganhar tanto quanto eu ganhei?"

Não gosto de colocar pressão sobre esses jogadores porque, honestamente, almejar 20 [vitórias importantes] não foi algo que eu fiz, Rafa fez ou Novak fez. Claro que você tem os jogadores que você acha que vão ganhar vários Slams. Alguém tem que ganhar Slams e, naturalmente, eles vão ganhar bem e fazer isso perfeitamente e vão se tornar as superestrelas do nosso esporte, o que alguns já estão anunciando fazer: [Carlos] Alcaraz, [Jannik] Sinner, e assim por diante. E há muito ímpeto agora também para ver quem será o próximo nome. Então, acho que nos próximos dois ou três anos, eles vão nos dar uma ideia muito boa, porque acho que há bons jogadores agora, mas ainda acho que eles estão recalibrando seu jogo para entender: Ok, como posso vencer os melhores?

Neste momento, você está muito familiarizado com como as pessoas descrevem a maneira como você jogou tênis: "bonita", "sem esforço" e assim por diante. Por um lado, isso é um elogio óbvio. Por outro lado, estou curioso sobre como você se sente sobre essa ser a maneira como seu jogo será lembrado.

Hoje, encaro como um grande elogio. Quando eu estava jogando, eu estava lutando um pouco mais com isso porque sinto que então eles não veriam o lutador e o vencedor que eu era. Porque se você não é um lutador, se você não se esforça… não se pode alcançar o que eu alcancei sem esforço. Quando você trabalha duro, só assim pode fazer parecer que foi sem esforço. Então, eu sempre lutei – especialmente no início – com o pensamento de: "Bem, eles não veem a paixão e a luta e tudo o que eu coloco nisso?" Porque quando eu ganhava era tipo, "Ah, é tão fácil!". E quando eu perdia, era quase como, "queria que ele tentasse um pouco mais". E isso no começo foi muito, muito difícil de aceitar e muito complexo para mim. Acho que eventualmente me senti mais confortável na minha pele e sabia que estava colocando tudo nos jogos. E é por isso que quando eu perdia uma partida, eu podia literalmente, cinco minutos depois que a partida tinha acabado, me sentir como se não fosse um problema. Tudo bem. Dei tudo o que tinha. Seguimos em frente.

Você acha que a percepção de facilidade foi um subproduto do seu estilo ou algo intencional que você estava fazendo?

Acho que jogar de uma maneira sem esforço – digamos, pode ser logo após o impacto [Federer imita o forehand mais bonito que você já viu], se você é capaz de estar talvez relaxado, ou é capaz de relaxar enquanto está se movendo, ou imediatamente quando o ponto acaba, você é capaz de encontrar uma sensação de quase tranquilidade. Acho que fiz isso naturalmente porque pensei: isso vai me dar energia extra no final de uma partida, ou no final de um torneio, ou eu poderia jogar talvez mais alguns anos. Então eu fiz isso, porque pensei: se eu estiver realmente tenso o tempo todo, estarei exausto em muito pouco tempo. É por isso que, quando vejo outros jogadores que são muito intensos, fico preocupado. Eu realmente respeito isso, porque eu não poderia jamais ser assim.

Posso fazer uma confissão? Você e eu temos mais ou menos a mesma idade, e sou fã de tênis, e sempre te vi jogar, mas acho que torci mais por você na segunda metade da carreira, quando a humanidade, e a possibilidade de você perder, era mais evidente. Isso faz sentido?

Faz muito sentido. Eu não estava realmente ciente disso, acho que até 2008. Ou talvez tenha havido um momento em que, acho que em 2005, quando perdi para [Marat] Safin no Australian Open, eu pensei: "Eu criei um monstro". Quando eu perdia um set, as pessoas ficavam arrasadas. Ou quando perdia em uma semi com um match point contra Safin. As pessoas ficavam em choque. E eu pensava, o que você quer dizer, em choque? É normal perder para um jogador inacreditável!

Então, acho que em 2008, quando perdi para o Rafa [em Wimbledon, no que muitos acreditam ter sido a melhor partida de tênis de todos os tempos], foi, quero dizer, um momento muito particular porque, obviamente, fiquei arrasado depois de perder aquela partida. Mas vim para os Estados Unidos um mês depois e as pessoas ainda estavam falando sobre isso: "oh, meu Deus, aquela partida de Wimbledon". Eu tentava explicar que tudo bem, e elas: "Não, não, aquilo foi especial. Você perdeu. Mas, vimos um lado humano sair de você, e nós vimos você ganhar tanto… Então, vê-lo do lado perdedor foi realmente diferente e especial." E eu pensei, Sim, tudo bem. Quer dizer, a partida foi boa. Ok, foi bom. Mas poxa… E então aquilo continuou por dias e dias, até que percebi que sim, algo especial foi criado naquele exato momento.

E também foi talvez o início de um Federer 2.0, um jogador que também perde algumas partidas, e é assim que ele é. E isso pode acontecer e faz parte da vida. E acho que o lado mais humano começou a aparecer provavelmente porque quando você perde, as pessoas podem se identificar um pouco mais, porque todos perdemos na vida, e antes disso eu ganhei por muito, muito tempo. Depois disso, tive meus filhos, e quando você se torna pai, se torna ainda mais relacionável, acho. E então, como você disse, acho que as pessoas começaram a me conhecer de verdade. Acho que foi por isso que tive tanto apoio emocional de tantos fãs.

Só para deixar claro: eu nunca torci para que você perdesse, mas acho que me identifiquei mais com a possibilidade de perder. Você notou multidões gravitando mais para você à medida que isso se tornava mais possível?

Acho que talvez haja algo no meu jogo que ressoe muito com as pessoas. Eles sentem que se vierem me ver jogar, algo especial vai acontecer. Eu jogo de uma maneira diferente. Talvez eu também tenha sido a ponte da geração anterior – o backhand de uma mão, sem esforço, como todo mundo costumava jogar na época, no final dos anos 90 – para o novo tipo de jogo poderoso e mais agressivo que surgiu, e eu ainda era o cara da velha escola. Então, acho que, sentimentalmente, eu provavelmente era um favorito de muitos por causa do meu estilo de jogo.

Com você, está tudo sempre muito bem documentado: a ascenção, a vontade de ser grande, o ápice. Mas há muito menos registro de o que aconteceu depois. Como você descreveria o que está vivendo agora?

Estou feliz por não ter vivido um declínio no final. A queda veio por causa de lesões, tudo bem, mas eu não chamaria isso de declínio, são apenas… lutas. Mas estou feliz. É uma vida completamente diferente. É como quando eu estava na reabilitação, por exemplo. Eu gostava de reabilitação porque era algo novo na minha vida. Era um novo desafio. É literalmente um passo de cada vez, um movimento de cada vez. E é o mesmo com a vida, agora. Quer dizer: um novo espaço, navegando por essa nova vida, novos projetos, com meus filhos principalmente. E eu gosto desse tempo. Mesmo que eu tenha dito em entrevistas no ano passado que nunca estive tão estressado, isso não foi por causa da aposentadoria. Era mais sobre eu cuidar dos meus filhos junto com a minha esposa, e tentar ajudá-los a passar pela escola e por todas aquelas demandas. Quando você é pai, você se importa tanto com tudo… não quero dizer que é demais. De modo algum. Sinto que sou um cara tranquilo. Mas eu acordava e já sentia, tipo, ok, eu tenho que estar lá para eles. Tenho que ajudá-los.

Ser pai é uma forma diferente de estresse, não é? Um Grand Slam pode causar pressão, claro, mas você viveu 20 anos disso.

Exatamente. E não é como se eu tivesse sido pai de crianças de 14 ou 9 anos antes. Todo dia é a primeira vez para mim.

Você tem dois meninos gêmeos, que têm nove anos, e duas meninas gêmeas, que têm 14. São tenistas sérios?

Não é sério, mas a gente faz eles jogarem. Porque eu não quero que meus filhos sejam as únicas crianças do meu círculo a não jogar. E obviamente eu vivo em um círculo de tênis. Então é por isso que eu digo para as meninas, que não eram super apaixonadas por tênis no início, "vocês têm que brincar um pouco". Então, agora os quatro jogam.

A maneira como entendo sua história é que o tênis não foi forçado a você por seus pais. Foi uma escolha sua. Você é capaz de ser pai da mesma maneira?

Tentei ser, e disse-lhes que não sou treinador deles. Se eu puder ajudar, ótimo. E se não me quiserem lá, tudo bem também. Mas às vezes não consigo me controlar, como em Stanford. Eu entro e digo: "deixa eu ensinar rapidinho uma pequena coisa fundamental"

Eles entendem como o resto do mundo vê você, ou o que você realizou?

Muito mais agora. Quando elas eram mais novas, especialmente as meninas, eu não contava sobre meu ranking ou meus sucessos, mesmo quando eu era o número um. Eles me perguntavam: "quão bom o Stan é?", e eu dizia, "Ele é incrível. Um jogador lendário, fantástico.". "E o Rafa?", "É, ele também é, ele é muito bom." E então eles perguntavam, "E você?", e eu dizia, "Ah, eu estou bem." Acho que eu minimizava minha situação.

Mas agora, obviamente, não posso mais fazer isso porque os amigos vêm e dizem, "Seu pai fez tal coisa, você sabia?" E às vezes eles mesmos me perguntam. E agora sinto que posso ser mais aberto e honesto sobre minhas realizações ou minhas experiências. E gosto de contar essas histórias, e usá-las pra compartilhar essas experiências com eles.

Roger Federer veste polo Theory | calça Uniqlo | tênis on | óculos escuros by RF Oliver Peoples. — Foto: Lachlan Bailey
Roger Federer veste polo Theory | calça Uniqlo | tênis on | óculos escuros by RF Oliver Peoples. — Foto: Lachlan Bailey

Diretor de conteúdo GQ Brasil: Fred di Giacomo
Texto: Zach Baron
Fotos: Lachlan Bailey
Stylist: Jim Moore
Grooming: Nathanael Alexander Röthlisberger
Produção de moda: Irina Shishko
Produção de set: BG Porter for Owl and the Elephant
Produção: Annee Elliot
Locação: James F. Goldstein

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Documentário “A Inventora” discute os limites do storytelling em inovação

Unindo razão e sensibilidade, Viviane Pepe conquistou a direção brasileira de uma das marcas de beleza mais reconhecidas no mundo

No topo da Avon

Com campanhas disruptivas, divertidas e emblemáticas, os publicitários brasileiros não conquistaram apenas Cannes – transformaram anúncios em cultura pop

Propaganda a gente vê por aqui

Executivo que já enfrentou crises aéreas e ama revistas acredita que criatividade é inerente ao ser humano

German Carmona, um dos nossos jurados, voa alto

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