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De chinelos, camiseta regata e bermuda esportiva, o jogador de vôlei Darlan Souza chegou ao estúdio no Rio de Janeiro para o ensaio de fotos da GQ Brasil, em maio. Estava meio tímido, sem jeito. Ao provar uma calça de alfaiataria da marca João Pimenta e uma jaqueta de couro, soltou, com um sotaque bem carioca: “Estilo! Não é o tipo de roupa que costumo comprar, mas usaria, sim. Só não sei aonde iria. Esse figurino pede uma ocasião especial.”

Aos 21 anos e com 1,93 metro de altura, o atleta que atua como oposto é considerado a grande promessa da nova geração do esporte. E vem correspondendo às expectativas. Ele e seu irmão Alan Souza, 30, que joga na mesma posição, foram os primeiros nomes confirmados pelo técnico Bernardinho para disputar as Olimpíadas de Paris, que começam em 26 de julho.

Darlan Souza veste casaco João Pimenta | cueca e meia Kiji Cottons | colares Swarovski | óculos Zerezes | bota Dr. Martens — Foto: Bruna Sussekind
Darlan Souza veste casaco João Pimenta | cueca e meia Kiji Cottons | colares Swarovski | óculos Zerezes | bota Dr. Martens — Foto: Bruna Sussekind

Início na seleção

Foi um alívio para os dois, mas a disputa segue: em quadra, só há lugar para um oposto. Por ironia do destino, a primeira convocação de Darlan para a seleção adulta se deu aos 19 anos, nas etapas da Bulgária e do Japão na Liga das Nações de 2022, após uma lesão do irmão, que rompeu o tendão de Aquiles.

Com a camisa do Brasil, teve uma participação decisiva no pré-olímpico no Rio, quando o time garantiu a vaga para Paris. Em novembro do ano passado, conquistou a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, no Chile, e ainda levou para casa os prêmios de melhor sacador e melhor oposto do torneio.

No Sesi-Bauru, equipe na qual brilha desde 2019, também vem fazendo história. Contra o Araguari, em abril, quebrou o recorde de pontuação em uma partida da Superliga ao marcar 41 pontos. O número anterior era 40 e perdurava havia mais de um ano. Dias depois, ele alcançou 48 pontos. Além de conquistar o bicampeonato da disputa, foi eleito o MVP [most valuable player] e o melhor oposto da competição.

Darlan Souza veste cueca Levis por Dod Alfaiataria | bermuda Roro | corrente Heron Preston — Foto: Bruna Sussekind
Darlan Souza veste cueca Levis por Dod Alfaiataria | bermuda Roro | corrente Heron Preston — Foto: Bruna Sussekind

Origens

Natural de Nilópolis, município da Baixada Fluminense, Darlan era o tipo do menino que passava o dia vidrado na tela do computador, ora jogando, ora assistindo a animes, os desenhos animados japoneses — hábitos que mantém até hoje. Aliás, os movimentos que o atleta realiza antes de sacar, e que viralizaram nas redes sociais, vieram desses programas. Os “jutsus” são uma técnica ninja utilizada pelos personagens de Naruto, uma das animações mais famosas dessa seara.

Preocupada com o filho que não saía para a rua, a dona de casa Aparecida sugeriu ao jovem que praticasse algum esporte. “Ele era muito antissocial. Eu mandava ir soltar pipa, andar de bicicleta... Queria que fizesse mais amigos”, conta ela. O rapaz primeiro escolheu o futebol. “Eu já era muito alto e me colocavam no gol. Morria de medo de tomar uma bolada na cara. Então, quando chutavam na minha direção, fechava os olhos e colocava as mãos no rosto para me proteger. Era péssimo”, lembra.

Nessa época, Alan já integrava a seleção brasileira de vôlei. Influenciado pelo irmão — que nas horas vagas ensinava os fundamentos do esporte ao mais novo —, Darlan matriculou-se na escolinha do professor Miúdo, em Nilópolis. Não demorou a deslanchar. Com 14 anos, acabou contratado pelo Flamengo. No ano seguinte, foi para o Fluminense. Em 2018, com apenas 16 anos, mudou-se para São Paulo para treinar com o time do Sesi.

“Digamos que recebi tudo de mão beijada. Quem deu duro mesmo foi o Alan. Ninguém na minha família era do esporte, e não tínhamos dinheiro para bancá-lo no começo. Ele vendeu latinhas e meu pai pediu dinheiro emprestado aos meus tios várias vezes para que ele conseguisse treinar. Eu, no lugar dele, teria desistido”, atesta.

Darlan, porém, também fez sacrifícios. Acordava de madrugada para pegar o trem às 5h30. O percurso de casa até a estação de Nilópolis durava 20 minutos a pé. Quando o dinheiro sobrava, pegava uma condução, algo raro. No centro do Rio, um ônibus o levava à Gávea, na Zona Sul, onde treinava pelo Flamengo. Muitas vezes almoçava na casa dos colegas para economizar. A volta nunca ocorria antes das 21h.

Dona Cida, como os “meninos” carinhosamente a chamam, vivia com medo da violência policial. “O Darlan é negro, como eu, enquanto o Alan é mais clarinho. Então, pedia a ele para não tirar o uniforme do clube para não ser confundido com malandro”, lembra ela.

Darlan Souza veste look full Burberry — Foto: Bruna Sussekind
Darlan Souza veste look full Burberry — Foto: Bruna Sussekind

Resultados

A dedicação valeu a pena. Além dos salários do Sesi-Bauru e da seleção de vôlei, Darlan tem contratos com cinco empresas: Adidas, Riachuelo, Havaianas, Integral Médica e a casa de apostas BET7K. Junto com Alan, ajuda financeiramente a família, inclusive o irmão mais velho, Alex, 34.

O pai, Seu Sebastião, que trabalhava como motorista de caminhão, aposentou-se recentemente. “Outro dia, minha mãe me ligou pedindo para não mandar mais dinheiro para o 'velho', pois ele precisava trabalhar; ela estava enlouquecendo com ele em casa”, diverte-se Darlan. O descanso durou pouco. Graças ao carro que ganhou dos filhos, o pai passou a trabalhar como motorista de aplicativo, mas com carga horária tranquila.

O vôlei está longe de pagar os salários multimilionários do futebol. Para comparação, especula-se que a renda mensal do craque Gabigol no Flamengo gire em torno de R$ 2 milhões. Um atleta do vôlei no topo da carreira talvez consiga isso por uma temporada, que dura, no mínimo, nove meses. A turma da quadra também se mostra bem mais “low profile”. Difícil ver um jogador desfilando com carrão importado e cordão de ouro no pescoço.

Darlan Souza veste relógio Tag Heuer — Foto: Bruna Sussekind
Darlan Souza veste relógio Tag Heuer — Foto: Bruna Sussekind

Darlan não foge à regra. Ele conta que gasta seu dinheiro, basicamente, com roupas e jogos de computador. “Não esbanjo. Tenho um armário pequeno, de quatro portas, e não ligo muito para grifes. Compro, inclusive, em lojas de departamento. No dia a dia, visto camiseta, calça, moletom, sou bem simples. Nem terno eu tenho”, afirma.

O irmão Alan dedura que não é bem assim. “Explico que, agora que está entrando uma graninha legal, ele precisa guardar um pouco. Até passei o telefone da minha consultora financeira. Dou bronca para parar de comprar roupa e jogo! Toda semana, ele aparece com uma sacolinha da TT”, conta Alan, referindo-se à marca Tudo Tranquilo, criada pelo ex-jogador de futebol do Corinthians e do Inter Jonatan Lima.

A vaidade do jovem se estende a outros aspectos da aparência. “Gosto de me cuidar, sim. Lavo o cabelo com xampu, passo condicionador. Também não abro mão de um creminho na pele para hidratar. E de usar perfume, claro.” Impossível não notar as várias tatuagens que ele exibe pelo corpo. A maioria traz o anime como inspiração. No braço direito, por exemplo, ostenta um desenho enorme de Kyojuro Rengoku, personagem da série Demon Slayer.

A frase em japonês “não precisamos de memórias”, do mangá Haikyuu!!, cujo tema é o vôlei, também aparece marcada na pele. “O anime faz parte da minha vida. E a frase tem tudo a ver com o que passo nas quadras. Preciso ter noção de que, se errei, paciência. Devo focar sempre na próxima bola, no próximo passe. Esquecer as coisas ruins e pensar adiante sempre”, afirma ele, que jura não ligar para as piadinhas sobre o hobby vindas dos companheiros de vôlei.

"Preciso ter noção de que, se errei, paciência. Devo focar sempre na próxima bola, no próximo passe. Esquecer as coisas ruins e pensar adiante sempre"

Tradicionais, os pais não gostam das tatuagens, mas acabaram se acostumando. Só não aceitam mesmo que o filho fure a orelha. Outro dia, ele entrou na casa da mãe com um brinco de pressão. Dona Cida quase infartou. “Você quer matar o seu pai? Tira isso agora! Está ridículo!”, gritou.

Brincadeiras à parte, a mãe acha graça do fato de, mesmo morando longe e com uma vida independente, o atleta ainda obedecer aos pais. E principalmente ao irmão. “Sou o que mais puxa a orelha. Agora mesmo, estou no pé dele para estudar inglês e tirar a carteira de motorista. Jogamos na mesma posição e disputamos a mesma vaga na seleção, mas isso não me impede de dar conselhos. Falei para malhar mais as costas e comer melhor. A nossa família nunca contou com uma alimentação regrada e a gente precisa disso”, alerta Alan.

Darlan Souza veste full look Ferragamo | relógio Tag Heuer — Foto: Bruna Sussekind
Darlan Souza veste full look Ferragamo | relógio Tag Heuer — Foto: Bruna Sussekind

Cotidiano

Darlan mora em Bauru, no interior de São Paulo. Ele jura que sabe cozinhar, mas, no dia a dia, prefere pedir delivery e aproveitar o tempo livre para descansar. O talento de masterchef só entra em ação ao visitar os pais, no Rio. A especialidade é o bolo de cenoura com calda de chocolate. Dona Cida ri: “Era uma receita da minha mãe que nunca acertei. Minha massa sempre fica solada. Ele aprendeu e ainda tira onda com a minha cara.”

No Rio, a mãe faz as vezes de fiscal da dieta do filho. “Ele era viciado em miojo, mas agora parou. Só continua pedindo batata frita. Eu me recuso a fazer, mas não adianta muito, porque ele sai de casa e volta com uma quentinha cheia de batata com bacon, linguiça e queijo. Diz que pode comer porque vai gastar as calorias nos treinos”, conta. Ela confessa, entretanto, que, quando a família morava junta, mantinha uma alimentação nada saudável, regada a fritura, pizza, refrigerante e hambúrguer.

Darlan Souza veste jaqueta acervo | óculos Zerezes | regata Welcome | calça João Pimenta | tênis Lacoste | relógio Tag Heuer | chaveiro Carnan — Foto: Bruna Sussekind
Darlan Souza veste jaqueta acervo | óculos Zerezes | regata Welcome | calça João Pimenta | tênis Lacoste | relógio Tag Heuer | chaveiro Carnan — Foto: Bruna Sussekind

Boa forma

O atleta, todavia, não foge da dieta em períodos decisivos de campeonato. A avaliação mais recente do Sesi-Bauru verificou que ele está pesando 104 quilos e exibe admiráveis 7% de gordura corporal. Durante a última temporada, substituiu três quilos de gordura por massa magra. Para chegar a esses resultados, treina duro. Além da preparação em quadra, aposta em musculação e fisioterapia para cuidar das dores nos ombros e joelhos, mais exigidos nos torneios.

“A academia de um atleta é diferente. As pessoas comuns costumam malhar para conseguir hipertrofia e, geralmente, descansam entre as séries. O atleta se exercita por grupo muscular e acontece de um mesmo músculo ser exigido em dias seguidos”, explica ele, que ama treinar costas e as considera a parte mais bonita de seu corpo. Não curtia exercitar as pernas e precisou aprender a gostar na marra. “Uma dica que dou é pensar que, malhando perna, você está ajudando seu coração também, já que auxilia na circulação sanguínea.”

A disciplina se tornou uma de suas características. Aliás, dos irmãos. “Somos mais esforçados do que talentosos. Tem jogador que encosta na bola e ela vai para onde ele quer. Com a gente, não. Precisamos seguir a técnica direitinho e estar bem fisicamente”, diz Alan. Os dois nasceram com um problema genético em um músculo das costas e, por isso, precisam dar mais atenção a essa região. “Em quadra, não me atrapalha em nada. Na musculação, enquanto pego 10 quilos com a mão esquerda, com a direita levanto só 2.”

"Somos mais esforçados do que talentosos. Tem jogador que encosta na bola e ela vai para onde ele quer. Com a gente, não. Precisamos seguir a técnica direitinho e estar bem fisicamente"

Os dados da planilha de monitoramento do departamento médico da seleção brasileira impressionam. Darlan consegue saltar a uma altura de 3,63 m. Parado, no chão, trata-se do jogador com maior poder de salto: um metro. Além disso, o saque mais potente da equipe é o dele. A bola em suas mãos atinge uma velocidade de 122 km/h. Ou seja: o serviço chega como uma verdadeira bomba à quadra adversária.

Os companheiros de time adoram. “Pode continuar fazendo o ritual do Naruto à vontade”, brincou o levantador Bruninho certa vez. Já Dona Cida se mostra aflita. “Acabo preocupada com o outro jogador. Já falei para pegar mais leve. E, se acertar no rosto, ir lá e pedir desculpas. Outro dia, fiquei feliz porque ele foi lá ver como o rival estava após uma bolada dele”, diz.

Gostos

Darlan conta com uma playlist apenas para os dias de jogo. Composta de faixas de “baixo calão”, como define, vai de proibidões — os funks cariocas tocados em comunidades que trazem muitos palavrões na letra — a raps do cantor Major RD. “Escuto para entrar no clima. Essas músicas me ajudam no foco e também a pisar na quadra com raiva, com força, com vontade de ganhar.”

Quando o assunto é política, ele responde calmamente que não gosta de se meter. Em um passado recente, atletas do vôlei deixaram claro seu apoio a Jair Bolsonaro. A própria Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), entidade máxima do esporte no país, postou uma foto dos jogadores Wallace e Maurício Sousa após uma partida do Mundial na qual eles faziam com os dedos o 17, número do então candidato à Presidência.

Por outro lado, Carol Solberg, do vôlei de praia, chegou a ser punida pela CBV ao gritar “fora, Bolsonaro” após uma entrevista. “Não gosto de falar sobre isso. Está difícil encontrar um candidato honesto, né? Meu voto é sempre de quem apresenta projetos em esportes”, atesta Darlan.

Ex-namoro

No momento, a dedicação ao trabalho é tão grande que a vida pessoal acabou em segundo plano, de acordo com ele. O último namoro, com a confeiteira Válery Verona, terminou há poucos meses. A maneira como o casal se conheceu é bem típica dos novos tempos. Um dia, enquanto rolava pelo Instagram, uma foto dela apareceu para ele, que lançou uma curtida no retrato.

A moça entrou no perfil do rapaz e fez o mesmo em algumas imagens. Não demorou muito para os dois engatarem um papo privado. E assim começou o relacionamento. “A distância atrapalhou. Ela é do interior do Paraná e eu moro em São Paulo”, explica Darlan. Agora, garante que não quer compromisso e vai curtir a vida. Se tiver mais uma medalha de ouro no peito, então, o objetivo ficará mais fácil!

Gerente de fotografia e produção Enzo Amendola
Editor de arte Victor Amirabile
Beleza Fox Goulart
Set design Hugo Tex
Produção de moda Fedra Fonseca
Assistente de moda Ruan Alexander
Assistente de set design Vitor Roque
Produção executiva Daniel Cruz
Assistentes de fotografia Daniel Sulima e Patrick Eloy
Camareira Salvadora
Tratamento de imagem Victor Wagner

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