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Por Denyse Godoy


Boca santa (Foto: Ilustração Victor Amirabile) — Foto: GQ
Boca santa (Foto: Ilustração Victor Amirabile) — Foto: GQ

Porque nada fica encoberto.” Como lema e também aviso, o versículo 17 do capítulo 8 do Evangelho de Lucas, um dos livros da Bíblia, coroa a página do Fuxico Gospel no Facebook. Parece que não há mesmo limites para as notícias que o site dirigido ao público evangélico vai publicar. Matérias como “Esposa de pastor é encontrada morta com as mãos amarradas”, “Cantor se assume de vez e publica foto de romance gay” e “Denúncia: Pastor com mais de 100 anos de idade é acusado de estupro de vulnerável” atraíram 435 mil seguidores para o perfil do site na maior das redes sociais. No Instagram, são 124 mil fãs, e no Twitter, pouco mais de 12 mil.

Pelo volume e calibre dos crimes relatados, destacados em uma editoria exclusiva no site, o Fuxico Gospel lembra o jornal sensacionalista "Notícias Populares", um diário lançado em São Paulo em 1963 que circulou até 2001 e trazia manchetes do tipo “Loira-fantasma faz sua primeira vítima em Osasco” e “Nasceu o diabo em São Paulo”. Mas também sobram matérias sobre a vida amorosa de pastores e pastoras, com relatos de traições, crises conjugais e brigas, além de notas a respeito das apresentações de cantores gospel e do lançamento de filmes voltados aos fiéis. Aqui e ali aparecem menções a políticos evangélicos, e quase todo dia tem uma notícia de algum ídolo da sua audiência que adoeceu com a covid-19 e está precisando de orações para se recuperar.

Embora algumas vezes traga personagens nacionalmente famosos como o Cabo Daciolo, candidato à presidência da República em 2018, o apresentador do SBT Raul Gil, que realiza lives com cantores gospel no YouTube, e a deputada federal Flordelis, suspeita de ter mandado matar em 2019 o então marido, o pastor Anderson do Carmo, a maior parte das matérias do Fuxico Gospel trata de figuras desconhecidas do grande público — porém muito populares entre os evangélicos.

Já ouviu falar do rapper cristão Victin, um jovem carioca de cabelos cacheados que canta músicas como “Prazer, Jesus”? Seus clipes no YouTube chegam a ter 800 mil visualizações. E Bianca Toledo? Cercada de notícias de dois ruidosos divórcios, com a acusação de que o segundo marido havia abusado de seu filho pequeno, a pastora fluminense fundadora da Missão Global Prova Viva é uma autora best-seller de livros devocionais. A cantora pop gospel Isadora Pompeo é outro fenômeno evangélico: contabiliza 4,5 milhões de seguidores no Instagram — fãs que se chocaram com uma informação (falsa) do início de abril do Fuxico Gospel informando que ela podia estar se separando do jogador do Flamengo Thiago Maia, com quem havia se casado em março.

As matérias publicadas no site ensejam calorosos debates na comunidade gospel. Em uma reportagem do começo de abril sobre um pastor casado que foi afastado da igreja O Brasil Para Cristo, no Rio de Janeiro, após confessar um caso de quatro anos com uma fiel, a discussão era sobre a culpa da moça. “Isso é gravíssimo. O esposo pode processar a igreja pelo dano moral e financeiro, pois ele é um líder, e pelo cargo conseguiu facilidades e fraqueza emocional da vítima [sic]”, escreveu João R. na área de comentários. Ao que Felipe C. respondeu: “Como pode alguém que tem um relacionamento se envolver com outro e ainda ser a vítima? Aqui não tem vítima. A mulher foi uma sem-vergonha, isso sim. A mulher para com o seu esposo e o pastor para com a sua esposa, foram dois sacanas”.

Visitar o Fuxico Gospel é, para quem não está entre os 65,4 milhões de evangélicos brasileiros (e certamente para boa parte deles), como entrar em um mundo à parte que essa comunidade construiu.

Os veículos informativos destinados ao público gospel sempre existiram em papel e migraram para a internet no início dos anos 2000, aproveitando a segmentação que o meio permite. Há sites focados em jovens, em mulheres evangélicas e, claro, em fofoca. Objeto de preconceito de quem não faz parte da igreja e sem espaço na mídia secular, os crentes criaram o lugar onde podem manifestar a sua fé. “Esse movimento se fortaleceu conforme as manifestações artísticas gospel ganharam um ar de cultura e extrapolaram a religião”, explica a pesquisadora Magali do Nascimento Cunha, autora do livro “A explosão gospel — Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil” e coordenadora da coletânea de artigos “Mídia, religião e cultura: percepções e tendências em perspectiva global”. Para a professora, a comunicação dos evangélicos emula as mídias de fora e pretende mostrar que os crentes têm uma vida além da religião.

O grande problema é que os veículos gospel se tornaram, nos últimos seis anos, grandes propagadores de fake news, segundo Cunha. “Isso aconteceu porque passaram a ter um alinhamento político muito forte”, diz. A preocupação dos especialistas é tanta que um grupo de jornalistas evangélicos criou um site de checagem de notícias disseminadas entre o público gospel. O coletivo se chama Bereia e se propõe a “separar o joio e guardar o trigo”.

Boca santa (Foto: Ilustração Victor Amirabile) — Foto: GQ
Boca santa (Foto: Ilustração Victor Amirabile) — Foto: GQ

Não me representa

A fama do apimentado Fuxico Gospel é inversamente proporcional à dos seus criadores. Pouca gente no meio evangélico sabe quem está por trás do Fuxico Gospel.

Segundo informações do próprio portal e da Junta Comercial, o Fuxico Gospel é um dos dois sites administrados por uma empresa chamada Beenla Networks, sediada em União dos Palmares, cidade alagoana de cerca de 70 mil habitantes que fica 73 quilômetros a noroeste da capital Maceió. O outro portal provavelmente foi nomeado em homenagem à rodovia federal que liga a capital de Alagoas à cidade de Macau, no Rio Grande do Norte: BR104. Também traz algumas notícias policiais fortes, mas a maioria das matérias trata de assuntos do dia a dia da região.

A Beenla tem dois sócios: Micael Batista Nascimento e Izael da Silva Nascimento. Micael é quem se coloca como o principal contato do Fuxico Gospel. Nas suas redes sociais, ele se apresenta como cristão e mostra algumas fotos do que seria a redação do Fuxico Gospel, com dois funcionários trabalhando. Insistentemente procurado por e-mail, mensagem direta no Instagram e no celular, pelo WhatsApp, Micael a princípio concordou em conversar com a GQ, mas nunca respondeu as perguntas feitas.

A equipe do site também não refuta as críticas postadas nas áreas de comentário das matérias. Vários leitores reclamam do sensacionalismo das notícias; outros chegam a dizer que o Fuxico Gospel deveria ser processado por supostamente trazer informações enganosas. Mas todos continuam ali consumindo o conteúdo produzido.

Os evangélicos que buscam outro tipo de informação têm diversas opções de veículos. Há sites, revistas e perfis em redes sociais que combinam notícias com a pregação do Evangelho. Um deles é o Coisas Pra Crente, administrado pelo autointitulado digital influencer cristão William Aragão, que vive em Dourados, no Mato Grosso do Sul. O projeto começou em 2015, com um site que acabou substituído por perfis no Facebook — atualmente com 4,5 milhões de seguidores — e no Instagram, com 700 mil. A ideia inicial era fazer humor gospel. “Mas aquilo começou a me incomodar. Eu achava que Jesus queria, isso sim, que eu levasse mensagens de motivação para o público. Passei, então, a publicar trechos de pregações, e a audiência começou a crescer”, lembra Aragão. Com postagens patrocinadas por artistas e lojas gospel, o Coisas Pra Crente se tornou o principal trabalho do digital influencer, que frequenta a igreja Assembleia de Deus.

Aragão diz que ele mesmo foi uma “vítima” do Fuxico Gospel, que há algumas semanas publicou uma foto sua junto a um amigo trans, apontando que eram namorados. “Fofoca não é edificar as pessoas, é só para conseguir cliques. Nós vemos esse site como um desfavor para o reino”, afirma. “Prejudica muito as pessoas, expondo problemas e questões pessoais que não dizem respeito a ninguém. Vemos cantores e pregadores tendo a sua vida exposta e perdendo amigos, sendo cancelados, proibidos de falar na igreja.”

O estilo de sites de fofoca gospel também incomoda Sentileusa de Moraes, publisher da revista Exibir Gospel, que circula na região de Mogi das Cruzes, em São Paulo, desde 2009. Atualmente, imprime 10 mil exemplares por bimestre, cada um lido por, em média, oito pessoas, nas contas de Moraes. A Exibir Gospel, que também está na internet, tem edições temáticas, discutindo de uma perspectiva cristã as grandes questões do momento. Na de fevereiro, por exemplo, dedicou muitas de suas páginas a discutir se a pandemia da covid-19 é um sinal do fim do mundo. Na de dezembro, estampou na capa um pastor que garantia que existe ex-gay, colocando-se ele próprio como prova disso.

“Nossa intenção sempre foi propagar a palavra de Deus não só entre os evangélicos”, explica a publisher. “Os sites de fofoca fazem o contrário do que o Evangelho manda. A Bíblia pede que espalhemos o bem, não que fiquemos promovendo o mal.”

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