Nenhum brasileiro construiu carreira tão fulminante no rarefeito universo da alta-cozinha internacional quanto o carioca Rafa Costa e Silva, de 44 anos. Formado pelo prestigioso Culinary Institute of America (CIA), em Nova York, entrou como estagiário em 2007 no mítico Mugaritz, no País Basco. Em quatro anos, já havia se tornado braço direito do chef-proprietário, Andoni Aduriz.
Espécie de meca da gastronomia que atrai peregrinos gourmands, o restaurante acabara de ascender à terceira posição no influente ranking World's 50 Best Restaurants quando Silva decidiu abrir mão de seu emprego invejável. Lançou-se com sua mulher, Malena Cardiel — que conhecera no CIA e era àquela altura maîtresse do Mugaritz —, na arriscada aventura de abrir um negócio no Brasil.
Inauguraram o Lasai em Botafogo em 2014; no começo, era dificílimo fazer a conta fechar, porque seus menus-degustação de alta-cozinha sazonal se mostravam algo inédito e estrangeiro para o carioca. Apesar disso, em 2015 veio a primeira estrela no Guia Michelin e a 16ª posição no ranking dos 50 Melhores Restaurantes da América Latina. “Foi tudo só no boca a boca, na raça e no coração de todo mundo que trabalhou e ainda trabalha no Lasai”, diz Silva. “Mas a gente valoriza mais do que qualquer lista ou estrela o fato de lotarmos as reservas com dois meses de antecedência. Ver meu restaurante cheio a cada noite é superimportante para mim.”
No ano passado, o casal realizou outra aposta ousada. Transferiu o Lasai do casarão onde atendia 45 clientes por noite para um endereço no Humaitá quase quatro vezes menor: uma cozinha aberta para um balcão de dez lugares e praticamente mais nada. A conta fecha porque paga menos funcionários e cobra mais caro pelo menu-degustação (R$ 1.150 ou R$ 1.730, com harmonização de vinhos). Cozinhar de frente para uma pequena plateia resulta em um serviço ainda mais preciso. “Você morde um tempurá quinze segundos depois que foi frito; um peixe, trinta segundos depois de sair da panela”, descreve.
Ele cita como outro motivo para a mudança a possibilidade de utilizar ingredientes de qualidade máxima que só consegue em pequenas quantidades, como legumes e verduras de duas hortas próprias, peixes pescados no anzol no litoral fluminense e porcos criados soltos no Paraná. Mas a motivação principal se chama... Emiliano. “Meu filho nasceu em 2018 e eu só comecei a vê-lo direito quando inauguramos o novo Lasai. Queríamos qualidade de vida tanto para nós mesmos como para nossa equipe.”
A guinada rendeu frutos. Neste ano, o Lasai subiu vinte posições, para a 58ª, no ranking World's 50 Best (que, apesar do nome, vai até 100). Virou o segundo brasileiro mais bem colocado após a paulistana Casa do Porco — e é uma das reservas mais difíceis de conseguir no Rio. “O Lasai completará dez anos em março e, desde que abrimos, conto nos dedos de uma mão os dias em que não estávamos com o salão cheio. Isso é legal para caramba”, analisa o dono.
O aniversário será celebrado com uma série de jantares com alguns dos chefs mais famosos e premiados do mundo. Em um universo no qual chefs acabam tratados (e comportam-se) como celebridade e tantos investem em jogos de influência para atingir o estrelato, é de admirar que alguém avesso aos holofotes voe tão alto.
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Silva, admitidamente tímido a ponto de parecer desconfiar de desconhecidos, corre pela tangente. Ele conta que sua mulher fala: “Cara, você é chato, fechado, não entendo por que as pessoas gostam tanto de você”. Em seguida pondera e, alguns segundos depois, conclui: “Deve ser porque veem que sou honesto, tento ajudar as pessoas e não ligo para ganhar ou perder estrelas. Só trabalho para melhorar a cada dia a experiência de quem vem ao Lasai e para conseguir ver meu filho crescer.”
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