Poder

Por Leonardo Ávila Teixeira


Rene Silva: "Existem várias favelas dentro da favela. Que essa violência também é uma realidade dentro desses territórios, mas não só” — Foto: Pedro Dimitrow/Acervo GQ
Rene Silva: "Existem várias favelas dentro da favela. Que essa violência também é uma realidade dentro desses territórios, mas não só” — Foto: Pedro Dimitrow/Acervo GQ

Jornalista, ativista e empreendedor social nascido no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, Rene Silva, 29, representa o Brasil na lista Next Generation Leaders 2023 da revista Time, que desde 2014 pinça líderes jovens ao redor do mundo ano após ano. A seleção foi divulgada pelo periódico nesta terça-feira (23).

O fundador do portal comunitário Voz das Comunidades é o sétimo brasileiro a aparecer na seleção. Além dele, estiveram a modelo e ativista pela energia nuclear Isabelle Boemeke, homenageada em 2022, a cantora Iza e deputada Erika Hilton, em 2021, Pabllo Vittar e o falecido ex-deputado David Miranda, em 2020, e a empreendedora Bel Pesce em 2014.

“Eu fiquei muito honrado, e feliz demais, principalmente por ser uma representatividade do Brasil, de mostrar um lado do Brasil que pouca gente conhece”, diz Rene à GQ Brasil, que foi convidado há cerca de um mês e meio para integrar a lista. “Acho que mostra a importância do trabalho que a gente vem desenvolvendo aqui nas favelas do Rio de Janeiro. Enquanto comunicadores de favela, enquanto lideranças sociais que tem impactado uma geração”, conclui.

Rene Silva chamou atenção em novembro de 2010, ao trazer relatos em primeira mão da operação policial no Complexo do Alemão através do Twitter, um passo a passo noticioso que ganhou âmbito nacional. Os tuítes do então adolescente de 16 anos viraram fonte importante de notícias de um dos maiores acontecimentos jornalísticos do ano, em um território visto pelos telejornais como um dos mais perigosos do país.

“Qual meu foco, né, enquanto uma liderança jovem, preta, da favela? Eu quero que as pessoas fora desses territórios saibam o quê que acontece aqui dentro para além do que os grandes jornais falam. Quando abro ainda hoje um jornal, ligo a televisão, o principal tema que se fala sobre favela, ainda é tiroteios, mortes, violência, operações policiais. E aí eu quero mostrar esse outro olhar pro Brasil ,de que existem várias favelas dentro da favela. Que essa violência também é uma realidade dentro desses territórios, mas não só”, comenta.

Dessa primeira cobertura surgiu seu primeiro prêmio internacional - o Short Awards, espécie de ‘Oscar do Twitter’, ainda em 2011 - e uma curiosa amizade com Jack Dorsey, cofundador do microblog. Ambos se conheceram na primeira visita do empresário ao Brasil em 2019, no escritório da empresa em São Paulo. Em janeiro de 2020, Rene foi convidado (junto a outros líderes regionais) para apresentar sua história a cerca de 5 mil funcionários do Twitter em um evento no Texas.

O empreendedor social lembra inclusive de um presente do amigo, quando disse em um café na cidade que ia aproveitar a viagem para assistir a um jogo da NBA, ingressos comprados e tudo: “Chegou um convite para eu ficar naquele lugar ali na frente, naquelas primeiras cadeiras onde só senta os artistas, Beyoncé, Jay-Z”, conta.

Jack Dorsey foi um dos primeiros apoiadores do Voz das Comunidades. Um aporte de um milhão de dólares do fundador do Twitter em 2021 viabilizou, segundo o jovem do Alemão, a compra do espaço também no Complexo em que hoje funciona a casa da Voz e a estruturação de sua equipe de jornalismo: hoje a ONG tem um time de 30 profissionais, que cuidam não só da presença virtual do jornal, mas de sua versão impressa - são 20 mil exemplares, entregues no Complexo do Alemão, Complexo da Penha e Morro do Vidigal. O fundador hoje se dedica em grande parte à captação de recursos.

Mais recentemente, o crescimento do Voz chamou atenção política. Em novembro, cerca de um mês após o boné com a sigla CPX (presente de Rene para Lula) virar assunto na web, o jovem líder chegou a ser convidado pelo PT do Rio para assumir como secretário nacional da juventude no governo do petista. “Tive que recusar, principalmente por esse ser um ano muito importante de dedicação aqui dentro do Voz”, lembra. "Fiquei nessa preocupação: será que eu devo, será que eu não devo? De forma estratégica, para minha vida também, decidi que não era o momento”, conta.

Em meados de fevereiro, outro convite, desta vez para a Secretaria de Comunicação Social (Secom). “O Paulo Pimenta me ligou, ele me convidou para integrar a área de comunicação, e daí eu tive também que infelizmente recusar. Não havia possibilidade de dedicação, de exclusividade, com o executivo”, diz Rene. O comunicador, no entanto, é integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável, ou "Conselhão", de Lula - uma aproximação entre governo e sociedade civil.

Apesar do reconhecimento internacional, o empreendedor explica que trazer caixa para o Voz ainda é “um grande desafio”. As aflições são similares aos de outros veículos pequenos, que encontram dificuldades em acessar dinheiro de publicidade e órgãos governamentais. “A gente acaba não entrando nesses planos de mídia, nesses planos de comunicação, que as grandes empresas têm”, conta. “Hoje temos padrinhos e madrinhas, alguns artistas que fazem doações recorrentes - jornalistas da grande mídia, até. A gente conta com anúncios, doações de um modo geral”, explica.

Ainda assim, em 2023, a Voz espera expandir sua presença direta para São Paulo e Bahia, onde o jornal já tem parceiros locais, e a equipe deve lançar um documentário sobre sua trajetória, produzido internamente e comemorativo dos 18 anos de ONG. Além disso, recrutou Otávio Júnior, escritor do Complexo da Penha, para um livro infantil inspirado em sua história dentro do jornalismo comunitário, que deve ser lançado ainda em outubro. “Para que a gente consiga também colocar nas escolas, colocar em vários ambientes infanto-juvenis”, diz.

Influência sobre a nova geração é tema importante para Rene Silva, que ainda lamenta oportunidades perdidas na tensa operação no Complexo anos atrás: “(Não dá para repetir) o mesmo erro do governo do Estado, que teve uma oportunidade em 2010 durante a megaoperação no Complexo do Alemão e não fez. São 13 anos depois, e o quê que mudou de 2010 para 2023? Se tenho hoje um jovem de 18 anos de idade aqui, dentro da favela e ele está segurando um fuzil, está segurando uma pistola, isso é culpa, uma responsabilidade total do estado, que não fez o seu papel. Porque esse jovem de 18 anos, em 2010 tinha 5 anos de idade. Era uma criança. Você teve uma oportunidade de mudar toda uma geração, e não mudou.”

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