100 anos
PUBLICIDADE
Por

A arte de um jornal é contar histórias reais. Alguns escritores preferem a liberdade do ficcionismo, mas, com frequência, a realidade entrega narrativas mais insólitas do que muito romance premiado. Há alguns anos, o jornal O GLOBO resgata, no Blog do Acervo e no perfil do Acervo O GLOBO no Instagram, uma coleção de crônicas da vida real, que, em diferentes momentos ao longo desses 99 anos, levaram ao leitor histórias para lá de edificantes que brotaram de forma espontânea no cotidiano. Nesta página, reunimos algumas delas.

Entre os causos selecionados, tem desde o piloto argentino que pousou um avião com dezenas de pessoas a bordo numa praia na Ilha Grande até o porteiro que matou um tubarão a socos na Praia de Ipanema, passando pelo casal levado para a delegacia só porque não quis abrir a porta do quarto para a polícia. Tem ainda a praça na Zona Norte transformada em garimpo depois que se espalhou a notícia sobre uma pedra preciosa encontrada ali, e o protesto em São Paulo organizado depois que um juiz proibiu o beijo na boca em espaços públicos na ditadura militar.

Há muitos outros episódios pinçados de nossos arquivos e reeditados no blog ou na página do Instagram. E o próprio leitor pode pesquisar histórias ainda não desencavadas no site do Acervo (oglobo.com.br/acervo), onde estão digitalizadas todas as páginas de todas as edições do GLOBO desde o primeiro número, em 29 de julho de 1925.

Namoro virou caso de polícia — Foto: Otávio MAgalhães / 1981
Namoro virou caso de polícia — Foto: Otávio MAgalhães / 1981

Namoro que virou caso de polícia

A bailarina Yone Viegas, de 33 anos, não podia prever a confusão que seria criada quando decidiu levar o namorado Augusto Júnior para casa, em setembro de 1981. Os irmãos dela acharam aquilo uma pouca-vergonha e começaram a bater na porta do quarto. Como o casal se recusava a abrir, eles chamaram a polícia e até os bombeiros para entrar pela janela, usando uma corda. Juntou gente na porta do prédio, em Copacabana. No fim das contas, Augusto foi algemado para a 12ª DP, mas o delegado decidiu que não havia crime nenhum. “A moça é maior de idade e leva para casa quem ela quer”. Ufa!

Bancário para o trânsito para ajudar homem atravessar a Rio Branco — Foto: Alberto Jacob
Bancário para o trânsito para ajudar homem atravessar a Rio Branco — Foto: Alberto Jacob

Um gesto de coragem

As pessoas que atravessavam a Avenida Rio Branco, no Centro do Rio, numa quarta-feira em novembro de 1985 apertaram o passo quando viram que o sinal ia abrir. Mas alguém não chegou ao outro lado a tempo. Diante de um pelotão de carros e ônibus começando a avançar sobre ele, restara Luiz Carlos Azevedo. Com paralisia nas pernas e sem muletas, ele cruzava a pista sentado, arrastando-se no asfalto quente. Ao vê-lo, o bancário Raul Carlos Piza andou até o meio da rua e ergueu os braços com firmeza, detendo os veículos com seu gesto de coragem, até Luiz Carlos alcançar a calcada. Um herói do cotidiano.

Porteiro matou tubarão 'no braço' — Foto: Ricardo Gomes
Porteiro matou tubarão 'no braço' — Foto: Ricardo Gomes

O porteiro que matou tubarão à unha

Os banhistas na Praia de Ipanema mal podiam acreditar. Numa tarde nublada do inverno de 1999, um homem saiu do mar agarrado a um tubarão de 1,80m. O cidadão era José Nilso Gonçalves, de 32 anos, porteiro de um prédio de Copacabana que fora dar um mergulho no bairro vizinho. Estava com água na cintura quando viu o grande peixe se aproximando e, no susto, atracou-se com o dentuço. Ele contou que segurou o animal por debaixo das nadadeiras, levantou-o e começou a socar a cabeça. De lá, Gonçalves foi procurar uma peixaria para vender a caça. “É muita carne pra comer sozinho.”

Leão leva 'bronca' após dar um rolê — Foto: Jorge William / 1994
Leão leva 'bronca' após dar um rolê — Foto: Jorge William / 1994

O rolê do leão e a bronca da leoa

O leão Ulli deixou em pânico os funcionários do Jardim Zoológico de Niterói quando se aproveitou de um deslize do tratador, que deixou a jaula aberta. Naquela manhã de novembro de 1994, o grande felino vadiou pelas dependências e se deitou ao sol, na maior paz. Uma equipe da Fundação ZooRio chegou com dardos tranquilizantes, mas não foi necessário. Depois que um pobre pato foi pendurado na porta da jaula, Ulli abocanhou o lanche e voltou ao recinto. Foi recebido com duras patadas e rugidos da sua companheira, a leoa Lisa. Ela não gostou nada do “perdido” de três horas e acuou o macho no canto.

Um protesto inusitado — Foto: Arquivo
Um protesto inusitado — Foto: Arquivo

‘Beijaço’ contra o autoritarismo

Aconteceu na ditadura militar. Um juiz baixou uma ordem proibindo beijo na boca em áreas públicas de Sorocaba, em São Paulo, alegando que “beijos cinematográficos” eram “libidinosos e obscenos”. Quem desrespeitasse a ordem seria tratado como criminoso. A decisão, porém, encontrou forte resistência. No dia 8 de fevereiro de 1981, o movimento estudantil organizou a “Noite do Beijo”, que se tornou o ponto de partida para uma passeata com milhares de pessoas com cartazes e gritando: “Mais beijo, mais pão, abaixo a repressão!”. Houve confronto com policiais e correria. Até hoje, o ato é tido na cidade como exemplo de revolta contra o autoritarismo do regime militar.

Um Fusca anfíbio na Lagoa Rodrigo de Freitas — Foto: Arquivo
Um Fusca anfíbio na Lagoa Rodrigo de Freitas — Foto: Arquivo

Navegando com um fusca na Lagoa

O jornalista Mauro Salles teve uma ideia inusitada após descobrir que a Volkswagen tinha fabricado um protótipo de “fusquinha” anfíbio, em 1960. Redator automobilístico do GLOBO, ele convenceu os chefes da montadora a deixá-lo navegar nas águas da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. Salles veio de São Paulo pilotando o veículo só para realizar seu test drive, em dezembro daquele ano. “O carrinho navegou como se fosse um barco”, escreveu o jornalista, que anos mais tarde se tornou um dos publicitários mais conhecidos do país. “Só molhei meus sapatos quando pisei em uma poça ao sair do carro.”

O compositor Cartola senta ao chão após ser agredido pela polícia — Foto: Eurico Dantas / 1976
O compositor Cartola senta ao chão após ser agredido pela polícia — Foto: Eurico Dantas / 1976

Cartola agredido na Mangueira

Mais de 200 policiais subiram o Morro da Mangueira, na Zona Norte do Rio, antes do carnaval de 1976. A operação tinha o objetivo de prender criminosos, mas foi marcada pelas arbitrariedades cometidas pelos agentes. Dezenas de moradores foram enfiados em camburões só porque não tinham carteira de trabalho assinada. Alguns foram amarrados pelo pescoço. Quando o sambista Cartola, figura célebre na Mangueira, perguntou a policiais por que seu filho havia sido detido, levou uns tapas no rosto. O compositor teve que ir à delegacia tirar satisfação com o delegado, que, ao ver toda a imprensa acompanhando o caso, tratou de pedir desculpas e soltar o rapaz.

Imagem impressionante de um acidente aéreo — Foto: Arquivo
Imagem impressionante de um acidente aéreo — Foto: Arquivo

O piloto que impediu tragédia

A destreza de um piloto salvou dezenas de vidas num acidente em junho de 1958. O avião DC-4 da Aerolineas Argentinas sobrevoava a cidade de Ubatuba, em São Paulo, uma hora depois de decolar no Rio, com destino a Buenos Aires, quando um motor sofreu uma pane. Assim que começou a voltar para o Rio, o comandante Rogelio Merelle percebeu que outro motor pifara, e a aeronave passou a perder altitude rapidamente. Sem outra saída, o piloto teve que pousar de “barriga” numa praia na Ilha Grande. Foram três solavancos até parar, mas, após 20 minutos de pânico e muita correria para sair do avião em chamas, as 22 almas a bordo foram salvas.

Boato levou pessoas a procurarem ouro em Benfica — Foto: Marcos Issa / 1992
Boato levou pessoas a procurarem ouro em Benfica — Foto: Marcos Issa / 1992

Praça do garimpo em Benfica

Dizem que tudo começou quando um entregador de jornais achou uma pedra brilhante numa pracinha em Benfica, na Zona Norte do Rio. Um lapidador disse que era uma pedra de topázio, bastante valiosa. O entregador achou outras e levou a uma geóloga, que confirmou: era topázio. A informação se espalhou e, no dia 16 de janeiro de 1992, centenas de pessoas, com picaretas, pás e até garfos, amanheceram escavando o local, apelidado de Praça do Garimpo. Dias depois, o mal-entendido foi desfeito. As pedras eram, na verdade, pedaços de citrino, variedade do quartzo, de valor bem inferior. O “tesouro” valia, mais ou menos, o preço de uma cerveja no bar.

Mais recente Próxima Grandes reportagens: a gente conta a história em tempo real