Na campanha de 2022, Ciro Gomes disse que, se eleito, não governaria com os dirigentes do Banco Central nomeados por Jair Bolsonaro. “No primeiro dia, convidarei suas excelências a se demitirem”, afirmou. Quando alguém lembrou a lei que deu autonomia ao BC, estabelecendo mandatos fixos, ele respondeu ao seu estilo: “Para a gente convidar as pessoas a se demitirem, não tem lei nenhuma”.
Lula não é Ciro. Não propôs o fim da autonomia do BC nem instou Roberto Campos Neto a pedir as contas. Mesmo assim, vem apanhando sem dó desde que começou a criticar a taxa de juros. No dia 1º, o Copom contrariou o governo e manteve a Selic em 13,75% ao ano. Ao reclamar da decisão, o presidente entrou na mira da elite financeira e de seus porta-vozes.
“Isso é quebrar o termômetro”, condenou o empresário Flávio Rocha. “É lamentável ver o chefe do Executivo atacando a independência do BC”, endossou o banqueiro Ricardo Lacerda, antes de definir Campos Neto como “nosso último bastião contra a insanidade”. Os dois pediram votos para Bolsonaro, mas posam de analistas isentos no noticiário econômico.
O sumido João Amoêdo reapareceu para dizer que Lula precisava receber “aulas de economia” — só de economistas liberais, é claro. O ex-presidenciável do Novo aderiu ao bolsonarismo, tentou dar meia-volta e foi chutado do partido que criou, mas ninguém disse que ele precisava receber aulas de política depois do pontapé.
O Brasil pratica a maior taxa de juro real do mundo. Isso dificulta a abertura de negócios, a geração de empregos e a retomada do crescimento. Ninguém deseja um repique da inflação, mas questionar a política monetária não deveria ser proibido. Por mais que o mercado goste do presidente do BC, ele também não está acima do bem e do mal. A infalibilidade é um dom dos papas, não dos economistas — ainda que alguns pareçam certos do contrário.
Em tese, a independência do BC deveria blindá-lo de pressões e paixões políticas. Na prática brasileira, a teoria é outra. Campos Neto foi votar duas vezes de camisa da seleção, traje indefectível dos bolsonaristas. Nem o 8 de janeiro o convenceu a deixar o grupo de mensagens “Ministros Bolsonaro”, onde trocava figurinhas com ex-colegas como Damares Alves e Augusto Heleno.
Apesar das tentativas de infantilizá-lo ou tratá-lo como um radical, Lula não está gastando saliva à toa. Sabe que depende da queda dos juros para que seu governo decole. E tem motivos para supor que o chefe do BC não seja o maior interessado nisso.