Bernardo Mello Franco
PUBLICIDADE
Bernardo Mello Franco

Um olhar sobre a política e o poder no Brasil

Informações da coluna

Bernardo Mello Franco

Colunista do GLOBO e da rádio CBN. Trabalhou na Folha de S.Paulo e no Jornal do Brasil. Foi correspondente em Londres e escreveu o livro "Mil dias de tormenta"

Por Bernardo Mello Franco

O primeiro papa latino-americano vai completar dez anos no trono de São Pedro. Em março de 2013, o argentino Jorge Mario Bergoglio não aparecia nas listas de favoritos para a sucessão de Bento XVI. Sua eleição foi tão surpreendente quanto as transformações que ele promoveria na Igreja.

“A escolha do nome Francisco foi uma senha. Ali começou a mudar tudo”, resume o padre Julio Lancellotti, que não conteve as lágrimas quando assistiu ao anúncio do papa na TV.

Na primeira aparição pública, o pontífice chamou a atenção pela simplicidade. Dispensou o crucifixo de ouro e a estola vermelha usada pelos antecessores. Três dias depois, ele lembrou São Francisco de Assis e disse desejar “uma Igreja pobre e para os pobres”.

“O papa é radicalmente fiel ao Evangelho e aos ensinamentos de Jesus. Ele é uma pessoa verdadeiramente cristã. Não gosta de insígnias nem de bajulação”, elogia o padre Lancellotti, que coordena a Pastoral do Povo da Rua em São Paulo.

Francisco surpreendeu a Cúria ao abrir mão de mordomias e privilégios. Ao fim do conclave, fez questão de ir ao hotel onde se hospedava para buscar as malas e pagar as despesas. Há poucos meses, ele lamentou não poder mais usar o transporte público, como fazia até os tempos de cardeal. “Em Buenos Aires, eu era muito livre. Gostava de ver como as pessoas se locomoviam”, justificou.

A mudança de estilo foi acompanhada por declarações contundentes contra a desigualdade. O papa não perde uma chance de condenar a concentração da riqueza. “O mercado por si só não pode resolver todos os problemas, por mais que nos façam acreditar nesse dogma da fé neoliberal”, escreveu, na encíclica “Todos irmãos”.

O inconformismo o transformou em alvo de setores da direita, que passaram a tratá-lo como um perigoso subversivo. Quando Francisco criticou a destruição da Amazônia e saiu em defesa dos povos indígenas, o então presidente Jair Bolsonaro resolveu provocá-lo. Disse que o papa poderia ser argentino, mas Deus era brasileiro.

“Bolsonaro não foi ao Vaticano nem para a canonização de Santa Dulce dos Pobres, a primeira santa nascida no Brasil. Acho que ele não teve coragem de olhar nos olhos do papa”, critica Lancellotti.

No auge da pandemia, o padre recebeu ataques enquanto atendia a população de rua. Em outubro de 2020, foi surpreendido com um telefonema do papa, que elogiou sua dedicação aos sem-teto. Mais tarde, no Vaticano, Francisco se referiu a ele como “mensageiro de Deus”.

“Quando reconheci a voz do papa, meu coração disparou”, contou Lancellotti na sexta-feira. Horas antes de conversar com a coluna, ele voltou a receber ameaças. Um homem interrompeu sua missa aos gritos, acusando-o de “sustentar vagabundos”.

A defesa dos mais pobres não é a única explicação para o incômodo com Francisco. O papa também se notabilizou por posições consideradas progressistas em temas como aborto, homossexualidade, divórcio e celibato de sacerdotes. Mesmo sem revisar os dogmas da Igreja, despertou a ira de alas mais conservadoras do catolicismo.

Aos 86 anos, Francisco tem enfrentado problemas de mobilidade, mas não dá sinais de que vá renunciar. Numa entrevista recente, ele avisou que governa com a cabeça, não com os joelhos. “Posso morrer amanhã, mas está tudo sob controle”, brincou.

Mais recente Próxima Deputado que ofendeu trans aposta em leniência com discurso de ódio