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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.


Imagem da propaganda da ditadura militar contra a inflação — Foto: Reprodução
Imagem da propaganda da ditadura militar contra a inflação — Foto: Reprodução

O custo de vida é culpa de quem compra, culpa de quem vende. Esta era a visão do governo federal na ditadura militar, de acordo com uma propaganda veiculada em 1977 para combater a inflação, que, na época, beirava os 40% ao ano. O vídeo da campanha voltou a circular via redes sociais, depois que, numa reunião com o setor de supermercados, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, pediram a empresários que não elevem os preços dos alimentos.

"Temos que dar trégua nos preços, vamos ajudar a quebrar a espiral inflacionária", afirmou Paulo Guedes, pedindo "aperto nos cintos", no último dia 9 de junho.

A propaganda de 1977 mostra imagens de uma feira ao ar livre. "Todo mundo reclama do preço do arroz, do tomate, do feijão. Mas todo mundo continua comprando e vendendo. E o custo de vida continua subindo. Ninguém faz nada", diz o locutor, enquanto as pessoas compram frutas, legumes e verduras dos feirantes, até que todos param e olham para a câmera quando a voz diz: "Entendam de uma vez por todas. O custo de vida é culpa de todos nós. Culpa de quem compra, culpa de quem vende".

De acordo com a linha de pensamento da ditadura, era o mercado que tinha que tomar medidas para segurar a inflação: "Você tem que fazer alguma coisa. Comece a pechinchar. Comece a dar valor a cada centavo. Procure o mais barato. Discuta o preço. Compre somente o que você precisa". Neste ponto, as imagens mostram feirantes conversando entre si, enquanto a locução continua: "Se todo mundo acreditar que esta é a única solução, aqueles que vendem caro vão acabar acreditando, e o brasileiro vai vender a inflação".

- Havia uma tentativa do governo militar de engajar as pessoas com sentimento nacionalista, algo comum em governos autoritários - explica Vinicius Müller, professor do Insper e Doutor em História Econômica. - Nos anos 1970, a ditadura perdeu apoio popular devido à violência após o AI-5 e do cumprimento apenas parcial das promessas econômicas do início do regime. Houve crescimento, mas a desigualdade social se ampliou muito. Então, o governo tentava criar ambiente favorável num cenário de inflação que afetava, principalmente, os mais pobres.

De acordo com Müller, essa tentativa de intervir na economia apelando à sociedade foi vista também em alguns governos civis de lá pra cá.

- No fim dos anos 1980, o governo Sarney recorreu a formas populistas de engajar a população ao lançar o Plano Cruzado. Surgiram o que chamávamos de "fiscais do Sarney", que ficavam vigiando mercados para identificar aumentos abusivos. Havia um efeito de conscientização, mas, de certa forma, também jogava o problema para os mais fracos - analisa o professor. - Fernando Collor também fez apelo de perfil pessoal quando pediu à população para cumprir o "dever cívico" de aceitar o confisco de ativos bancários, sem que o povo tivesse condições pra isso.

O especialista vê semelhanças também com a gestão Bolsonaro, que apelou a donos de supermercados para reduzirem lucros e pediu a caminhoneiros para fotografar as bombas de combustível nos postos.

- O pedido para empresários segurarem preços e as tentativas de controlar os preços dos combustíveis revelam dificuldade de combater a inflação, que pode não ser culpa da gestão atual mas que exige uma resposta do governo. A Dilma também tentou controlar preços e não deu certo - observa Müller. - Mas é um terceirização do problema. Estamos vendo uma deteriorização do poder de compra da sociedade, mas a inflação corrói também a capacidade das empresas de se posicionar, os custos das empresas também estão subindo muito.

Filial das Casas da Banha em 1975 — Foto: José Vasco/Agência O GLOBO
Filial das Casas da Banha em 1975 — Foto: José Vasco/Agência O GLOBO
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