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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.


Boate Kiss: A advogada Tatiana Borsa durante julgamento  — Foto: Divulgação/TJ-RS
Boate Kiss: A advogada Tatiana Borsa durante julgamento — Foto: Divulgação/TJ-RS

A tragédia na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, deixou 242 mortos, na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Após muita investigação e protelação, o julgamento dos quatro principais acusados aconteceu apenas em dezembro de 2021. No último dia de tribunal, a advogada Tatiana Borsa, defensora do músico Marcelo de Jesus dos Santos, responsável por lançar o artefato pirotécnico que começou o incêndio, exibiu durante o júri um vídeo de uma carta supostamente psicografada por uma das vítimas que perderam a vida no incêndio.

Em dezembro, os quatro acusados foram condenados à prisão em regime fechado. Marcelo de Jesus, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, foi sentenciado a 18 anos de cadeia, mesma pena de Luciano Bonilha, auxiliar do grupo. Já os empresários Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, sócios da boate Kiss, foram condenados a 19 e 22 anos, respectivamente. Eles estavam todos presos, mas foram soltos por determinação da Justiça do Rio Grande do Sul, que, nesta quarta-feira, acolheu em parte os argumentos da defesa para anular o juri que os condenara.

Na noite de 9 de dezembro de 2021, penúltimo dia do julgamento, ao final da sua sustentação de defesa, a advogada de Marcelo de Jesus exibiu no tribunal um vídeo com suposta mensagem de Guilherme Gonçalves, um dos 242 mortos no incêndio. A atitude gerou indignação entre familiares de jovens mortos no desastre. As palavras de Guilherme teriam sido psicografadas e constam no livro "Nossa nova caminhada", que reúne mensagens de sete jovens falecidos na tragédia de 2013. A obra, lançada por pais de vítimas, foi incluída nos autos do processo.

Boate Kiss: Homenagem a vítimas no Centro de Santa Maria, em 2018 — Foto: Edilson Dantas/Agência O GLOBO
Boate Kiss: Homenagem a vítimas no Centro de Santa Maria, em 2018 — Foto: Edilson Dantas/Agência O GLOBO

A mensagem exibida por Tatiana Borsa no júri do caso Kiss sugere que os familiares das vítimas lembrem que os "responsáveis também têm famílias e não tiveram qualquer intenção quanto à tragédia acontecida", bem como classifica o ocorrido na boate em Santa Maria como uma "fatalidade". A carta também aconselha os parentes dos mortos a "aceitar as determinações divinas".

"Até hoje estão procurando uma justificativa para a tragédia de Santa Maria que me vitimou e diria que fez não só o Brasil chorar, como também muitos pais", continua a carta lida no vídeo durante o julgamento. "Ao invés de concentrar tanto nosso pensamento procurando por culpados, os convido a orarmos junto por todas as vítimas e seus afetos enlutados", conclui.

O recurso usado pela defensora durante sua sustentação suscitou críticas nas redes sociais. Incomodados, alguns familiares deixaram o local do julgamento. Horas mais tarde, Gabriela Ahmad, irmã de Daniela, vítima do incêndio, disse em publicação numa rede social que era "inaceitável que a defensora do réu Marcelo de Jesus dos Santos utiliza o livro na tentativa de comoção dos jurados".

"O Livro tem somente um único objetivo: auxiliar mais famílias no enfrentamento da dor da perda de seus filhos, trazendo algum conforto e explicação para tanto sofrimento. Jamais imaginamos que alguém se valeria das palavras de nossos queridos familiares, desencarnados na boate Kiss, para tentar a absolvição de um dos réus. Infelizmente, temos que enfrentar inconvenientes como esse".

A advogada pedia a absolvição de Marcelo argumentando que ele confiava no assistente, responsável pela pirotecnia. Borsa alegou que o cliente não teve intenção de matar. O apelo não evitou que ele fosse condenado por homicídio simples com dolo eventual, mesmo crime pelo qual Bonilha, Spohr e Hoffmann foram considerados culpados. Eles cumpriam suas penas até que, nesta quarta-feira, por 2 votos a 1, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) determinaram a anulação do júri e a liberdade dos quatro. O Ministério Público recorreu da decisão.

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