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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.


Funcionário do SNI mostra aparelho de escuta que estava sob revestimento do gabinete — Foto: Jamil Bittar/Agência O GLOBO
Funcionário do SNI mostra aparelho de escuta que estava sob revestimento do gabinete — Foto: Jamil Bittar/Agência O GLOBO

O marceneiro Irineu Oliveira, chamado entre amigos de Pelé, estava trabalhando na reforma do gabinete presidencial do Palácio do Planalto, em Brasília, quando se deparou com um aparelho suspeito escondido sob o revestimento da parede, no dia 11 de março de 1983. Naquele instante, o operário deduziu que tinha achado uma bomba prestes a mandar tudo pelos ares e foi correndo atrás do engenheiro responsável pelas obras no prédio. Horas depois, constatou-se que não se tratava de um explosivo, mas, ainda assim, a descoberta causaria impacto na rotina do governo.

Examinado por técnicos do Serviço Nacional de Informações (SNI), o aparelho foi identificado como uma escuta eletrônica oculta no gabinete do presidente general João Figueiredo, último mandatário da ditadura militar. Equipado com um transmissor com controle remoto, o dispositivo tinha ainda um receptor de acionamento, um transmissor com potência de 400 microwatts e seis baterias de um volt cada. Os testes não foram capazes de precisar a que distância o equipamento poderia ser acionado, mas a escuta de tudo que acontecia na sala poderia ocorrer até uma distância de 1.500 metros.

Nesta terça-feira, a Polícia Federal começou uma varredura no Palácio do Planalto, para receber o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A operação tem o objetivo de checar se há grampos, explosivos ou qualquer outro objeto suspeito. Embora seja um trabalho protocolar, o "pente fino" também é motivado por desconfianças do novo governo em relação à equipe do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Em 1983, Figueiredo ordenou investigação para identificar o responsável pela escuta, que teria sido instalada em seu gabinete no dia 18 de fevereiro, quando fora trocado o revestimento. O aparelho estava em uma chapa de madeira, de 33cm de comprimento por 11cm de largura, encaixada entre o lambri e a parede, bem perto do local onde seria colocada a mesa do então presidente da República, que recebeu a notícia quando estava num avião rumo a Brasília. O assunto era tratado como uma clara tentativa de espionagem. A descoberta foi revelada pelo jornal "Correio Braziliense" no dia 13 de março.

Funcionário do SNI mostra o local do gabinete presidencial onde estava a escuta — Foto: Jamil Bittar/Agência O GLOBO
Funcionário do SNI mostra o local do gabinete presidencial onde estava a escuta — Foto: Jamil Bittar/Agência O GLOBO

Figueiredo não gostava de entrevistas e não abriu exceção daquela vez. Entretanto, o deputado federal Walber Guimarães (PMDB-PR), que participara de uma audiência com o general, disse ao GLOBO que o militar estava tranquilo. "O presidente não viu nada demais nisso", garantiu o parlamentar. O major Juarez Marcon, ajudante de ordens do presidente, confirmou que o general não ficara abalado, mas fez um comentário sugestivo: "A história se repete", disse Marcon, referindo-se à escuta encontrada em 1969 no telefone do então vice-presidente, Pedro Aleixo, ao fim do governo de Artur da Costa e Silva.

Os ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica se disseram indignados com a escuta na sala de Figueiredo. Durante dias, esse foi o principal assunto nos corredores do Palácio da Alvorada, onde o presidente passou a despachar. Auxiliares dele garantiram que os resultados da investigação seriam divulgados, mas, no dia 17 de março, foi decretado o sigilo da apuração, e pouco mais se falou disso. Sabe-se que o dono da firma responsável pela reforma no Palácio foi ouvido, assim como operários que haviam entrado no gabinete. Mas não há registros de que o espião tenha sido encontrado.

Impacto maior quem sentiu foi Irineu Oliveira. Maranhense de 48 anos, ele ficou muito abalado depois de descobrir a escuta. Após muitas tentativas, uma equipe do GLOBO combinou uma entrevista com o marceneiro em sua casa, sob a condição de que não haveria fotógrafo. Mas Oliveira, ainda trabalhando nas obras do Palácio do Planalto, não apareceu na data marcada porque teria sido informado de que um homem com uma câmera acompanhava o repórter. No dia seguinte, o jornalista foi sozinho e, finalmente, encontrou o operário. Mas Oliveira, tenso, não deu nenhuma informação nova.

"O senhor sabe como é", disse Dona Graça, mulher do marceneiro, na porta do barraco pintado de azul, em Gama, cidade satélite de Brasília. "A gente é pobre, e a corda sempre arrebenta do lado mais fraco".

"Eu não sei de nada. Eu nem mesmo achei aquilo. A única coisa que fiz foi pegar e correr para a segurança do Palácio, com medo de que fosse uma bomba", garantiu Oliveira, cheio de nervosismo na voz, pouco antes de encerrar a entrevista educadamente. "Desculpe não poder contar nada. Não é que tenho medo de ser demitido. Mas é que trabalho no Palácio todos os dias, e a pessoa que botou o aparelho pode ver o meu rosto e resolver se vingar".

O aparelho de escuta encontrado no gabinete de João Figueiredo — Foto: Jamil Bittar/Agência O GLOBO
O aparelho de escuta encontrado no gabinete de João Figueiredo — Foto: Jamil Bittar/Agência O GLOBO
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