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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

Estudantes contra e a favor do governo trocando socos, pauladas e pedradas, erguendo trincheiras com entulhos e atirando coquetéis molotov numa rua de São Paulo. Houve até tiros, e morte, no episódio que ficou conhecido como a Batalha da Maria Antonia, durante a ditadura militar, há 55 anos, quando alunos da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Mackenzie, que eram vizinhas, travaram uma guerra de dois dias.

A gente vive hoje numa sociedade polarizada e radicalizada pela política, mas não é a primeira vez. O golpe militar de 1964 dividiu o país, e uma parte da população apoiou a intervenção que derrubou o presidente João Goulart. Mas, mesmo entre os apoiadores do golpe, muita gente esperava que os generais reestabelecessem a democracia depois. Não foi o que aconteceu e, nos anos seguintes, a insatisfação das ruas com a ditadura só fez aumentar.

O ano de 1968 foi marcado por protestos do movimento estudantil exigindo a volta da democracia no Brasil, quatro anos depois do golpe que instaurara a ditadura. Em março, o secundarista Edson Luís, de 18 anos, tinha sido morto pela polícia durante um ato no Centro do Rio. O crime motivou uma série de manifestações que culminaram na famosa Passeata dos Cem Mil, em junho.

Estudantes de um lado da rua durante batalha da Maria Antônia, em 1968 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Estudantes de um lado da rua durante batalha da Maria Antônia, em 1968 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO

No dia 2 de outubro de 1968, há 55 anos, na Rua Maria Antronia, alunos do ensino médio realizavam um pedágio beneficente na frente da Faculdade de Filosofia da USP. Eles estavam reunindo dinheiro para organizações estudantis contrárias ao regime militar, mas um grupo de alunos da Universidade Mackenzie favoráveis à ditadura decidiu atrapalhar a ação, fechando a rua para impedir a passagem dos carros e jogando até ovos podres na turma do pedágio.

Quando estourou a confusão, os estudantes da USP compraram o barulho dos secundaristas. As duas instituições de ensino superior, uma pública e outra privada, eram vizinhas na Rua Maria Antonia, mas seus alunos viviam às turras. Enquanto muitos militantes de esquerda estudavam na USP, a Mackenzie tinha grupos mais identificados com a direita e o regime. De acordo com pesquisadores, a Mackenzie tinha entre seus alunos integrantes do grupo paramilitar Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

Estudantes de um lado da Rua Maria Antonia durante confronto em 1968 — Foto: Arquivo/USP
Estudantes de um lado da Rua Maria Antonia durante confronto em 1968 — Foto: Arquivo/USP

Foram dois dias de muita violência na Maria Antonia. Os estudantes usavam entulhos e que o mais encontravam pra erguer barricadas em lados diferentes da rua. Os alunos da USP, encabeçados pelo então líder estudantil José Dirceu, buscavam munição num canteiro de obras para jogar nos rivais. Já entre os estudantes da Mackenzie tinha gente armada disparando tiros contra os adversários.

A polícia interviu com truculência, prendeu mais de 30 pessoas e dispersou a confusão, mas o saldo final foi terrível. As duas faculdades ficaram bastante danificadas. O prédio da Faculdade de Filosofia chegou a ser incendiado por vândalos que atiraram tochas no campus depois que a "batalha" já tinha acabado. O professor e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, na época, dava aulas naquele campus da USP, teve a sua sala dele invadida. Vários documentos de pesquisa foram destruídos.

Mas o pior foi a morte do secundarista José Guimarães, de 20 anos, atingido no peito por um tiro que partiu do lado da Mackenzie. A família entregou o corpo do estudante para ser velado por seus colegas de movimento em um ato. O assassinato gerou protestos de ativistas, que tomaram ruas, revirando e incendiando carros. A Batalha da Maria Antonia foi um dos episódios que levou o regime a decretar, em dezembro de 1968, o Ato Institucional de número 5 (AI-5), abrindo o período mais duro da ditadura.

Manifestação após morte de estudante na Batalha da Maria Antonia, em 1968 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Manifestação após morte de estudante na Batalha da Maria Antonia, em 1968 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
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