Blog do Acervo
PUBLICIDADE
Blog do Acervo

O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

Os ares no Senado Federal estavam carregados naquela quarta-feira. A rixa entre dois parlamentares alagoanos de famílias rivais tinha chegado ao limite. Desde que fora eleito, o senador Arnon de Melo (PDC), pai do então adolescente Fernando Collor de Mello, vinha sendo hostilizado e insultado por seu colega Silvestre Péricles de Góis Monteiro (PST), militar, ex-delegado e herdeiro de uma família com história na política nacional. Segundo relatos, Silvestre planejava matar seu adversário se ele subisse na tribuna para discursar. Portanto, no dia 4 de dezembro de 1963, há 60 anos, quando Arnon faria o discurso de abertura da sessão, o clima era de duelo de faroeste em pleno Congresso Nacional.

Então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade havia tomado as providências cabíveis. Mandou impedir o ingresso de "pessoas suspeitas" na Casa, determinou a revista de todos que quisessem ingressar nas galerias e espalhou guardas à paisana pelas dependências. De acordo com reportagem do GLOBO na época, o filho mais velho de Arnon, Leopoldo Collor de Melo, de 22 anos, foi desarmado por um segurança antes de entrar. Ficou na mesma galera onde estava um genro de Silvestre, oficial do Exército. Mesmo com as precauções, havia o receio de que capangas das duas famílias tinham sido trazidos de Alagoas para Brasília e estariam prontos pra agir em caso de confronto.

Como de hábito, o senador do PST chegou cedo no Parlamento, passou na sala do café e foi cuidar da sua correspondência. Já o pedecista, visivelmente ansioso, entrou no gabinete de Moura Andrade para dizer que só iria à tribuna quando estivesse presente o seu rival. Ao soar da sirene, chamando os senadores para a sessão, Péricles deixou sua sala e se dirigiu para o plenário, onde já se encontrava Arnon. Com ar de tranquilidade, o autor das ameaças passou na bancada dos jornalistas, jogou alguns sorrisos, conversou brevemente com o senador e empresário pernambucano José Ermírio de Moraes e ficou de pé, permanecendo com o paletó sugestivamente desabotoado.

Arnon de Melo, pai de Fernando Collor, que disparou tiros no Senado — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Arnon de Melo, pai de Fernando Collor, que disparou tiros no Senado — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO

As galerias estavam lotadas e inquietas. Fazendo cessar o burburinho, Moura Andrade abriu a sessão avisando que a Mesa faria de tudo, "nos limites máximos de sua força", para manter a ordem. "Se por ventura, alguém perturbar a ordem, será posto imediatamente sob custódia", disse ele ao microfone.

O relógio da Casa marcava as 15h quando Arnon de Melo subiu na tribuna e tomou a palavra, visivelmente exasperado. Alguma coisa muito grave estava para acontecer, mas ninguém imaginava o que seria. "Senhor presidente, permita vossa excelência que eu faça meu discurso olhando na direção do senhor senador Silvestre Péricles de Gois Monteiro, que ameaçou de me matar, hoje, ao começar meu discurso". Foi tudo muito rápido. Nem bem o pai de Collor iniciara a sua fala, e seu arquirrival já havia começado a marchar decididamente e com expressão furiosa na sua direção. Quando chegou perto da tribuna, com o dedo em riste, gritou: "Filho da puta!".

No mesmo instante, Arnon sacou sua arma e disparou. Foram dois tiros, mas ele não atingiu Péricles, que havia se atirado no chão e puxara seu revólver. O pânico estava instalado, muita gente corria para se proteger, enquanto outros senadores tentavam apartar o duelo. Silvestre se arrastava entre as poltronas, tentando fazer pontaria. Foi quando o parlamentar paraibano João Agripino se lançou sobre ele e conseguiu tomar-lhe a arma. Ouviu-se mais um tiro. A campainha do Senado soava em disparada, misturando-se à gritaria. Quando o presidente da Casa reassumiu o microfone dizendo "Basta!" e pedindo que removessem os dois rivais do plenário, alguém gritou: "Há um ferido, excelência!".

Consternados, os presentes constatavam o senador acreano José Kairala (PSD) no chão, baleado no ventre. Pobre Kairala. Comerciante de 39 anos, elegera-se suplente do ex-governador José Guiomard, ocupava a cadeira dele desde julho de 1963, substituindo o titular, que estava de licença. Aquele 4 de dezembro era seu último dia no Senado e ele tinha levado mulher e filhos para sua despedida. Acabou recebendo o segundo disparo de Arnon, ao se jogar sobre Péricles para evitar seu revide. Enquanto o plenário se acalmava, Kairala se esvaía. Ele foi levado ao hospital e operado, recebeu todo o estoque de sangue em transfusões, mas morreu às 20h05.

O pai de Collor chegou a ficar algumas horas preso, mas foi liberado sob a alegação de que agira em legítima defesa. Em seu depoimento no Ministério da Aeronáutica, o político disse que vinha sendo ofendido e ameaçado por Péricles havia anos e que, quando começou a discursar na tribuna, viu o rival avançando sobre ele com a mão na cintura, como se estivesse pegando a arma. Arnon se recusou a reconhecer que partira de sua arma o tiro que atingiu Kairala, mas disse que não se lembrava se havia disparado um ou dois tiros, porque fora rapidamente agarrado por colegas. Já Péricles afirmou que poderia ter matado o rival, mas não o fez com medo de atingir outra pessoa em meio à confusão.

A mãe, a viúva e um dos filhos de Kairala durante velório do senador, em 1963 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
A mãe, a viúva e um dos filhos de Kairala durante velório do senador, em 1963 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Mais recente Próxima Como o corpo do médico nazista Josef Mengele foi decoberto no Brasil anos após sua morte