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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

RESUMO

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GERADO EM: 05/09/2024 - 16:08

Sequestro do embaixador americano no Rio em 1969

Em 1969, o embaixador americano Elbrick foi sequestrado no Rio por grupos de luta armada. Mantido refém em casa alugada por Gabeira, foi libertado em troca de presos políticos. Após o episódio, voltou aos EUA. O sequestro inspirou o livro e filme "Que é isso, companheiro?". O líder do sequestro e outros envolvidos foram presos e torturados, com alguns sofrendo consequências fatais.

Era uma quinta-feira de sol em setembro de 1969. Doze homens, dentro de carros ou a pé, estavam distribuídos perto do Largo dos Leões, onde os bairros de Humaitá e Botafogo se encontram, na Zona Sul do Rio. Em sua maioria jovens universitários, eles esperavam o Cadillac Fleetwood preto que, todos os dias, levava o embaixador americano Charles Elbrick de sua residência, na Rua São Clemente, para a embaixada dos Estados Unidos, no Centro. Eram 14h50 quando o veículo despontou na Rua Marques, e teve início um dos episódios de maior repercussão da ditadura militar no Brasil.

O diplomata, que estava no país havia apenas dois meses, foi sequestrado por integrantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e da Ação Libertadora Nacional (ALN), organizações da luta armada contra o regime autoritário instalado após o golpe militar de 1964.

O Cadillac estava em frente ao número 17 da Rua Marques quando foi fechado por um Fusca. Então, guerrilheiros armados entraram no carro do diplomata, obrigando o motorista a dirigir até a Rua Caio de Melo Franco, numa área de pouco movimento no Humaitá. Então, o embaixador foi obrigado a entrar numa Kombi. Neste momento, Elbrick, um homem de 1,90m com então 61 anos de idade, tentou reagir, mas um dos sequestradores aplicou-lhe uma coronhada na cabeça. O Cadillac foi deixado na Caio de Melo Franco, junto com o motorista e uma carta-manifesto.

O embaixador Charles Elbrick saindo do táxi que pegou após ser libertado — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
O embaixador Charles Elbrick saindo do táxi que pegou após ser libertado — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO

Na carta, os extremistas diziam estar combatendo a ditadura, em nome do povo. Para soltar Elbrick, eles queriam a libertação de 15 presos políticos, entre eles os líderes estudantis José Dirceu e Vladimir Palmeira. Os sequestradores também exigiam a publicação do texto em jornais, rádios e TVs.

O embaixador foi levado para uma casa na Rua Barão de Petrópolis, no Rio Comprido, alugada por Fernando Gabeira. Na época um jovem repórter, Gabeira viria a ser baleado e preso, em São Paulo, em 1970. Meses depois, ele foi solto em troca da liberdade de outro embaixador, o alemão Ehrenfried von Holleben, também sequestrado. Exilado, o militante morou fora do Brasil até a promulgação da Lei da Anistia, em 1979, quando voltou ao país e escreveu o livro "O que é isso, companheiro?", relatando o sequestro de Elbrick. O livro inspirou o filme homônimo, dirigido por Bruno Barreto, em 1997.

O governo federal, na época chefiado por uma junta de ministros militares, suspeitava do imóvel na Barão de Petrópolis, mas relutava em agir temendo a morte de Elbrick. Para não ser culpada da morte do embaixador, a ditadura aceitou todas as exigências dos sequestradores.

Fernando Gabeira na 1ª Auditoria do Exército, após ser baleado e preso, em 1970 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Fernando Gabeira na 1ª Auditoria do Exército, após ser baleado e preso, em 1970 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO

Os presos foram libertados e levados para o México numa aeronave da Força Aérea Brasileira. No dia 6 de setembro, os sequestradores saíram da casa na Barão de Petrópolis em dois fuscas, seguidos por uma Rural-Willys ocupada por militares que faziam tocaia no imóvel. Para despistar os agentes, os militantes foram para o Maracanã, de onde torcedores saíam após um jogo de futebol. O diplomata foi deixado no Largo da Segunda-Feira e pegou um táxi para a embaixada americana. Um dia depois, ele reuniu a imprensa para divulgar uma declaração oficial seguida de entrevista coletiva.

"A situação foi verdadeiramente enervante. Mas gostaria de dizer que, além deste galo que tenho aqui na testa, que me foi infringido nos momentos iniciais do assalto em virtude da resistência que ofereci, tudo correu da melhor maneira possível", disse ele. "Neste momento, desejo expressar minha gratidão ao governo brasileiro pela compreensão, pela simpatia com que soube atender aos sequestradores. Sei que liberar os 15 prisioneiros políticos não foi uma decisão fácil, mas o fato é que ela foi tomada, sendo responsável pela minha liberdade".

Elbrick retomaria seu posto, mas meses depois voltou para os Estados Unidos, alegando problemas de saúde. Ele morreu em 1983, aos 75 anos, em Washington D.C..

Comandante do sequestro, o militante Joaquim Câmara Ferreira, da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi preso em São Paulo, um ano após o episódio. Ele acabou morto sob tortura. Mesmo destino teve o sindicalista Virgílio Gomes da Silva, outro líder do sequestro. Entre os demais envolvidos, o jornalista Cid Benjamin também foi preso e torturado, mas, assim como Gabeira, saiu da cadeia em troca da liberdade do embaixador alemão. O economista Paulo de Tarso Venceslau ficou preso durante cinco anos, mas saiu em 1974. Já o sociólogo Claudio Torres passou sete anos na cadeia.

Casa no Rio Comprido onde o embaixador foi mantido refém — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Casa no Rio Comprido onde o embaixador foi mantido refém — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Presos políticos libertados em troca do embaixador sequestrado — Foto: Reprodução
Presos políticos libertados em troca do embaixador sequestrado — Foto: Reprodução
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