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Informações da coluna

Mariana Barbosa

No GLOBO desde 2020, foi repórter no Brazil Journal, Folha, Estadão e Isto é Dinheiro e correspondente em Londres.

Rennan Setti

No GLOBO desde 2009, foi repórter de tecnologia e atua desde 2014 na cobertura de mercado de capitais. É formado em jornalismo pela Uerj.

Por e

A agência de viagens online Hurb continua vendendo pacotes flexíveis — sem data fixa para a viagem — mesmo tendo sido proibida, há dez meses, pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). A violação se dá no momento em que a Hurb negocia um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o próprio Ministério da Justiça, a despeito de um volume crescente de queixas de clientes e ex-funcionários sobre viagens e direitos trabalhistas não honrados.

A oferta de pacotes flexíveis se comprova com uma simples navegação no site da Hurb. Um pacote para Maragogi (AL) — de quatro diárias e com aéreo e hotel — sai por R$ 918 (mais taxas) para quem viajar entre “abril e novembro de 2025”.

Procurada para comentar esse exemplo, a Senacon disse que vai averiguar os termos da oferta para avaliar se ele viola a suspensão.

Há duas semanas, a própria Senacon manteve a proibição aos pacotes flexíveis da Hurb até a assinatura de um TAC. A empresa já solicitou um acordo ao órgão, abrindo uma negociação que suspende o processo administrativo que estava em curso e poderia, eventualmente, levar a uma multa. Não há prazo para conclusão de um TAC, porém.

‘Mês fixo’

Além da aparente violação, a Hurb vem trabalhando com uma modalidade intermediária, de mês fixo, lançada após a suspensão dos pacotes originais em maio do ano passado. Por ele, o cliente escolhe o mês da viagem, mas não a data, e tampouco sabe qual será a companhia aérea ou o hotel.

A despeito das similaridades com os pacotes flexíveis que foram proibidos, o formato de mês fixo é considerado regular pela Senacon porque suas características não são exatamente as mesmas dos pacotes proibidos, explica Frederico Moesch, coordenador-geral de Consultoria Técnica e Sanções Administrativas do órgão.

Essa interpretação não é unânime. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), por exemplo, vem dizendo nos últimos meses que o pacote de mês fixo viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC). No entendimento do Idec, é ilegal vender um serviço sem informar quem efetivamente que o prestará e quando será prestado.

Sem fundos

Quase um ano após a coluna denunciar o crescimento de reclamações de clientes que não conseguiam viajar — em situação que levou o CEO João Henrique Mendes a xingar e vazar dados de cliente revoltado —, hoje as queixas dizem respeito sobretudo ao reembolso de pacotes não honrados ou de pedidos de cancelamento. O problema é que centenas de clientes que ganharam ações na Justiça não conseguem receber por falta de fundos nas contas.

Segundo o JustBrasil, existem 71.525 processos contra a Hurb hoje nos tribunais. No ReclameAqui, são 117 mil reclamações nos últimos 12 meses. A empresa usa robô para responder as queixas, mas somente 12% das demandas aparecem como solucionadas.

Sem receber e com IR errado

Além de frustrar clientes, a Hurb é acusada por ex-funcionários demitidos — e centenas foram desligados ao longo do último ano — de não pagar valores referentes a rescisão, férias e 13º salário. Segundo os relatos, nem mesmo o FGTS dos empregados vem sendo recolhido de forma contínua. Uma parte desses profissionais só conseguiu receber parte das cifras após entrarem na Justiça contra a companhia, segundo relatos.

Mesmo assim, a Hurb enviou a ex-funcionários informe de rendimentos contendo os valores que não foram pagos aos demitidos e se recusa a retificar o documento, potencialmente criando problemas entre os profissionais e o Fisco, segundo contou uma das vítimas à coluna.

— O informe veio com todos os valores da rescisão, multas, 13º, férias, etc., mas não recebi nada disso! Solicitei que o informe fosse retificado e eles não atenderam — contou.

O pano de fundo dessa contudo é uma situação financeira descrita como caótica por ex-funcionários — e agravada pela gestão no mínimo peculiar de um CEO que mantém horários irregulares (chega a virar a noite no escritório) e tem o hábito, segundo ex-empregados, de ofender seu time (com direito a e-mails na madrugada).

— A empresa está numa situação caótica financeiramente. A missão que nos era passada era pensar em soluções que trouxessem liquidez imediata, mesmo que comprometessem ainda mais a empresa a médio prazo e fossem desfavoráveis aos clientes. Todos lá dentro sabem que o modelo de negócios não se sustenta — relatou um ex-empregado.

Segundo essa fonte, o próprio CEO tem o costume de entrar no sistema e alterar preços e condições dos pacotes sem consultar qualquer funcionário, impondo ao time uma rotina de revisões constantes para evitar que a situação financeira da startup deteriore ainda mais.

CEO prolixo

Enquanto deixa de pagar clientes e ex-empregados, João Ricardo Mendes se porta nas redes sociais como se nada estivesse acontecendo. Na semana passada, compartilhou via LinkedIn um arrazoado de mais de 12 mil caracteres com o título “Aos Clientes, Profissionais e Parceiros da Hurb Holdings,” (sic).

Em vez de se posicionar sobre os questionamentos de clientes e ex-empregados lesados, o CEO escreveu “para os milhões que nos amam, sentirem orgulho e as centenas que tiveram alguns meses uma viagem atrasado entenderem o que está por trás desse CEO que não dorme” (sic).

Com ares de alucinação de ChatGPT, o texto enfileira citações que vão desde filme de Batman, Santos Dumont, Sérgio Vieira de Mello até Ayrton Senna e produz argumentos esclarecedores como: “os Pixels entram e então os pixels saem, mas o que está no meio não são pixels” e “vamos abraçar tendências externas e benchmarks porém não muito, afinal, a mesma coisa que nos trouxe até aqui é a mesma que pode nos matar.” (sic).

O que diz a Hurb

Questionada sobre as informações da reportagem, a Hurb disse que “reconhece os problemas enfrentados e lamenta a situação.”

“No entanto, ressalta que segue trabalhando em força-tarefa para a normalização das operações, se guiando pelo melhor interesse de seus públicos. Por questões legais, a companhia esclarece que não comenta processos e/ou ações em andamento, mas afirma que está à disposição das autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos”, acrescentou.

Sobre os ex-funcionários, a empresa “confirma que já não há valores em aberto com aproximadamente 60% do quadro de ex-funcionários e informa que está em contato com o sindicado para um plano de pagamento das rescisões ainda pendentes.”

“A OTA (sigla em inglês para agência de viagem online) aproveita ainda para reforçar o seu comprometimento com a realização das viagens adquiridas, bem como com a devolução de valores solicitados por clientes que optaram pelo cancelamento do serviço, e isso vai passar, no seu tempo, por negociação com órgãos de fiscalização”, observou.

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