O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a suspensão de pagamentos aos membros do Conselho de Administração da Gafisa para honrar débitos com um cliente, em uma medida de execução de dívidas atípica — e também inédita.
A Gafisa acumula mais de mil processos só nos tribunais de São Paulo e, dentre uma série de condenações, já teve a marca penhorada e até a falência pedida, mas nada resultou em pagamentos efetivo aos vencedores das ações.
Sem conseguir fazer a empresa pagar os valores devidos em uma condenação relacionada às obras de customização de um imóvel, o escritório Kauffman Advogados apelou para executar os pagamentos devidos aos integrantes do conselho de administração da construtora. Os valores envolvidos são pequenos — R$ 26 mil — mas a medida é simbólica e rara no Judiciário brasileiro.
A Gafisa diz que não foi formalmente intimada. A empresa diz ainda considerar a decisão "abusiva e inadequada" e que "adotará as medidas processuais cabíveis para revertê-la".
Tradicionalmente, as execuções se baseiam em bloqueios de recursos nas contas bancárias das empresas. No entanto, tem sido cada vez mais difícil para os advogados realizar a penhora online.
Tentativas de desconsideração de personalidade jurídica para tentar alcançar o patrimônio dos administradores também não costumam ser bem sucedidas, sobretudo em caso de dívidas trabalhistas ou previdenciárias. A jurisprudência costuma ser pacífica em relação à ilegitimidade deles em arcar com dívidas das empresas. Nesse caso, contudo, ao invés de mirar o patrimônio próprio dos conselheiros, a penhora mira um recurso que é da empresa — mas chama os conselheiros à responsabilidade, para que eles determinem que a empresa pague a dívida.
"De alguma forma a Executada aprendeu a evitar a penhora online. A Gafisa vale quase meio bilhão no mercado de capitais, recebe quase 1 bilhão de reais em 2023, porém não possui um real em contas rastreáveis pelo Bacenjud", escreve o advogado na petição.
Desde 2015, o Código de Processo Civil foi alterado para permitir aos magistrados tomar medidas atípicas para convencer o devedor a cumprir sentenças judiciais. Elas podem incluir apreensão de CNH ou de passaporte, por exemplo.
"A finalidade da medida atípica que se pretende obter do Poder Judiciário é induzir coercitivamente a Executada a promover uma mudança na diretriz adotada pela Gafisa, de deliberadamente deixar de pagar dívidas judiciais", escreveu o advogado na petição.
A decisão em primeira instância foi além do pedido pelo Kauffman Advogados. O escritório pedia a proibição de pagamentos de bônus ou qualquer tipo de premiação ou remuneração suplementar aos membros do conselho de administração da Gafisa. Na decisão, o juiz Luiz Antonio Carrer, da 13a Vara, determinou o bloqueio de "qualquer pagamento".
Entenda o caso
A Gafisa foi condenada no ano passado a ressarcir um cliente por uma reforma de customização que deveria ter sido feita antes da entrega das chaves, em 2020. A construtora alega que o cliente perdeu o prazo e não fez as modificações, mas depois foi condenada a ressarcir os gastos com a obra, no valor de R$ 56 mil — valor que com juros e multas pode ir a quase R$ 100 mil. A Gafisa contesta o valor e o processo está em fase de perícia.
A decisão desta quarta (22) se refere a indenização, multas e custas judiciais no mesmo processo.
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