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Mariana Barbosa

No GLOBO desde 2020, foi repórter no Brazil Journal, Folha, Estadão e Isto é Dinheiro e correspondente em Londres.

Rennan Setti

No GLOBO desde 2009, foi repórter de tecnologia e atua desde 2014 na cobertura de mercado de capitais. É formado em jornalismo pela Uerj.

Por e

Com a retomada da chuva, a tragédia no Rio Grande do Sul se prolonga. Ações concretas que mitiguem os efeitos da catástrofe precisam rapidamente sair do papel, o que remete, no âmbito das políticas públicas, à implementação. Nesse sentido, o ministro Fernando Haddad anunciou uma série de medidas econômicas que agora precisam efetivamente chegar às famílias, empresas e municípios atingidos.

Para as famílias, as medidas incluem a antecipação de parcelas do bolsa família, do programa de abono salarial e da restituição do imposto de renda, além da ampliação do seguro-desemprego. Para o estado do RS e municípios afetados, foi criado um fundo para estruturação de projetos e a ampliação de empréstimos com aval da união, além da suspensão dos pagamentos da dívida do RS com a união por três anos. Para as empresas, as medidas incluem um aporte adicional de 4,5 bilhões de reais no Fundo Garantidor de Operações (FGO) e 500 milhões de reais ao FGI (Fundo Garantidor de Investimentos), que serão utilizados como garantia em empréstimos feitos pelos bancos às empresas afetadas, reduzindo com isso das taxas de juros cobradas. Novos anúncios devem ser feitos e espera-se algum tipo de transferência de renda nos moldes do auxílio emergencial (AE), pago durante a pandemia da Covid-19.

A implementação do AE propiciou inúmeros aprendizados que talvez possam ser utilizados para fazer com que as soluções cheguem efetivamente a quem precisa. O pagamento do AE escancarou a precariedade do mercado de trabalho no Brasil. Das cerca de 68 milhões de pessoas que receberam a primeira parcela do AE, cerca de 38 milhões não estavam, naquele momento, recebendo nenhum tipo de transferência, como o bolsa família e o benefício de prestação continuada. Por isso mesmo foram chamadas de “invisíveis” pelo sempre loquaz ministro Paulo Guedes. Estimativas mostraram que 74% dos invisíveis possuíam renda inferior a R$1300 e baixo nível de escolaridade, sendo que 64% atuavam na economia informal. Ou seja, um combo completo apontando para vulnerabilidade3. Diante da calamidade no RS, a maior parte destes invisíveis perde a capacidade de gerar renda, além das óbvias perdas de bens materiais.

Portanto, parece que uma lição importante para o atual momento é a necessidade de implementação de uma política de transferência mais ampla, que se assemelhe a um programa de renda básica. Estudo recente mostra que essa modalidade de transferência de renda tem se multiplicado como resposta às mudanças no mundo do trabalho, tais como o aumento da informalidade e imprevisibilidade das rendas de trabalho oriundas da “economia do bico”. Em termos práticos, talvez o ideal seja implementar rapidamente no RS algo semelhante aos critérios da primeira fase do AE, cujo alcance foi mais amplo, com menos amarras de elegibilidade.

Claro que isso aponta para necessidade de continuar aprimorando, o CadÚnico, registro das pessoas pobres e extremamente pobres), cuja criação, em 2007, foi um grande avanço na gestão de políticas sociais. Há dificuldades tanto para manutenção de informações atualizadas quanto para dar ao sistema a capacidade de capturar a dinâmica de funcionamento dos orçamentos familiares e entender as características da baixa renda em um momento de transformações no mundo do trabalho. O uso de novas tecnologias e o avanço da identificação digital são indispensáveis, além de facilitar a integração com cadastros mantidos pelas prefeituras.

Por outro lado, outra lição do pagamento do AE relaciona-se aos efeitos da exclusão digital, que prejudicou o acesso das famílias mais pobres ao AE4. Estudos apontam que limitações da internet, como problemas de conexão, o preço dos pacotes de uso de dados, a qualidade dos celulares e a dificuldade de uso de aplicativos podem ter sido determinantes para que muitas pessoas, embora elegíveis, não tenham conseguido o AE. A exclusão digital espelha outras desigualdades e prejudica o alcance das políticas até as famílias mais vulneráveis A lição básica é que a tecnologia não é uma panaceia.

No RS, será fundamental o papel das prefeituras e profissionais que atuam em nível local, em contato direto com os usuários dos serviços de assistência social. São eles os principais responsáveis pela implementação das políticas, dirimindo dúvidas e auxiliando a população a superar obstáculos para o uso da tecnologia, apesar de todas as dificuldades de acesso decorrente das enchentes. Obviamente, isso não exclui as cooperativas, entidades de grande representatividade no sul do país, bancos, entidades da sociedade civil e voluntários. A implementação adequada de transferências sociais demanda um diagnóstico correto do atual estágio da inclusão digital e financeira no estado.

Por fim, vale dizer que, diante da calamidade, usando os marcos legais existentes e sem perder de vista o controle das contas públicas, é possível usar recursos não submetidos à regra fiscal a fim de atender à população afetada. Cabe ao Estado liderar o enfrentamento à crise e encurtar o caminho que em geral separa a formulação e a efetiva implementação das políticas públicas.

*Lauro Gonzalez é professor da FGV EAESP e coordenador Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV

**Rafael Schiozer é professor da FGV EAESP e pesquisador do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV.

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