Daniel Becker
PUBLICIDADE
Daniel Becker

Conversas sobre infância, no plural: pelo bem-estar de crianças, famílias e sociedade

Informações da coluna

Daniel Becker

Pediatra, sanitarista, palestrante e escritor. Ativista pela infância, saúde coletiva e meio ambiente.

Por Daniel Becker

Humanos são mamíferos. Portanto, amamentar deveria ser natural, simples e instintivo. Além disso, a lista de benefícios comprovados pela ciência aumenta cada vez mais. O leite materno oferece todos os nutrientes que o bebê precisa e promove um vínculo profundo entre ele e sua mãe. Seus anticorpos protegem contra doenças infecciosas. Bebês amamentados têm melhor desenvolvimento cognitivo, menor risco de alergias, asma, obesidade e doenças crônicas, e melhor saúde bucal. Para a mulher, recuperação mais rápida do parto, menor risco de câncer de seio e diabetes. A família faz uma tremenda economia. Para a sociedade, além da redução da mortalidade infantil e de custos com saúde, benefícios ambientais: menos gases de efeito estufa, menor consumo de alumínio, plástico e gás e redução drástica de resíduos.

Diante de tudo isso, deveríamos ver todas as mães amamentando com tranquilidade, e a sociedade protegendo e valorizando a amamentação. E, no entanto, sabemos que não é bem assim. Ainda existem barreiras e preconceitos, e muitas mulheres enfrentam grandes dificuldades, angústia e insegurança para amamentar.

Vamos entender melhor essa história. Desde o momento em que começamos a nos organizar como sociedade, a amamentação deixa de ser um ato apenas biológico para ser influenciada por variáveis psicológicas, sociais, econômicas e culturais.

A importância da amamentação é reconhecida desde a antiguidade. No entanto, ao longo da história, o aleitamento materno perdeu prestígio, primeiro entre a nobreza, depois entre a burguesia: as “amas de leite” alimentavam os bebês dos mais ricos. Uma das práticas mais cruéis contra as escravizadas no Brasil era trazer aquelas que haviam parido para amamentar as crianças de seus senhores, enquanto seus filhos morriam sem o seu precioso leite.

No final do século 19 surgem as primeiras “fórmulas infantis”. Elas foram importantes para a sobrevivência de muitos bebês que perdiam suas mães numa época de altíssima mortalidade materna.

Mas logo a indústria percebe que o grande lucro viria quando todas as crianças usassem suas fórmulas, não apenas as que precisavam. E começa a construção da mais bem sucedida e cruel campanha de marketing da história: a disseminação da ideia de que o leite materno é fraco, insuficiente para um bebê forte e saudável, e que bom mesmo era o leite em pó. As vendas explodiram, e nos anos 1960, menos de 30% dos bebês americanos eram amamentados.

Com lucros astronômicos e saturação dos mercados no hemisfério norte, as indústrias partem para uma agressiva campanha nos países em desenvolvimento, na época miseráveis, com altas taxas de fertilidade e mortalidade infantil. Distribuíam mamadeiras e amostras de leite gratuitas em maternidades, com a mensagem de que o leite materno era insuficiente. Em casa, os bebês faziam a previsível “confusão de bico” — dificuldade de sugar o seio quando se oferece mamadeira a um recém-nascido. Isso era confundido com uma recusa do seio, e as mães davam mais leite em pó. Só que a segunda lata custava caro, e a tendência era diluir com mais água, muitas vezes suja e contaminada... e desta forma estima-se que incontáveis crianças tenham morrido de diarreia e desnutrição. A Nestlé chegou a ser chamada de baby-killer por um relatório da época.

A partir da década de 1970 a sociedade e a ciência começam a perceber o óbvio: o leite materno era o melhor alimento para o bebê. Organizações da sociedade civil denunciam as práticas perversas dos fabricantes de fórmulas. OMS e UNICEF declaram o apoio à amamentação como uma importante medida de saúde pública; e em 1981 é criado um código de comercialização para o leite em pó, proibindo a propaganda direta ao público, além de outras restrições.

As empresas então fazem uma mudança genial em suas estratégias de marketing: é o que vou contar no próximo domingo.

Mais recente Próxima A importância da proteção de dados e privacidade das crianças e adolescentes