Daniel Becker
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Daniel Becker

Conversas sobre infância, no plural: pelo bem-estar de crianças, famílias e sociedade

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Daniel Becker

Pediatra, sanitarista, palestrante e escritor. Ativista pela infância, saúde coletiva e meio ambiente.

Por Daniel Becker

Hoje é dia do pai que cuida, que entende que a sua participação não é ajuda, que se coloca por inteiro, ao lado da mãe, nessa linda missão que é criar e educar um ser humano.

Hoje não é dia do homem que não se importa, que não busca criar conexão com os filhos, que não é parceiro da mãe nas noites insones, que deixa a carga do cotidiano nas costas da mulher, daquele que diz: “Eu trabalhei o dia todo, você ficou em casa. E ainda quer que eu ajude com o bebê? Eu já pago as contas, faça sua parte”.

Infelizmente, pais ausentes não são casos isolados. Muitas famílias ainda vivem numa realidade patriarcal e machista, onde o papel do pai é o de provedor e autoridade violenta (às vezes brutal) na educação dos filhos, deixando todo o trabalho de cuidado nas mãos da mulher. Sem falar nas milhões que sofrem o abandono puro e simples da figura paterna, muitas vezes sem sequer registrar o filho.

Felizmente, existe uma clara tendência para que situações como essa fiquem cada vez mais no passado. O movimento de paternidade ativa, apesar de ainda pequeno, tem crescido rapidamente. A própria existência desse termo já mostra a necessidade da mudança.

Nessa paternidade mais presente, o homem começa participando da criação dos filhos, dividindo as responsabilidades de forma igualitária com a mãe. E aí, um fenômeno extraordinário acontece: o amor que brota do cuidado - Eric Fromm dizia que essa é a sua forma mais potente. Através desse envolvimento afetivo, o homem é transformado. Se torna alguém com mais empatia, mais olhar e escuta para o outro, menos violento, mais acolhedor e solidário. Essa mudança tem inclusive um substrato biológico: a redução da testosterona e o aumento da ocitocina, hormônio ligado ao afeto e ao cuidado.

Um pai presente tende também a uma educação mais respeitosa, menos autoritária e violenta. O convívio permite que ele entenda melhor seu filho e a delicadeza de seus sentimentos, e, portanto, assuma um papel mais propício ao seu bom desenvolvimento.

Essa mudança pessoal pode “contaminar” outros homens, evoluindo para uma transformação social. Talvez um dos melhores remédios para o machismo estrutural e a violência dele decorrente seja a paternidade ativa.

Os benefícios são demostrados em estudos científicos: para os pais, melhor vida conjugal e profissional, mais saúde e satisfação com a vida. E para as crianças: mais saúde física e emocional, melhor desempenho acadêmico e profissional e melhores relacionamentos sociais.

Um dos aspectos que me fascinam na paternidade é o papel simbólico do pai, descrito na psicanálise como a figura que rompe a fusão simbiótica entre mãe e bebê, ajudando a criança a se separar emocionalmente da figura materna, de seu “útero protetor”.

Esse movimento, além de ajudar a criança a desenvolver sua identidade própria, tem o papel de apresentar o mundo à criança, encorajando a exploração do entorno. O pai oferece segurança, mas ao mesmo tempo expõe o filho a experiências mais intensas, a sensações que representam a aventura, a magia de viver. Ele apresenta ao filho a arte, a natureza, o desconhecido. O jogo da vida como ela é, longe do colo materno, também tão importante.

Essa foi a marca da minha paternidade: sempre me dediquei a levar meus filhos para o mundo, através de viagens, da literatura (saudade das noites lendo para os dois à luz da lanterna), da arte e muito especialmente da natureza.

É saudável que haja energias "opostas" em jogo na criação de filhos. A da proteção e segurança; e a do risco, da aventura. Esse equilíbrio é importante e delicado. Claro que não são papéis fixos, mas simbólicos, e podem ser assumidos por qualquer uma das partes. Representam os polos, as tensões que nada mais são que a própria vida.

As crianças precisam desses dois sabores: a doçura do aconchego e o apimentado da aventura. Além, claro, de pais presentes e responsáveis. Para esses, feliz dia.

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