Fumus Boni Iuris
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Fumus Boni Iuris

Relatos e análises sobre as decisões mais importantes da Justiça brasileira.

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Fumus Boni Iuris

Relatos, análises e opiniões sobre as decisões mais importantes da Justiça brasileira por um time de especialistas do Direito.

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No ano em que a principal lei brasileira de Processo Administrativo completa 25 anos, uma comissão do Senado acaba de aprovar a mais profunda e esperada reforma de seu texto. Criada em 1999, a Lei 9.784 é responsável por disciplinar nossos direitos e deveres nas relações jurídicas com o Estado e, nessa condição, é uma das leis mais importantes do nosso país. O fato de ter sido muito pouco alterada ao longo de sua vigência é um marcante sinal de sua elevada qualidade. Contudo, o passar dos anos revelou pontos em que o aperfeiçoamento se tornou conveniente ou mesmo necessário, além de terem surgido, no direito público, novos institutos e preocupações que não existiam no final da década de 1990.

Essa necessidade de evolução levou, em fevereiro de 2022, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o então presidente do STF, ministro Luiz Fux, a criarem uma Comissão de Juristas presidida pela ministra do STJ, Regina Helena Costa, com o objetivo de elaborar anteprojetos de leis para modernizar o processo administrativo. Em setembro do mesmo ano, a comissão, após realizar consultas e audiências públicas para receber sugestões, apresentou seu relatório, indicando as modificações que seriam oportunas na lei de processo administrativo federal.

Tivemos a oportunidade e a honra de integrar essa comissão e, junto com os professores Patrícia Ferreira Baptista, Flávio Amaral Garcia, Alexandre Aroeira Salles, Maurício Zockun e André Jacques Luciano Uchoa Costa, apresentar as propostas de alteração da Lei 9.784. Ainda em 2022, todas as medidas sugeridas pelo grupo foram transformadas pelo senador Rodrigo Pacheco no Projeto de Lei do Senado 2.481, recentemente aprovado com caráter terminativo pela Comissão Temporária do Senado para exame de projetos de reforma dos Processos Administrativo e Tributário Nacional. Essa comissão foi presidida pelo senador Izalci Lucas e teve como relator o senador Efraim Filho, parlamentares que se empenharam profundamente e compreenderam plenamente o espírito das mudanças sugeridas, não apenas enaltecendo o trabalho da Comissão de Juristas, como também reconhecendo a importância da “muito aguardada modernização no âmbito do processo administrativo”.

Para o cidadão brasileiro, a reforma traz inúmeras mudanças positivas e relevantes, facilitando a plena concretização da cidadania e a defesa eficaz de direitos fundamentais por meio do processo administrativo. Em linhas gerais, os objetivos da reforma da lei de processo administrativo podem ser classificados em cinco grandes grupos:

  1. Reforço da segurança jurídica: a reforma busca garantir a estabilidade e uniformidade das decisões tomadas pela administração pública, inclusive em situações em que o administrador público se depara com atos inválidos.
  2. Modernização do processo administrativo: o texto proposto regulamenta o uso de inteligência artificial e do processo eletrônico, além de empoderar as partes através dos negócios jurídicos processuais.
  3. Incremento da legitimidade e tecnicidade no controle da Administração: estabelece novas regras que promovem maior participação popular e a incorporação da Análise de Impacto Regulatório (AIR) e da Avaliação de Resultado Regulatório (ARR) no processo decisório estatal.
  4. Regulamentação dos efeitos do silêncio administrativo: assegura que o cidadão tenha conhecimento prévio dos casos em que os efeitos são negativos, positivos ou translativos, e permite requerer providências quando houver omissão reiterada da Administração Pública.
  5. Criação de normas gerais de Direito Administrativo Sancionador: visa dar maior racionalidade ao sistema punitivo estatal, reforçando suas funções dissuasória e retributiva. Isso é alcançado pela menção a princípios gerais, estímulo à cooperação interinstitucional e disseminação de mecanismos e procedimentos de integridade.

A reforma, reconhecendo as virtudes da Lei 9.784, propõe sua atualização para que continue a desempenhar o papel de destaque que tem desde 1999, consolidando nossa democracia por meio de uma relação processual mais horizontal e participativa.

Parabenizando o Senado pelo importante passo dado, expressamos o desejo de que a aprovação final do texto normativo ocorra em breve, permitindo que o Brasil tenha uma das leis de processo administrativo mais avançadas do mundo: o Estatuto Nacional de Uniformização do Processo Administrativo. Esta mudança na lei de processo, com uma forte preocupação republicana e democrática, aproxima o cidadão do Estado, promove segurança jurídica, incorpora as inovações tecnológicas contemporâneas, reduz a judicialização e confere maior racionalidade ao sistema sancionador brasileiro. Mudanças extremamente importantes para a sociedade brasileira.

*Valter Shuenquener de Araujo é professor associado de Direito Administrativo da UERJ. Relator da Subcomissão de Processo Administrativo da Comissão de Juristas criada pelo Senado e STF.

* Gustavo Binenbojm é professor titular de Direito Administrativo da UERJ. Membro da Comissão de Juristas criada pelo Senado e STF.

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