Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Informações da coluna

Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por — Nova York

RESUMO

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GERADO EM: 25/06/2024 - 18:15

Hezbollah: influência e terrorismo no Líbano

O Hezbollah é um grupo xiita libanês surgido nos anos 80, apoiado pelo Irã, que mantém tensões com Israel e possui poder militar significativo. Atua politicamente no Líbano e é acusado de terrorismo, gerando instabilidade na região.

Não há risco de uma guerra entre Israel e o Líbano até porque os israelenses venceriam com gigantesca facilidade e sem enfrentar resistência relevante das Forças Armadas libanesas. O temor sempre foi de uma escalada para um conflito entre Israel e o grupo xiita libanês Hezbollah, apoiado pelo Irã, que atua a partir do território libanês. Mas, afinal, o que é essa organização? Tentarei responder em alguns itens abaixo.

Como surgiu o Hezbollah?

O Hezbollah tem origem em três fatores que ocorreram simultaneamente no início da década de 1980. Primeiro, a ocupação israelense do Sul do Líbano em uma aliança com uma milícia cristã libanesa (com a presença de alguns xiitas) chamada Exército do Sul do Líbano (ESL). O objetivo de Israel inicial era combater milícias palestinas que operavam a partir do território libanês. A região, no entanto, tem população majoritariamente xiita. Muitos deles se opunham à presença de Israel e eram solidários aos palestinos. Em segundo lugar, depois da Revolução Islâmica de 1979, o Irã buscou no Oriente Médio xiitas com os quais podia se aliar e os encontrou no Sul do Líbano. Essa aliança levou ao armamento e treinamento do grupo que viria a ser o Hezbollah. Por último, pesou a marginalização dos xiitas na sociedade libanesa, historicamente dominada por cristãos e sunitas.

Qual a relação entre Israel e o Hezbollah ao longo das décadas?

Durantes os anos 1980 e 90, o Hezbollah e Israel se enfrentaram no Sul do Líbano. Os israelenses apoiavam a milícias cristã ESL e o grupo xiita recebia o apoio do Irã. Houve momentos mais tensos, como em 1996, e outros de menor intensidade. No ano 2000, diante do desgaste da ocupação, Israel se retirou unilateralmente da região. Alguns membros da ESL se refugiaram em Israel. Os que ficaram foram perdoados pela organização. O Sul do Líbano na prática ficou do Hezbollah com a ausência do Estado libanês por tantos anos.

Apesar da retirada, seguiu a tensão entre o Hezbollah e Israel. No verão de 2006, o Hezbollah realizou uma ação contra soldados israelenses na fronteira. Israel respondeu com uma ampla ofensiva contra o Líbano. A guerra durou um mês. Mais de mil libaneses morreram, incluindo 600 membros do Hezbollah. No lado israelense, morreram 120 militares e mais de 40 civis. Houve um cessar-fogo amparado pela resolução 1.701 da ONU, que nunca foi totalmente respeitada pelos dois lados.

Após este conflito, nos últimos 18 anos, prevaleceram as chamadas regras do jogo. Isto é, para cada ação havia uma reação proporcional comunicada ao outro lado para evitar uma escalada. Esse cenário foi interrompido pelo atentado de 7 de outubro do Hamas.

Qual a disputa entre Israel e o Hezbollah?

Em teoria, o Hezbollah afirma que Israel ainda ocupas áreas libanesas como as Fazendas de Shebaa. Segundo a ONU, no entanto, os israelenses se retiraram do Líbano em 2000 e as Fazendas de Shebaa seriam território sírio ocupado por Israel. A Síria mantém uma posição dúbia sobre o território. Na prática, o Hezbollah serve como arma do Irã para dissuadir Israel de uma ampla ofensiva contra o território iraniano. Israel oficialmente não tem interesse no território libanês, mas algumas vertentes mais radicais de colonos defendem a ocupação e anexação do Sul do Líbano. Há quem afirme que o objetivo do Hezbollah e do Irã, no longo prazo, é destruir Israel. O regime iraniano prega abertamente a destruição do Estado israelense.

Como está o conflito atual?

O Hezbollah abriu uma frente contra Israel de guerra de atrito depois do atentado do Hamas. Israel respondeu e os últimos 9 meses têm sido ações e reações dos dois lados. Há uma escalada progressiva, mas ainda não eclodiu uma guerra total. Os dois lados seguem uma retórica de ameaças. Dezenas de milhares de israelenses precisaram deixar o Norte de Israel, assim como dezenas de milhares de libaneses deixaram o Sul do Líbano. Os EUA e a França tentaram mediar um acordo de cessar-fogo, mas fracassaram até agora. O Hezbollah indicou que cessaria os ataques no caso de um cessar-fogo em Gaza. Israel quer o fim da cessação dos ataques de forma incondicional e não descarta uma ofensiva terrestre.

Qual o risco de uma guerra total?

O Líbano seria devastado por Israel. O Hezbollah também provocaria enorme destruição no lado israelense, atingindo Haifa e Tel Aviv. Existe ainda a possibilidade de o Irã e os EUA serem sugados pelo conflito. Milhares de pessoas poderiam morrer.

O Hezbollah é terrorista?

Membros do Hezbollah são formalmente acusados por uma investigação internacional pelo mega atentado que matou Rafik Hariri (então líder da oposição libanesa, maior figura da política libanesa e ex-premier) e outras 21 pessoas na marina de Beirute em 2005. O grupo também é acusado por outros assassinatos e atentados no Líbano, embora negue todos. A Justiça da Argentina acusa o Hezbollah, em coordenação com o Irã, pelo atentado contra a AMIA em Buenos Aires no qual morreram 86 pessoas. O grupo nega. Há acusações também de que o grupo cometeu um ataque terrorista na Bulgária. Essa é uma diferença no modus operandi em relação ao Hamas. O grupo palestino reivindica dezenas de atentados terroristas ao longo das últimas três décadas em Israel, incluindo o de 7 de outubro. Os EUA, muitos países europeus e Israel consideram o Hezbollah terrorista.

Qual o poder político do Hezbollah no Líbano?

O Líbano possui um sistema político sectário. O Parlamento do país, com 128 cadeiras, é dividido entre metade cristã e metade muçulmana, com subdivisões entre as diferentes denominações dessas religiões. Dos 54 deputados muçulmanos, 27 precisam ser xiitas. Desse total, 15 integram Hezbollah. O gabinete ministerial do Líbano, com 24 ministros, também é dividido entre as correntes sectárias e o Hezbollah possui dois ministérios. O presidente do Líbano precisa cristão maronita, o premier muçulmano sunita e o presidente do Parlamento, xiita. O representante xiita é Nabih Berri, que integra a AMAL.

Vendo assim, pode parecer que o Hezbollah possui pouco poder político. O grupo, no entanto, possui uma série de alianças. A AMAL e seu líder Berri, que são xiitas, atua conjuntamente com o Hezbollah, que também mantém alianças com partidos cristãos, sunitas e drusos. Na prática, o Hezbollah possui poder de veto na política libanesa. Embora em alguns momentos o primeiro-ministro do Líbano fosse adversário do Hezbollah, como Saad Hariri e Fuad Siniora, hoje é muito difícil que isso ocorra. O partido também prefere aliados cristãos na Presidência, como o caso do ex-presidente Michel Aoun. Há quase dois anos, existe um impasse para a escolha de um novo presidente para o Líbano.

O Hezbollah possui um Estado paralelo?

O grupo domina o chamado Sul do Líbano, os subúrbios ao sul de Beirute, conhecidos como Dahieh, e áreas no Norte do Vale do Beqaa. São as regiões com fortes presenças de xiitas no Líbano. Possui seu próprio Exército e até mesmo forças policiais. Sua agenda externa nem sempre está em sintonia com a do Líbano. Há suspeitas de forte presença do grupo na segurança do aeroporto de Beirute e no porto. Nas áreas cristãs e sunitas, a presença do grupo é bem menor e, dependendo do lugar, quase inexistente.

Qual o poderio militar do Hezbollah?

O Hezbollah possui dezenas de milhares de mísseis, sendo muitos deles capazes de atingir as principais cidades israelenses, como Haifa, Tel Aviv e Jerusalém, além do aeroporto Bem Gurion. Como comparação, o Hamas não tem nenhum. Seu arsenal inclui ainda dezenas de milhares de drones e foguetes. Há dezenas de milhares de reservistas do grupo prontos para combate em caso de invasão, além de milhares de outros em tempo integral, incluindo os das forças especiais conhecidas como Radwan. A maioria lutou na Guerra da Síria contra grupos opositores a Bashar al Assad. A organização conseguiu impedir que o Estado Islâmico e a Al Qaeda, ambos inimigos do grupo xiita. Dentro do sul do Líbano, especula-se que possuam labirintos de túneis, sendo algus que se estendem até o território israelense. Para muitos analistas, é a mais poderosa milícia do planeta.

Quem são os aliados do Hezbollah?

O Irã é o grande apoiador do grupo. Há uma sintonia total entre o regime iraniano, por meio das Guardas Revolucionárias, com o Hezbollah. Quase todas as ações são coordenadas. Seria como se o grupo xiita libanês atuasse como um braço das forças militares iranianas. A organização também é aliada de Bashar al Assad, na Síria, mas não há concordância ideológica. O regime sírio não é xiita e possui um viés secular-arabista. Ideologicamente, são bastante distintos. Ainda assim, Damasco é fundamental para o Irã e o Hezbollah manterem sua frente de batalha contra Israel. Na Guerra da Síria, dificilmente Assad teria vencido sem a ajuda do Hezbollah e do Irã, além da Rússia.

O Hamas é aliado do Hezbollah, apesar de um atrito na Guerra da Síria, quando a organização palestina apoiou os opositores contra Assad. Nos últimos anos, os dois grupos, que são aliados do Irã e inimigos de Israel, voltaram a se aproximar. O Hezbollah mantém alianças ainda com milícias iraquianas e os Houthis, no Iemên.

Qual o apoio ao Hezbollah dentro do Líbano?

Embora seja difícil mensurar, o grupo tem como base de apoio os xiitas libaneses. Os sunitas, cristãos e drusos, em sua maioria, têm adotado uma posição mais crítica ao Hezbollah. Ainda assim, a organização mantém aliança com partidos cristãos como a Movimento pela Liberdade Patriótica, do ex-presidente Michel Aoun, que chegou a ser o mais popular entre os cristãos libaneses. Mas a aliança sempre foi mais política do que ideológica e houve um estremecimento nos últimos tempos. A maioria dos libaneses, embora solidária com a causa palestina, avaliam que o Líbano não deva ser envolvido em um conflito contra Israel.

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