Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

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Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

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GERADO EM: 28/07/2024 - 03:30

Exclusão de Atletas Russos nas Olimpíadas: Questões de Justiça e Representação

As Olimpíadas de Paris excluíram atletas russos devido à invasão à Ucrânia, levantando questões sobre a punição coletiva. Comparando com casos dos EUA e outras nações, questiona-se a justiça da exclusão, destacando a representação dos atletas em relação aos governos. O artigo destaca a complexidade e inconsistência nas decisões olímpicas, defendendo a participação dos atletas russos como representantes do país, não do governo.

Um ano depois de invadirem o Iraque, em uma guerra que resultou na morte de centenas de milhares de civis iraquianos, os EUA conquistaram o maior número de medalhas nas Olimpíadas de Atenas. Foram 36 de ouro, 39 de prata e 26 de bronze. Não houve impedimento para que atletas como o então jovem Michael Phelps competissem nas provas olímpicas como punição pelas atrocidades cometidas pelas forças norte-americanos. Vinte anos mais tarde, a Rússia é impedida de disputar os Jogos Olímpicos de Paris porque invadiu a Ucrânia. Russos, que talvez até se oponham ao regime de Vladimir Putin, não poderão ter o orgulho de representar sua nação.

A Olimpíada é o momento máximo para qualquer atleta, com raras exceções como no futebol, no qual a Copa do Mundo seria mais importante. Centenas de russos, muitos deles com potencial para conquistar medalhas, não terão a mesma chance de atletas de 206 comitês olímpicos, que representam os países. Nos esportes individuais, russos até possuem a opção de competir com a bandeira do Comitê Olímpico Internacional. Mas, como qualquer atleta de outras partes do mundo, certamente gostariam de ostentar a bandeira russa e, no caso de medalha de ouro, ouvir o hino no alto do pódio.

A Rússia é muito maior do que Vladimir Putin. A Rússia é Dostoiévski, Tolstói, Stravinsky, e milhões de pessoas. Qual a lógica de punir os atletas do país? Alguns podem argumentar que o regime pode usar o esporte como propaganda. Neste caso, deveriam também banir a China, uma ditadura. Caso o problema seja um regime ditatorial, teriam de proibir também atletas de Arábia Saudita, Irã, Cuba, Egito e dezenas de outros lugares onde não há democracia.

O argumento mais forte, no entanto, seria o de que a Rússia invadiu a Ucrânia. Como escrevi acima, os EUA invadiram o Iraque e seguiram disputando Olimpíadas. Vale lembrar que o governo de George W. Bush usou informações falsas. O regime de Saddam Hussein não era aliado da Al Qaeda, responsável pelo 11 de Setembro — era inimigo. Tampouco tinha armas de destruição em massa, como diziam os americanos. Logo, foi uma invasão de uma nação soberana por outra, como o que ocorreu entre Rússia e Ucrânia.

Sim, há a diferença de os EUA não “anexarem” o Iraque, embora o tenham ocupado por cerca de uma década. Mas a Turquia ocupa o Norte do Chipre, onde criou uma república fantoche. Turcos deveriam ser banidos da Olimpíada? Israel anexou as colinas da Golã e ocupa ilegalmente a Cisjordânia, segundo a Corte Internacional de Haia. Israelenses deveriam ser banidos? Há ainda a questão da Guerra de Gaza, onde milhares de civis palestinos foram mortos na resposta de Israel ao atentado terrorista do Hamas. Não podemos esquecer do Azerbaijão, que realizou uma limpeza étnica de armênios da República de Artsakh (Nagorno Karabakh), expulsando mais de 100 mil armênios. Atletas turcos, israelenses e azeris devem ter o direito de disputar os Jogos Olímpicos, cantar seus hinos e hastear suas bandeiras como cidadãos de qualquer outro lugar do mundo. Por esse motivo, atletas russos deveriam estar em Paris como representantes da Rússia.

Um atleta brasileiro não representa o governo Lula, assim como em 2021 não representava Bolsonaro. Representam o Brasil. Um atleta russo, portanto, não representa Putin. Representa a Rússia. A punição aos russos é um caso clássico de dois pesos e duas medidas. Os iraquianos que o digam.

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