Guga Chacra
PUBLICIDADE
Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Informações da coluna

Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 04/08/2024 - 04:00

Debate sobre uso do hijab no esporte: liberdade religiosa em pauta

O direito das atletas em Paris gera debate sobre uso do hijab, destacando a liberdade religiosa nos EUA e laicidade na França. A moda esportiva oferece soluções, mas restrições isolam talentos. A islamofobia cresce na França, enquanto a Turquia teve políticas laicas rígidas. O texto questiona imposições e ressalta a importância do respeito à escolha das atletas.

Mulheres devem ter o direito de se vestir da forma como bem entenderem. Ninguém deve determinar se determinada vestimenta pode ser classificada como correta ou errada. É lamentável, portanto, que atletas francesas sejam proibidas de usar o hijab (véu islâmico para cobrir a cabeça) caso essa seja a opção delas. Assim como é intolerável atletas iranianas e sauditas serem forçadas por suas federações a se cobrirem para agradar regimes radicais religiosos.

A indústria da moda esportiva já desenvolveu há anos vestimentas práticas e seguras para atletas poderem se vestir em acordo com a sua religião. São seguras, não atrapalham o desempenho delas e tampouco o das adversárias. Muitas dessas mulheres, de diferentes países, se sentem apenas à vontade para praticar esportes se puderem ao mesmo tempo respeitar as diretrizes de suas religiões. Para que as impedir? A restrição acaba isolando futuras medalhistas.

Há duas vertentes na forma de lidar com a religião no Ocidente. Uma é a da França, que prega a laicidade, de separar totalmente a religiosidade do Estado. A outra é a dos EUA, onde a Primeira Emenda da Constituição garante a liberdade religiosa. No caso americano, a palavra “Deus” está presente tanto no juramento da bandeira com os dizeres “one nation under god” (uma nação, sob Deus) e na nota de dólar com as palavras “in god we trust” (em Deus, nós acreditamos).

Em teoria, a vertente dos EUA evitaria o preconceito contra seguidores de qualquer determinada religião. Um dos maiores atletas da história americana foi o boxeador Mohammad Ali, convertido ao islamismo. Um dos maiores atletas olímpicos foi o nadador Mark Spitz, um judeu. Ainda assim, houve crescimento da islamofobia no período após o 11 de Setembro e durante o governo de Donald Trump, que pretendia proibir a entrada de muçulmanos no país — as cortes acabaram vetando e um veto a nacionais de países como Irã e Síria, independentemente da religião, foi implementado. Assim como mais recentemente, na Guerra de Gaza, voltou a crescer o antissemitismo, também presente em outros momentos da história dos EUA.

Na França, a islamofobia cresceu nas últimas décadas associada à imigração. Muitos dos imigrantes do país possuem origem em nações de maioria islâmica, como a Argélia. Atletas como Mbappé, Benzema e Zidane são muçulmanos ou filhos de muçulmanos. Quando ganham uma Copa do Mundo ou uma medalha de ouro, poucos questionam a religiosidade deles. Mas partidos franceses, e não apenas os da extrema-direita de Marine Le Pen, passaram a adotar uma agenda antimuçulmana. Isso acabou impactando no esporte, com a exigência do uso do hijab.

O que ocorre na França não é inédito. A Turquia, de maioria islâmica, depois da revolução de Mustafa Kemal Ataturk, nos anos 1920, adotou uma das mais radicais políticas laicas da história. Meninas, por exemplo, passaram a ser proibidas de cobrir a cabeça nas escolas. O livro “Neve”, do Nobel de Literatura Orhan Pamuk, retrata de maneira magistral esse atrito dentro da sociedade turca. Isso mudou com a chegada do conservador religioso Rece Tayyp Erdogan ao poder, no começo do século. Ainda assim, a seleção da Turquia de vôlei feminino, considerada uma das melhores do mundo, não tem nenhuma jogadora de hijab.

Ser muçulmana, portanto, não implica em cobrir a cabeça ou não. As mais religiosas talvez queiram, e esse deve ser um direito delas. É errado ser obrigatório, ditatorial como no Irã, assim como as regras de banimento às atletas na democrática França não são o ideal.

Mais recente Próxima Qual será o próximo passo do Hezbollah?

Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY