Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

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Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por Guga Chacra — Istambul

Quase ninguém dá mais importância à Guerra da Síria. Quando falo ninguém, não me refiro às pessoas e sim às grandes potências internacionais, a começar pelos EUA. Seria como uma novela que já terminou. Os destinos dos personagens ficaram congelados em algum momento cerca de três anos atrás, antes da pandemia. Bashar al Assad permaneceu no poder, a oposição ficou restrita a áreas próximas à fronteira com a Turquia, os curdos foram abandonados e o Estado Islâmico virou uma fração minúscula do que foi anos atrás. A atual novela é a Guerra da Ucrânia, onde uma aliança ocidental se uniu para apoiar os ucranianos contra os ataques da Rússia de Vladimir Putin.

O "capítulo" dos refugiados sírios não provoca mais compaixão. Acabou aquela onda de pessoas cruzando o Mar Mediterrâneo e fronteiras europeias com o objetivo de chegar à Alemanha, um dos raros países europeus a não fechar as portas para os sírios que fugiam de um conflito entre uma ditadura sanguinária e milícias jihadistas. No máximo, alguns se recordam dessa tragédia da humanidade quando assistem ao ótimo filme "As Nadadoras", que relata a história de uma refugiada síria que conseguiu se tornar atleta olímpica.

O drama de outros milhões de refugiados sírios, no entanto, segue insolúvel, embora sem os holofotes de nós da mídia e acima de tudo se autoridades de países que se envolveram no conflito. O ônus de cuidar da imensa maioria dos refugiados recai sobre os três países vizinhos - Turquia, Jordânia e Líbano (Israel não recebeu refugiados, apesar de ter fronteira com a Síria).

Estou em Istambul (Turquia) e passei por Beirute (Líbano) na última semana. Está claro que os libaneses não possuem condições de receber 1,5 milhão de refugiados sírios, segundo números da ONU. Com o impacto do colapso econômico, os efeitos da gigantesca explosão do porto, o impasse para eleger um presidente e para um premier formar o governo, além da falta de eletricidade, fica impossível para o Líbano dar conta dessa quantidade de sírios em uma nação com 6 milhões de habitantes. Nem as nações mais ricas do mundo teriam condições de lidar com esse problema.

A presença dos sírios se soma à de cerca de 500 mil refugiados palestinos. Ambos são alvo de preconceito de uma parcela dos libaneses que avalia ser impossível abrigá-los. Alguns chegam a defender sua expulsão forçada.

Já os palestinos não têm para onde ir e querem ter o direito de poder voltar para as terras nas quais suas famílias viveram por gerações no que hoje é Israel. Sabemos que esse sonho será impossível de ser realizado, ainda mais com o atual governo de ultra direita em Israel - e mesmo administrações israelenses mais moderadas tampouco aceitavam o direito de retorno.

Os sírios, por sua vez, poderiam voltar para a Síria, que ainda se reconstrói da Guerra Civil. Mas o país está numa situação ainda pior do que a do Líbano e muitos refugiados temem retornar.

Os EUA, que gastam tantos bilhões com a Ucrânia, deveriam ajudar mais o Líbano. Afinal, durante a administração de Barack Obama, os norte-americanos apoiaram milícias jihadistas na Síria que provocaram em parte o fluxo de refugiados. Ao mesmo tempo, especialmente na administração de Trump, Washington fechou as portas para sírios em busca de asilo.

Infelizmente, os EUA seguem priorizando gastos com guerras em vez de ajudar em temas como o futuro dos refugiados.

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