Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

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Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por Guga Chacra — Nova York

Não haverá paz entre Ucrânia e Rússia no horizonte previsível, independentemente de propostas da China ou mesmo do Brasil. A tendência é de os dois seguirem inimigos por anos, sem solução para a guerra. O resultado final, no longo prazo, tende a ser um armistício que sucederá um cessar-fogo. Esse acordo tende a ficar vigente por anos ou décadas, com a Rússia controlando partes do território ucraniano, apesar de os EUA gastarem dezenas de bilhões de dólares em armamentos para Kiev. O exemplo mais próximo para o futuro desse conflito seria o de Chipre, uma nação de maioria étnica grega com 40% do país ocupado pela Turquia, integrante da Otan, e seus aliados cipriotas turcos.

Muitos avaliam o cenário na Ucrânia como “excepcional”, sem nenhum paralelo no mundo. Sem dúvida, tem o diferencial de o país invasor ser a Rússia, uma das duas maiores potências nucleares do planeta ao lado dos EUA, o que reduz ainda mais a possibilidade de vitória da nação invadida. Há, no entanto, uma série de conflitos por territórios nos diferentes continentes que nunca foram solucionados. Alguns ainda estão em andamento, como o entre Armênia e Azerbaijão por Nagorno Karabakh. Outros ficaram congelados, embora sem resolução, como os de Chipre e das Colinas do Golã, um território sírio ocupado e posteriormente anexado por Israel em ação considerada ilegal pela comunidade internacional.

O caso ucraniano lembra mais o de Chipre do que o de Golã. Após ficar independente dos britânicos em 1960, o país tinha cerca de 80% da sua população etnicamente grega e 20% etnicamente turca. Havia na época um sentimento entre parte dos gregos para que a ilha mediterrânea fizesse parte da Grécia. A Turquia, temendo essa união, invadiu militarmente Chipre em 1974 e conseguiu conquistar cerca de dois quintos do território cipriota, incluindo Famagusta, principal porto do país, e metade de Nicósia, a capital.

O lado “grego” da ilha passou a ser integrante da União Europeia em 2004, mas não da Otan por objeção justamente de Ancara. Nenhuma nação do mundo, com a exceção da Turquia, reconhece o lado “turco” da ilha como independente com o nome de “República do Norte de Chipre”. Quando visitei Chipre anos atrás, cruzei pela Rua Ledra a famosa muralha que divide os dois lados. As diferenças são abissais, com a parte grega sendo bem mais desenvolvida do que a turca. Ao longo das décadas, uma série de iniciativas foi levada adiante para um acordo de paz. Ainda há tropas da ONU na divisa para tentar manter a estabilidade.

Na Ucrânia, apesar das dezenas de bilhões de dólares gastos por EUA e seus aliados ocidentais no apoio às forças ucranianas, a Rússia dificilmente sofrerá uma derrota total. Partes do país, especialmente áreas de maioria étnica russa, tendem a ficar sob controle de Moscou, assim como o Chipre turco na prática é da Turquia. Essas áreas tendem a empobrecer pelo isolamento. Já o lado ucraniano que ficar nas mãos de Kiev deve receber fortes investimentos estrangeiros e enriquecer. Não integrará a Otan, mas deve fazer parte no longo prazo da UE.

A única alternativa a esse cenário seria uma queda do presidente russo, Vladimir Putin, e a entrada em seu lugar de um governo mais em sintonia com o Ocidente, embora não haja nenhuma evidência de que isso vá ocorrer. Portanto, sabemos que no fim terá um armistício. Poderia ser agora ou pode ser no futuro, com mais milhares de mortos.

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