Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

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Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por Guga Chacra

Existe uma certa confusão sobre a relação do Hamas com o Hezbollah e isso ficou claro na última semana quando facções palestinas lançaram foguetes contra o Norte israelense a partir do Líbano. Os dois grupos, embora tenham Israel como inimigo comum, são extremamente diferentes na forma de agir e na maneira como foram formados. Há ainda uma enorme disparidade no poderio militar, com a organização libanesa sendo incomparavelmente mais poderosa do que a Palestina.

Começamos pela origem dos dois grupos. O Hamas é palestino e possui um viés sunita, tendo sua origem na Irmandade Muçulmana nos anos 1980. Já o Hezbollah é libanês, de viés xiita, e surgiu durante a ocupação israelense do Sul do Líbano nos anos 1980 e 1990.

Ambos possuem relações com o Irã. Mas o Hezbollah, por ser xiita como o regime iraniano, possui uma proximidade muito maior. Basicamente, o grupo xiita libanês atua como um braço das forças iranianas. Foi o Irã que ajudou a criar a organização nos anos 1980 para combater os israelenses e seus aliados libaneses no Sul do Líbano.

Já o Hamas, embora receba apoio de Teerã, possui uma relação mais conturbada com os iranianos. Na Guerra da Síria, por exemplo, houve um rompimento quando o grupo palestino optou por apoiar a oposição e não defender a ditadura de Bashar al-Assad, um aliado do Irã. Nos últimos anos, a ferida nas relações cicatrizou, mas ainda há divergências.

Uma outra diferença entre o Hamas e o Hezbollah está na forma de agir contra Israel. O grupo palestino usou muito nos anos 1990 e durante a Segunda Intifada deste século os atentados terroristas suicidas. A organização libanesa, por sua vez, deixou de usar esta tática nos anos 1990. Optou por formar uma milícia ultra bem armada. O Hamas, nos últimos anos, passou a tentar seguir a mesma linha, sem obter sucesso.

O Hezbollah possui dezenas de milhares de mísseis capazes de destruir prédios inteiros em Tel Aviv, Haifa e praticamente todo o território israelense. Seus militantes são extremamente bem treinados. Muitos deles lutaram e venceram a Al Qaeda, o Grupo Estado Islâmico e outras organizações opositoras da Síria durante a guerra no país vizinho, quando lutaram ao lado de Assad. O Hamas, por sua vez, possui foguetes bem menos letais do que os do grupo xiita libanês e seus membros não desfrutam da mesma experiência em combate.

O Hezbollah faz parte da sociedade libanesa. Seus membros são libaneses. O grupo possui um braço político, com membros no Parlamento e no Ministério em Beirute. São aliados de outros grupos xiitas, como a mais secular Amal, e de alguns grupos cristãos, como a Frente Patriótica Nacional, embora a relação entre ambos tenha se deteriorado. O foco da organização neste momento está em tentar emplacar algum aliado como presidente do Líbano – o cargo é sempre ocupado por um cristão maronita, uma religião de rito siríaco em comunhão com o Vaticano e majoritária entre cristãos libaneses.

Como os seus membros são cidadãos libaneses, o Hezbollah precisa levar em consideração o contexto interno do país. A população do Líbano, quase em sua totalidade, não quer uma guerra contra Israel, ainda que muitos tenham uma imagem péssima dos israelenses devido às invasões e aos bombardeios no passado. O governo do Líbano assim como as Forças Armadas sabem que o país seria devastado em um conflito, assim como em 2006.

A imagem do Hezbollah é positiva apenas entre os xiitas no Líbano. A maioria dos sunitas, cristãos e drusos libaneses têm aversão ao grupo, que algumas vezes parece adotar uma visão supremacista xiita ao mesmo tempo que aceita a divisão sectária do país dos cedros. Certamente, culpariam a organização no caso de uma guerra contra Israel.

Já o Hamas controla a Faixa de Gaza, que não é um país. Trata-se de um território minúsculo cercado por terra por Israel e Egito. O espaço aéreo e marítimo também está sob controle israelense. O grupo possui células na Cisjordânia, um território ocupado por Israel, mas com áreas autônomas governadas pela Autoridade Nacional Palestina, liderada pelo Fatah, uma entidade mais laica e rival do Hamas.

Israel sabe dessas diferenças e, por esse motivo, adota uma cautela muito maior em relação ao Hezbollah. Sabe que uma guerra contra a organização libanesa seria incomparavelmente mais difícil do que as contra o Hamas. Um novo conflito entre israelenses e os xiitas libaneses, se ocorrer, será devastador para os dois lados. Já uma nova guerra contra os palestinos praticamente não alteraria em nada o status quo.

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