Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

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Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por Guga Chacra — Nova York

Setecentas pessoas, incluindo centenas de mulheres e crianças, deixaram a Síria, a Palestina, o Paquistão, o Egito e alguns outros países com o sonho de ir para a Europa em busca de uma vida melhor. Não deve ter sido uma decisão simples de se tomar. São pessoas que partiram para sempre, sem perspectiva de volta. Um cenário incomparavelmente mais difícil do que o de um expatriado que se muda de São Paulo para Chicago para trabalhar em uma multinacional, podendo voltar ao Brasil quando quiser. Esses imigrantes disseram adeus a seus amigos, a seus pais, às ruas das cidades e vilas onde cresceram em uma ruptura que pode ser eterna. Por mais que amassem Karachi, Aleppo, Nablus e o Cairo, não viam um futuro para eles e seus filhos. Chegaram à conclusão de que precisavam partir.

O objetivo desses sírios, egípcios, paquistaneses e palestinos era chegar à Europa. Não ao lugar apenas, mas a uma construção imaginária de uma vida que pode ser melhor, apesar de todos os obstáculos. Venderam suas casas e todos os seus pertences. Levaram apenas a mochila com algumas roupas, fotos e lembranças de quem ficou para trás. Quase todo o dinheiro que receberam foi para os "coiotes" responsáveis por organizar a travessia do Mediterrâneo. Para a etapa final da viagem, essas centenas de pessoas se reuniram em uma praia em Tobruk, na costa da Líbia, uma nação devastada pela guerra civil. Essa cidade fica, em linha reta, a cerca de 360km de Creta, na Grécia.

A multidão de imigrantes, carregando seus sonhos, seus filhos e suas mochilas, teve de embarcar em um barco de pesca de menos de 30 metros. Muitos deles foram confinados ao porão. Não havia comida e tampouco água suficientes. Acesso ao banheiro era na prática inexistente. Partiram no dia 10 de junho. Menos de duas semanas atrás. O destino seria a Itália. Quatro dias mais tarde, no entanto, centenas deles morreram quando estavam perto da costa da Grécia. Famílias inteiras. Pais, mães e filhos perderam a vida afogados. Alguns poucos se salvaram. Muitos questionam se a Guarda Costeira grega poderia ter feito mais. Talvez. O certo é que o governo em Atenas, assim como o de Roma, adota uma postura claramente anti-imigrante, que em alguns momentos chega a ser xenófoba.

É irônico que a Grécia e a Itália tenham se voltado tanto contra imigrantes. Um século atrás, eram italianos e gregos que imigravam para a América em busca de uma vida melhor. Basta ver São Paulo, com seus milhões de netos, bisnetos e tataranetos de pessoas que deixaram a Itália, cruzaram o Mediterrâneo e o Atlântico até chegarem ao porto de Santos. Assim como muitos leitores, tenho avós e bisavós que fizeram esse trajeto vindos da Itália e também do Líbano.

Costumamos associar o Mediterrâneo a praias lindas em Maiorca, na Costa Amalfitana, na Sardenha, nas Ilhas Gregas e no litoral da Turquia. Lembramos também das história de povos como os romanos, os gregos, os cartagineses (atual Tunísia) e os fenícios (atual Líbano) e de cidades como Nápoles, Alexandria, Barcelona, Beirute, Marselha, Izmir, Salônica, Tânger, Valência, Argel e Nice. Ficamos encantados.

Infelizmente, porém, nos dias de hoje, o Mediterrâneo virou um cemitério de imigrantes. Ao todo, cerca de três mil morrem todos os anos. Os barcos, como o Adriana, que afundou na costa da Grécia, caem no esquecimento. Jamais suas vítimas serão lembradas como as do Titanic.

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