Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

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Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por Guga Chacra — Nova York

O discurso de Joe Biden no encerramento da cúpula da Otan deixou mais uma vez claro que, na geopolítica, as posições dos países são tomadas em função do algoz e não das vítimas. Todo o suporte que a aliança ocidental dá a Volodymyr Zelensky ocorre porque a Rússia é a nação invasora, e não porque a Ucrânia é o país invadido. Não há nenhum sentimento especial em relação aos ucranianos, vítimas de uma força invasora assim como outros povos no mundo que não desfrutam de quase nenhum apoio. Assim como a falta de solidariedade com Kiev em nações de América Latina, África e Oriente Médio se deve ao fato de enxergarem os EUA, em vez da Rússia, como uma nação imperialista. Logo, o sentimento antiamericano leva alguns governos a serem mais indiferentes à agressão russa aos ucranianos.

Peguemos um exemplo do discurso de Biden ontem na Lituânia. O presidente dos EUA disse defender a integridade territorial da Ucrânia e acrescentou que jamais aceitará a anexação da Crimeia pela Rússia. Seu posicionamento, no caso, está em sintonia com a legislação internacional e a Carta da ONU. Chama a atenção, porém, que o presidente dos EUA usa esse argumento no caso dos territórios ucranianos, mas não no de alguns outros. Ao assumir o poder, o líder americano não reverteu a decisão de Donald Trump de reconhecer a anexação ilegal por Israel das Colinas do Golã, que são um território da Síria. Da mesma forma, Biden jamais questionou Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, sobre a ocupação ilegal turca de Chipre há mais de 50 anos. Por último, o atual ocupante da Casa Branca defendeu a invasão do Iraque quando era senador e chegou a propor a divisão do país em três Estados.

Quais as diferenças entre esses casos? O algoz. Israel e Turquia são aliados dos EUA. Já a Rússia é inimiga. Alguns poderão argumentar que os israelenses conquistaram o Golã em uma guerra de defesa, e a Turquia agiu porque os gregos teriam interferido antes em Chipre. Mas Vladimir Putin usa argumentos similares no caso da Crimeia e do Leste da Ucrânia ao dizer que se defendia da Otan e alegar que os EUA interferiram na Ucrânia em 2014 quando um aliado de Moscou foi deposto. Ainda que haja diferenças, o norte de Chipre deveria ser território cipriota, assim como o Golã deveria estar nas mãos da Síria, e a Crimeia, com a Ucrânia (no caso do Iraque, já há um consenso de a invasão ter sido realizada com base em mentiras e a proposta de Biden sempre foi vista como motivo de chacota).

Podemos pegar um outro conflito em andamento. O Azerbaijão cortou nesta semana a conexão da Armênia com Nagorno-Karabakh, um enclave armênio dentro do território azeri. Houve comoção dos governos europeus? Não. As principais nações da Europa simplesmente ignoram o sofrimento da população armênia nas mãos do Azerbaijão. Afinal, compram petróleo dos azeris, fundamental em um momento de embargo ao petróleo russo.

O inverso também ocorre. Vemos inúmeras condenações de países da América Latina, África e Oriente Médio a ações israelenses contra os palestinos. O tom costuma muitas vezes ser mais duro do que o usado em condenações à invasão russa. Por quê? Porque Israel muitas vezes é visto como uma espécie de um braço do imperialismo americano, mas a Rússia não. Países de maioria islâmica também costumam condenar muito mais islamofobia na Europa do que as atrocidades cometidas pela China contra minorias muçulmanas como os uigures. Mais uma vez, o que importa é o algoz, não a vítima.

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