Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Informações da coluna

Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por — Nova York

Além da credencial do Ministério da Informação libanês, precisamos de autorização do Hezbollah para realizar reportagens em áreas controladas pela organização no Líbano — como milícias no Rio de Janeiro. Peguei a minha no centro de imprensa do grupo em um prédio em Dahieh, como é chamada a região de maioria xiita no Sul de Beirute. No dia seguinte, visitei a antiga prisão de Khiam, usada por Israel e aliados cristãos libaneses para prender membros do Hezbollah durante a ocupação israelense do Sul do Líbano, que durou de 1982 até o ano 2000. Dois membros da organização, fluentes em português por terem morado no Brasil, me receberam. Um deles estava com a camisa do Corinthians e fez brincadeiras comigo quando afirmei ser torcedor do Palmeiras. Disse que "palmeirense é pior do que israelense".

O fato de eles integrarem o Hezbollah e terem morado no Brasil não significa que os xiitas brasileiros ou libaneses façam parte do grupo. Alguns podem até ter parentes ou amigos, mas é difícil generalizar. Além disso, há milhões de libaneses e descendentes no Brasil das mais variadas religiões. Eu mesmo possuo cidadania libanesa por ser neto de libaneses de origem cristã greco-ortodoxa.

Há uma vila sunita chamada Sultan Yaqoub no Vale do Beqaa onde a língua oficial é o português — o Luciano Huck já fez reportagem ao visitar o vilarejo, de onde muitos libaneses imigraram para São Bernardo do Campo. Lembro que o Hezbollah no Líbano enfrenta enorme oposição de cristãos, sunitas e drusos. Mesmo muitos xiitas se opõem a uma nova guerra contra Israel, ainda que a maioria dos libaneses, de todas as religiões, sejam solidários aos palestinos e críticos de Israel.

Mais importante: faz parte do modus operandi do Hezbollah um atentado como o que supostamente estaria sendo planejado no Brasil? Primeiro, é importante frisar que o Hezbollah nunca assumiu um atentado terrorista. Diferentemente do Hamas, não há históricos de uso de homens-bomba fora do contexto de guerra civil no Líbano, e ainda assim nos anos 1980.

O grupo é acusado de, antes mesmo de adotar o atual nome, ter cometido o atentado contra os fuzileiros navais dos EUA em Beirute e a explosão da embaixada americana na capital libanesa — ambos há cerca de quatro décadas. Também é acusado de um ataque contra israelenses na Bulgária e contra Rafik Hariri, que havia sido premier e se opunha ao Hezbollah, em um atentado em 2005 em Beirute. O que teria mais similaridade com um possível atentado no Brasil são os ataques de que o Hezbollah é acusado de ter cometido na Argentina contra a embaixada israelense em 1992 e contra a Amia (entidade judaica) em 1994.

Faria sentido para o grupo um atentado no Brasil agora? O Irã, que o apoia, certamente não teria interesse em prejudicar as relações com o governo Lula e o Hezbollah não bateria de frente com Teerã. Não existe a menor possibilidade de o grupo xiita que atua no Líbano realizar um ataque terrorista dessa magnitude no Brasil sem o aval do regime iraniano. Não temos, no entanto, como cravar nada sem saber dos detalhes da investigação da PF, que teve como base informações da Mossad, o serviço secreto de Israel, que é inimigo do Hezbollah e do Irã.

O risco de ações antissemitas certamente é gigantesco em todo o mundo neste momento, seja ligado ao Hezbollah ou não. Se for mesmo ligado ao grupo xiita do Líbano, tenham certeza de que o Irã estaria envolvido. Neste caso, o Brasil precisaria rever suas relações com o regime de Teerã, afinal os iranianos estariam dispostos a atacar o território brasileiro e entidades judaicas brasileiras. Não existe meio termo no caso. Agora, resta à PF apurar as informações para verificar este episódio.

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