Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Informações da coluna

Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por — Nova York

Costumo visitar sempre o Sul do Líbano quando viajo a Beirute. Alguns libaneses, porém, me questionam sobre o que farei naquela região, vista como perigosa, com tantas atrações em outras partes mais seguras do país. Para eles, é como um estrangeiro ir a uma área controlada por milícias no Rio de Janeiro em vez de ir a Ipanema. Jornalistas precisam de uma autorização do Exército libanês para ir a essa área. Recomenda-se também pegar permissão do Hezbollah, caso vá realizar reportagens. Como turista, não há essa necessidade.

A autorização do Hezbollah costuma ser concedida no escritório de imprensa do grupo, localizado em Dahieh, o subúrbio ao sul de Beirute. Os fixers, como são chamados os profissionais que auxiliam o trabalho de jornalistas estrangeiros, sabem onde fica. Munido dessas duas autorizações, basta seguir em direção ao mítico Sul do Líbano, ou Janoub Lubnan, como se diz no dialeto levantino derivado do árabe.

Quando o Líbano foi formado no mandato francês, o coração do país seria o Monte Líbano, como são chamadas as montanhas atrás de Beirute e no Norte do país, de população majoritariamente cristã maronita. Mas o território foi ampliado para incorporar também as cidades levantinas do litoral como Beirute, Sídon e Trípoli, de maioria cristã greco-ortodoxa e muçulmana sunita, além de minorias judaica e armênia; o multirreligioso Vale do Beqaa, importante por ser a área mais fértil da região; e o Sul, de população predominantemente xiita, que se estendia até a fronteira dos mandatos francês e britânico, onde seria criado o Estado de Israel.

Por décadas, o Sul foi ignorado pelas elites cristãs e sunitas que dominavam o poder em Beirute. A partir dessa região, grupos palestinos formados por refugiados começaram a combater Israel. No início dos anos 1980, as forças israelenses invadiram o Líbano e chegaram inclusive a ocupar Beirute em 1982. Depois, recuaram e se concentraram no Sul. Na época, não existia o Hezbollah. O grupo surgiu por três motivos: a marginalização dos xiitas na sociedade libanesa (algo que também deu origem à Amal, outro grupo xiita); Revolução Islâmica do Irã, com um regime que decidiu formar uma milícia entre os xiitas libaneses; a ocupação israelense em uma aliança com grupos nacionalistas cristãos.

Foram cerca de 20 anos de combate até Israel sair em 2000. A retirada israelense, não negociada com o Líbano, foi vista como uma vitória do Hezbollah. Com a ausência por décadas do Estado libanês na região, o grupo xiita formou quase um Estado paralelo no Sul. As bandeiras amarelas do grupo são mais comuns do que a do cedro do Líbano nessa região. Houve outra guerra em 2006 entre Israel e Hezbollah, mas o cenário persistiu o mesmo. Hoje, o Hezbollah tem mais poder do que o Exército do Líbano e, mais uma vez, há combates abertos entre a organização e Israel na fronteira. O temor desde o atentado terrorista do Hamas e a eclosão da guerra em Gaza é que o conflito se expanda para outras áreas dos territórios israelense e libanês, como Tel Aviv e Beirute, em uma guerra de proporções gigantescas. EUA, França e outros atores fazem o possível para evitar.

Vamos torcer para prevalecer a paz. Tive o privilégio de ver essa fronteira pelos dois lados e sonho com um dia poder atravessar de carro do Líbano a Israel numa viagem de Beirute a Tel Aviv, quem sabe indo depois visitar o Estado palestino na Cisjordânia e Gaza. Aliás, mais uma vez, é urgente um cessar-fogo em Gaza que automaticamente acalmaria a fronteira Israel- Líbano.

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