Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Informações da coluna

Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por — Nova York

Há 20 anos, a ONU aprovou uma operação para pacificar o Haiti. O objetivo era tentar evitar uma guerra civil no país em meio à explosão da violência e conflitos políticos. O Brasil comandou a ampla missão, conhecida como Minustah, envolvendo milhares de militares de todos os continentes.

Para marcar a chegada das tropas em 2004, no que era para ser um novo capítulo da história dessa nação caribenha, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então em seu primeiro mandato, organizou um amistoso da seleção brasileira pentacampeã contra a seleção haitiana em Porto Príncipe. Mesmo sendo goleados por 6 a 0, os haitianos celebraram a oportunidade de verem em campo estrelas como Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Roberto Carlos.

Nestas duas décadas, o Haiti passou por furações, o mais letal terremoto do século em todo o planeta, uma epidemia de cólera e hoje se transformou numa anarquia total, sem governo e com suas ruas dominadas por gangues que possuem como principal líder uma figura apelidada de Barbecue. O enfraquecido premier Ariel Henry, que sequer conseguia retornar ao país depois de viagem para o Quênia, renunciou ao cargo. Nenhuma solução será simples neste momento. Basicamente, está pior do que duas décadas atrás.

Líderes da América Latina e do Caribe até se mobilizaram nos últimos dias, mas muito aquém do necessário para o momento. Os Estados Unidos seguem incomparavelmente mais preocupados com a Guerra da Ucrânia, a Guerra em Gaza e a rivalidade com a China. A ajuda humanitária para os haitianos é 0,1% da destinada pelo governo de Joe Biden para a Ucrânia e menos de 1% do apoio militar concedido a Israel. O único medo de Washington é uma nova onda imigratória de haitianos.

Lula, que poderia ser um líder natural na questão pelo seu histórico e do Brasil no país, preferiu se distanciar desta vez. Adora dar opiniões sobre Gaza e Ucrânia, mas pouco se envolve quando o tema é o Haiti. Optou por não integrar a nova missão de pacificação do país, que, em teoria, será comandada pelo Quênia. Tampouco dá para cravar que uma nova missão seria um sucesso diante de acusações de crimes contra os direitos humanos cometidos por integrantes da Minustah, incluindo massacres, além de terem sido responsáveis pela epidemia de cólera.

E ainda que Biden e Lula estivessem dispostos realmente a ajudar o Haiti, talvez fosse tardiamente e insuficiente para salvar o país, que já vive em cenário de anarquia. Não há ninguém eleito no comando da nação. Barbecue, que controla 80% da capital, quer integrar um conselho de transição proposto pela Comunidade do Caribe (Caricom) e por Washington com sete membros de peso político nacional. O traficante Guy Philippe, que cumpriu pena por tráfico de drogas nos EUA em 2016, e tentou dar um golpe de Estado no Haiti em 2004, emerge como uma alternativa, para se ter uma ideia da gravidade da situação.

Estive duas vezes no Haiti. Uma delas para cobrir o terremoto e outra para cobrir uma eleição e a epidemia de cólera. Apesar do charme e da forte cultura local, é a nação mais empobrecida que visitei, incluindo Gaza depois da guerra em 2009 — claro que o cenário no território palestino é muito pior atualmente. Mas mesmo Honduras, Iêmen e Síria não chegam perto do caos no Haiti. Triste o passado, o presente e futuro de Porto Príncipe.

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