Janaína Figueiredo
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Janaína Figueiredo

Foi correspondente do GLOBO em Buenos Aires e desde 2019 é repórter especial.

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Janaína Figueiredo

Colaborou com a GloboNews, CBN e La Nación. Foi correspondente do GLOBO em Buenos Aires e hoje é repórter especial. Escreveu o livro “Qué pasa, Argentina?”

Por — Buenos Aires

Na campanha eleitoral, empresas de consultoria argentinas realizaram pesquisas qualitativas sobre a visão dos eleitores sobre os candidatos que disputavam a Presidência. Em várias delas, comentou um pesquisador, eleitores diziam apoiar o então candidato da ultradireita, Javier Milei, porque era necessário eleger um presidente que, literalmente, explodisse o país. Em bom português, que pusesse fogo no parquinho. Milei era, sem dúvida, esse candidato.

Desde que se tornou uma celebridade na TV local, há alguns anos, o economista sempre disse o que faria se fosse presidente. Milei chegou a destruir um boneco em forma de Banco Central, como se fosse uma criança numa festa de aniversário. Na época, os apresentadores de TV argentinos festejavam o que consideravam excentricidades de um economista que ajudava seus programas a elevarem a audiência.

Pois bem, esse mesmo economista foi eleito presidente com 55% dos votos e uma vantagem de mais de dez pontos percentuais em relação a seu adversário, o peronista Sergio Massa. Com o apoio dos que queriam, em muitos casos, explodir o país porque, diziam alguns eleitores nas pesquisas, do jeito que estava não dava mais, o economista de cabelo bagunçado e personalidade esquentada conseguiu ser o primeiro outsider a chegar ao poder na Argentina.

Esses 55% dos eleitores argentinos votaram num candidato que prometeu mudanças radicais e, no final do caminho, voltar a pôr a Argentina na lista dos países mais prósperos do mundo, como foi no início do século passado. Milei nunca escondeu que esse caminho seria longo — chegou a mencionar prazos de até 35 anos — e estaria cheio de espinhos. Na hora de votar, os argentinos não pensaram nos espinhos, apenas no último capítulo de uma história que está apenas começando.

Depois do anúncio do megadecreto na noite de quarta-feira, milhares de pessoas foram às ruas de Buenos Aires e outras cidades para repudiar as políticas de ajuste e as reformas que pretendem refundar a Argentina. Algumas dessas pessoas votaram em Milei e, menos de duas semanas após a posse, admitem apreensão pelo impacto do “decretaço”.

Faixa de 'vende-se' no Congresso da Argentina — Foto: Luis Robayo/AFP
Faixa de 'vende-se' no Congresso da Argentina — Foto: Luis Robayo/AFP

Os argentinos tiveram um choque de realidade: explodir o país e dar uma guinada de 180 graus vai custar caro, principalmente para os setores de menores recursos. Como dizia um cartaz nos panelaços de quarta, “a casta (em referência ao ataque de Milei aos políticos) era o povo”. O motorista de Uber Norbeto González explica que votar em Milei era a única alternativa para os que acreditavam e continuam acreditando que o peronismo e o kirchnerismo se esgotaram como alternativa para tirar o país do buraco. O problema, admite González, é que a opção por Milei implica enormes sacrifícios, num país no qual as classes média e média baixa vivem aos trancos em barrancos há 80 anos.

Numa região na qual a média de popularidade dos presidentes ronda 30%, segundo dados da Latinobarómetro, a grande dúvida das empresas de consultoria é por quanto tempo Milei preservará o capital político que conseguiu nas urnas — até agora o único que tem. O choque de realidade chegou rápido, e os resultados do decretaço e de tudo o que Milei ainda não anunciou vão demorar. A história argentina ensina que sua sociedade carece de tolerância, característica que complicará os planos de Milei.

O presidente fez uma aposta ousada, talvez a única que podia fazer, afinal, para isso foi eleito. A questão é se a Argentina estava pronta para ter um presidente como Milei.

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