Quando o general Vladimir Padrino López, ministro da Defesa do governo de Nicolás Maduro, afirmou, no domingo, que “podemos dizer, antes mesmos de conhecer os resultados, que o povo da Venezuela se levantou com força e contundência para rejeitar e exigir o fim das sanções criminais contra a Venezuela”, ficou claro que o chavismo — uma aliança cívico-militar desde sua origem — estava disposto a se isolar ainda mais e, se fosse necessário, recrudescer a repressão a seus opositores para defender o resultado divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Em meio a denúncias de fraude pela oposição e o pedido de governos estrangeiros de que o resultado seja confirmado com a divulgação das atas eleitorais, Maduro se apoiou na cúpula militar.
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Estava assistindo o discurso de Padrino ao vivo em Caracas, e minutos depois recebi a mensagem de um amigo venezuelano me alertando sobre o que poderia estar por vir. “Preste atenção em Padrino López, a partir de hoje ele terá ainda mais poder, porque sem ele Maduro estaria perdido”, ele escreveu.
Quem acompanha a Venezuela desde a eleição de Hugo Chávez, em 1998, sabe da importância do fator militar na política local. Em abril de 2002, uma ala da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) apoiou o golpe contra Hugo Chávez e, dois dias depois, um levante de soldados de baixa patente, apoiado por um grupo de generais, levou o líder de volta ao poder.
Um desses generais era Raúl Baduel, que chefiava o quartel de Maracay, a 120 quilômetros de Caracas. Em minha segunda viagem ao país, em dezembro de 2002 (a primeira foi para cobrir o golpe de abril daquele ano), fui até Maracay conversar com Baduel.
Ouvi de sua boca que “todos os dias me ligam para dar um golpe contra Chávez”. Quem ligava? Muitos dos que participaram do golpe de abril, setores do poder econômico, opositores dentro e fora do chavismo. Baduel, que era padrinho da filha mais nova de Chávez, nunca cedeu, virou ministro da Defesa, e quando se atreveu a fazer questionamentos ao governo caiu em desgraça. Acabou morrendo na prisão, em 2021, por complicações de Covid-19.
Em 30 de abril de 2019, o então presidente autoproclamado Juan Guaidó surpreendeu o mundo aparecendo na base militar de La Carlota, em Caracas, ao lado de alguns militares e do líder opositor Leopoldo López, que, com a ajuda de aliados nas forças de segurança, escapou da prisão de Ramo Verde, onde estava detido desde 2014. “O fim definitivo da usurpação [do poder] começou hoje. Hoje, as Forças Armadas estão claramente do lado da Constituição”. Mais uma vez, saí correndo para Caracas.
Quando cheguei, a tentativa de tirar Maduro do poder fora sufocada, López estava asilado numa embaixada e Guaidó atuando na clandestinidade. O acordo dos opositores com uma ala da FANB era frágil. Segundo analistas, “muitos disseram que estavam do lado da oposição, mas, no fundo, estavam especulando”. No final, optaram por Maduro.
Tudo o que estamos vendo após a eleição não provocará uma mudança política no país sem o aval da cúpula militar. E Padrino López continua do lado de Maduro. Isso pode mudar? Pode. Governos autoritários caem, a História está aí para provar. Mas é impossível saber se o chavismo está num declínio final, ou se ainda teremos chavismo por um tempo. Podemos falar em atas, verificação, resoluções e comunicados. Mas, a todo momento, olhemos para os quartéis. De lá, sem dúvida, sairá a palavra final.