Malu Gaspar
PUBLICIDADE
Malu Gaspar

Análises e informações exclusivas sobre política e economia

Informações da coluna

Por Rafael Moraes Moura — Brasília

Um levantamento feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a partir de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) e análise de imagens de satélite levou os procuradores a constatar que 58% do ouro extraído de garimpos do Brasil entre 2019 e o primeiro semestre de 2022 possuem indícios de irregularidades.

Os dados constam de uma nota técnica do Ministério do Meio Ambiente enviada pelo governo Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramitam duas ações que contestam uma lei considerada por ambientalistas determinante para o avanço do garimpo ilegal na Amazônia.

O governo Lula menciona números de um estudo que focou o período do governo Bolsonaro, ainda que os efeitos nocivos da legislação tenham começado bem antes, já na gestão Dilma Rousseff.

Ao acionar o Supremo, o PV, o PSB e a Rede contestam o artigo da lei embutido por uma emenda do deputado petista Odair Cunha (MG), que trata da presunção de “boa-fé” na compra do ouro.

Sancionada por Dilma em julho de 2013, a lei 12.844, de 2013, trata do seguro agrícola – e é considerada por ambientalistas como um fator determinante para o avanço do garimpo ilegal e estimular invasões a terras indígenas, além de ajudar a “esquentar” o minério ilegal.

A questão veio à tona recentemente com a crise humanitária que assola o Território Yanomami, onde a população sofre com fome, desnutrição, malária – e com a ação violenta de garimpeiros ilegais.

Os dados colhidos pelos procuradores da República e pelos pesquisadores da UFMG demonstraram o tamanho do problema. Ao todo, foram produzidas 96 toneladas de ouro nesse período – o equivalente a cerca de R$ 2,95 trilhões, segundo a cotação atual do mercado –, que, de acordo com o levantamento, possuem dois indícios de irregularidades.

O primeiro foi a prática do “garimpo fantasma”, que fica caracterizada quando não há evidências de exploração mineral no local indicado como origem do ouro.

Nesses casos, a quantidade de ouro oficialmente declarada é considerada ilegal devido à possibilidade de falseamento da indicação da origem com o objetivo de “esquentar” o ouro obtido a partir de uma extração ilegal.

Cerca de 15% da produção garimpeira nesse período, ou 14,6 toneladas, se enquadra nessa situação.

Aliás, de acordo com uma ferramenta desenvolvida pela Conservation Strategy Fund, em parceria com MPF, o prejuízo causado à amazônia pela produção dessas 14,6 toneladas de ouro extraído ilegalmente é da ordem de R$ 16,8 bilhões, considerando as consequências ambientais com desmatamento, assoreamento dos rios e contaminação por mercúrio.

Uma segunda situação de irregularidade ocorre quando o garimpo identificado nas imagens de satélite extrapola os limites autorizados pela Agência Nacional de Mineração.

Como não é possível afirmar se a quantidade de ouro comercializada foi extraída no interior ou fora desses limites legais, os pesquisadores a consideram como “potencialmente ilegal”.

Foram atribuídos nessa classificação, aproximadamente 41,3 toneladas, ou 43% da produção de ouro dos garimpos nacionais no período analisado.

A nota técnica do Ministério do Meio Ambiente, com os dados alarmantes sobre o garimpo ilegal de ouro no país, vai subsidiar o Supremo na análise dos processos.

Um dos dispositivos da lei diz: “Presumem-se a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente quando as informações prestadas pelo vendedor estiverem devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro”.

Para o PSB e a Rede, ao desobrigar as DTVMs (sigla para Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, empresas autorizadas a adquirirem o minério dos garimpos) de buscar informações sobre o que ocorre nos locais de extração de ouro na Amazônia, para além de aceitar as informações prestadas pelos próprios vendedores, “a norma permite que todo o ouro ilegal oriundo da Amazônia seja escoado com aparência de licitude”.

“A resolução não impõe a essas instituições o dever de verificarem, por exemplo, se nos locais de extração do metal que adquirem há usurpação de áreas públicas e protegidas, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação, violação de direitos humanos, contaminação de rios com mercúrio, crimes, outros ilícitos e irregularidades”, alegam o PSB e a Rede.

O PV também entrou com ação no STF com fundamentação semelhante. Os dois processos estão sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, que não tem prazo para decidir no caso.

Tanto o Ministério do Meio Ambiente quanto o Ministério dos Povos Indígenas enviaram pareceres de suas respectivas equipes jurídicas defendendo a derrubada do dispositivo contestado pelo PV, Rede e PSB no STF.

“Com anterior menção ao povo Yanomami, frise-se a sua atual situação, o estado de crise que é vivenciado, não surgiu de um dia para o outro, os atos ali que perpetuaram nessa calamidade humanitária, são corroborados pela inércia estatal em efetivar políticas de desintrusão e por facilitar, por meio de dispositivos como o ora impugnado, eivado de flagrante inconstitucionalidade, a comercialização do ouro, fato que leva a impulsão de garimpos em territórios indígenas”, alerta o Ministério dos Povos Indígenas.

Mais recente Próxima