Malu Gaspar
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Informações da coluna

Por Rafael Moraes Moura — Brasília

O julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas foi retomado hoje com um longo e surpreendente voto do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, em que diferenciou o usuário de drogas do traficante.

Para confeccionar o voto pela descriminalização da maconha, Alexandre de Moraes ouviu especialistas, pediu acesso a várias pesquisas, analisou o perfil de usuários de drogas (por quantidade de droga apreendida, raça, índice de escolaridade) e fez referência aos resultados obtidos por países que optaram pelo caminho da descriminalização, conforme antecipou a coluna.

Além disso, Moraes analisou dados da Polícia de São Paulo e também recorreu à Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), que reúne pesquisadores das áreas do direito e de estatística, para fundamentar o voto no caso.

O ministro já havia liberado o caso para julgamento em novembro de 2018, mas passou as férias de julho revisando o voto que foi finalmente lido na sessão desta quarta-feira. Até agora, quatro ministros do STF já se manifestaram pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal.

A discussão estava suspensa desde setembro de 2015, quando já tinham sido registrados três votos votos pela descriminalização – do relator, Gilmar Mendes, que votou pela descriminalização do porte das drogas de uma forma geral, e de Edson Fachin e de Luís Roberto Barroso, que limitaram o entendimento para o porte de maconha.

O caso analisado hoje chegou ao Supremo em 2011, quando um homem pego com 3g de maconha em sua cela na cadeia, recorreu ao tribunal para anular a condenação de prestação de dois meses de serviço comunitário, alegando que a lei em vigor ofende o princípio da intimidade e da vida privada.

Como o Supremo deu repercussão geral ao processo, o entendimento valerá para todos os casos semelhantes.

Dados da Associação Brasileira de Jurimetria apontam que, como a lei em vigor desde 2006 no Brasil não distingue usuário de traficante, quem acaba fazendo essa definição são os próprios policiais ao registrar o boletim de ocorrência.

O tema não é novo para Moraes. Em fevereiro de 2017, quando foi indicado para o Supremo pelo então presidente Michel Temer e sabatinado no Senado, Moraes já afirmou que era preciso diferenciar o usuário do traficante, que definiu como "aquele que faz da sua vida essa violência em relação às drogas".

"Nós temos hoje cadeias lotadas, abarrotadas de pequenos traficantes, e os grandes traficantes continuam soltos”, afirmou à época o ministro aos parlamentares.

Poucos meses antes da sabatina, quando ainda era ministro da Justiça de Temer, Moraes se deixou filmar cortando pés de maconha com um facão em uma plantação no Paraguai, durante uma operação conjunta dos dois países.

Na época, ele quis erradicar a maconha na América do Sul — o que chocou especialistas em segurança por ser uma missão tão ambiciosa quanto impossível, já que nem os Estados Unidos conseguiram erradicar o plantio de coca apesar de décadas de guerra às drogas.

Dentro do Supremo, a expectativa é a de que Moraes adote uma nova linha. Ao contrário de Gilmar, que não estabeleceu uma distinção entre o usuário e o traficante, Barroso definiu que seria considerado usuário aquele que tenha até 25 gramas ou seis pés de maconha.

Um estudo da ABJ esmiuçado pelo ministro aponta que, já que a lei sobre drogas em vigor desde 2006 no Brasil não estabelece um limite para distinguir o uso do tráfico, quem faz essa definição são os próprios policiais ao registrar o boletim de ocorrência.

Na capital de São Paulo, aponta a ABJ, a “nova política implicou num aumento de 50% no número de apreensões por tráfico e uma redução significativa no número de apreensões por porte”.

Os policiais da capital costumam considerar tráfico de drogas o porte de 33g de cocaína, 17g de crack e 51,2g de maconha. No interior do Estado, os critérios são mais rigorosos: o porte de 20g de cocaína, 9g de crack e 32,1g de maconha é enquadrado como tráfico de drogas.

Ou seja: uma pessoa com 35g de maconha pode ser considerada usuária de droga na capital, ou traficante no interior de São Paulo, uma assimetria considerada inaceitável por Alexandre de Moraes.

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