Malu Gaspar
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Informações da coluna

Por Rafael Moraes Moura — Brasília

Responsável pela polêmica repactuação do acordo de leniência da J&F, que deu um desconto de R$ 6,8 bilhões na multa a ser paga pelo grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista, o subprocurador-geral da República Ronaldo Albo fez questão de manter o novo acordo sob sigilo ao encaminhá-lo para a Justiça.

As novas cláusulas, obtidas pela equipe da coluna, excluem da compensação por atos de corrupção os fundos de pensão Funcef e Petros, além de BNDES e a Caixa.

Na versão anterior do acordo, os quatro receberiam ao todo R$ 5,75 bilhões. Agora, não terão direito a nenhum centavo. Mas, por causa do sigilo, até agora não haviam sido informados das perdas.

O novo acordo mantém apenas a União como beneficiária do dinheiro das multas. Também prevê o pagamento da primeira parcela já na próxima terça-feira (15). A Caixa, que corre o risco de perder R$ 500 milhões com as novas cláusulas, informou que irá tentar derrubar a repactuação.

Nessa nova versão, o valor total da multa despencou de R$ 10,3 bilhões para R$ 3,53 bilhões, um “desconto” de 65,7%.

Conforme revelou a equipe da coluna, a repactuação promovida por Albo abriu uma crise interna no Ministério Público Federal (MPF) e tem sido contestada pelo procurador da República Carlos Henrique Martins Lima, responsável pelo processo da J&F na primeira instância.

Martins Lima já alertou o juiz federal Antonio Claudio Macedo da Silva, da 10ª Vara Federal Criminal do DF, sobre o “trâmite inusual, para dizer o mínimo, e sigiloso” do caso na 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que analisa casos de combate à corrupção e improbidade administrativa.

Em seu ofício, que tem como objetivo comunicar ao juiz que o novo acordo ainda pode ser revertido, Martins Lima afirma ainda que a repactuação ocorreu à sua revelia e “de todos os demais interessados” nas indenizações.

Só os advogados da J&F acompanharam o julgamento desde o início e tiveram chance de se manifestar. Já BNDES, Funcef, Petros e Caixa ficaram escanteados do debate em torno da repactuação do novo acordo, aponta o procurador.

A J&F contesta os cálculos adotados na multa acertada pelo próprio grupo há seis anos, sob o argumento de que foi usado como referência o faturamento global das empresas do grupo e não o faturamento no Brasil, onde o acordo tem validade legal.

A justificativa é oposta à utilizada nos Estados Unidos para tentar diminuir o valor da multa do acordo de leniência fechado com a SEC, o órgão regulador do mercado de capitais americano. Lá, a J&F conseguiu uma redução porque a multa a ser paga no Brasil já era alta. Nesse caso, portanto, valia o faturamento global.

“Inexiste qualquer fato novo que justifique novo pedido de repactuação”, sustenta Martins Lima. Em seu recurso, o procurador afirma que, para atender os irmãos Batista, Albo passou por cima de uma decisão sua que já tinha negado a repactuação em abril de 2022.

Além disso, atropelou o voto de dois outros subprocuradores que também haviam recusado o pleito da empresa por um placar de 2 x 1 na própria 5ª Câmara.

Depois que o julgamento foi concluído com a derrota da J&F, Albo decidiu anular o voto de um dos subprocuradores que tinham votado contra o pedido da companhia, Alexandre Camanho.

Sua justificativa foi que Camanho não poderia ter votado porque estava de férias quando as discussões sobre o pedido da J&F começaram.

Com um voto a menos e o placar empatado, Albo resolveu que deveria prevalecer o seu entendimento como presidente da Câmara e deu por conta própria o desconto de R$ 6,8 bilhões de reais para o grupo dos irmãos Batista.

“O assunto sequer poderia ser rediscutido na Câmara, e ainda menos sob sigilo. Quando Albo, solicitado pela empresa, chama para si a solução do assunto, já não o faz com base na lei. É um caso clássico de sigilo contra o interesse público”, aponta um integrante da PGR ouvido reservadamente pela equipe da coluna.

Em 25 de maio, Albo colocou a repactuação do acordo da J&F em pauta sem aviso prévio, mesmo com um dos três membros da 5ª Câmara – Alexandre Camanho – de férias. “Por se tratar de procedimentos administrativos confidenciais, foi determinado a todos os presentes à sessão que se retirassem, permanecendo apenas as pessoas essenciais à deliberação do referido procedimento”, informa a ata da sessão.

Em seu recurso para anular a repactuação da multa, Martins Lima afirma que “não está dentre as atribuições do relator a previsão de poderes para rever monocraticamente decisão do colegiado, tomada por maioria de votos, em sessão encerrada”.

Martins Lima quer que a própria 5ª Câmara derrube a repactuação. Caso isso não aconteça, pretende levar a controvérsia para o Conselho Institucional do MPF, que julga recursos contra decisões das câmaras. O conselho é presidido pela vice-procuradora-geral, Lindôra Araújo, aliada do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Em nota, a Petros comunicou que “não recebeu do MPF qualquer notificação em relação a essa decisão administrativa envolvendo a revisão dos termos do acordo”, do qual já recebeu cerca de R$ 133 milhões do total de R$ 1,75 bilhão previsto para ser pago ao longo de 25 anos.

A Funcef, por sua vez, alega que voltar atrás no acordo “significa retrocesso”. “A fundação defende a lisura e a legalidade do acerto, pelo qual deve receber R$ 1,75 bilhão em 25 anos. O pagamento foi iniciado e lançado contabilmente nos planos da Funcef em 2017”, informou, sem especificar quanto já recebeu do grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

O BNDES, por sua vez, informou que “não irá se manifestar neste momento”.

A reportagem procurou Albo por meio da assessoria de imprensa da PGR, mas ainda não obteve resposta.

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