Malu Gaspar
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Por Malu Gaspar — Rio

A Americanas protocolou na Justiça de São Paulo uma petição que deve acirrar ainda mais a guerra de versões – e de acusações – em torno das responsabilidades pela fraude contábil de mais de R$ 20 bilhões no balanço da varejista, revelada em janeiro deste ano.

O documento de 34 páginas é uma resposta a petições anteriores, protocoladas pelo Bradesco e pelo ex-CEO Miguel Gutierrez, e a acusações feitas pelo executivo na CPI da Americanas.

Na petição, a varejista sugere que o banco e o executivo fizeram um conluio para atacá-los, e apresenta cópias de emails obtidos pela investigação interna sobre a fraude que até agora não tinham vindo à tona.

Neles, Gutierrez ironiza os questionamentos da auditoria interna da companhia sobre os dados do 3o trimestre e discute com executivos como responder as perguntas sobre o mesmo assunto do CEO que se preparava para substituí-lo, Sergio Rial.

Há, ainda, dois prints de tela de Ipad que a empresa afirma ser o aparelho corporativo de Gutierrez, com dados financeiros do grupo Americanas divididos por empresa e acompanhados de anotações feitas à mão.

A partir desse material, a empresa sustenta que, ao contrário do que disse à CPI das Americanas, Gutierrez não era um "CEO dos CEOs" que não acompanhava a contabilidade, mas sim alguém enfronhado e com poder de decisão nas discussões sobre o balanço.

Para a Americanas, a petição é também uma forma de sair do corner, depois que Gutierrez registrou queixa numa delegacia de Madri dizendo que está sendo vigiado e que "teme por sua vida e de seus familiares".

O ex-CEO, que tem cidadania espanhola e não veio ao Brasil para depor à CPI alegando motivos de saúde, enviou uma carta ao colegiado em que afirma que a empresa promovia o "incentivo ao fanatismo".

Gutierrez afirmou ainda que não sabia das fraudes porque não conhecia detalhes da contabilidade da empresa, mas apontou o dedo para os acionistas, o trio de bilionários do 3G, dizendo que eles sim acompanhavam as vendas da varejista diariamente por intermédio de Beto Sicupira e do conselheiro Eduardo Saggioro.

Os emails apresentados pela Americanas à segunda Câmara de direito empresarial do Tribunal de Justiça não discutem as fraudes contábeis, portanto não permitem concluir quem sabia do quê, mas mostram que Gutierrez seguia de perto as discussões prévias ao balanço.

Numa troca de mensagens que ocorreu na manhã de 27 de dezembro de 2022, Gutierrez é consultado pelo então diretor financeiro da B2W, Fabio Abrate, sobre uma lista de perguntas enviada por Rial, que estava para assumir como CEO, a respeito de uma antecipação de pagamento de debêntures.

Rial queria saber, entre outras coisas, se o resultado do 4o trimestre, que estava para ser fechado, acionaria algum gatilho de execução de garantias das debêntures. Isso porque a empresa vinha de um terceiro trimestre ruim, com queda nas vendas, "queima de caixa" e crescimento acelerado da dívida. Rial perguntava, ainda, se seria possível demonstrar ao mercado que era um resultado "atípico e transitório".

Abrate, então, encaminha a mensagem para alguns diretores, e Miguel Gutierrez questiona ao grupo: "Vamos tratar com ele, ou deixa para depois?". Abrate diz que a discussão pode ajudar a "elucidar o tema", mas "vai precipitar a conversa do 4o trimestre". A seguir, coloca alguns complicadores e encerra: "Levaríamos o material anexo para explicar. Veja o que acha". Gutierrez responde: "E se não levar nada. Só na conversa e caso seja demandado apresenta?" Abrate concorda: "Acho que funciona. Obrigada".

A discussão sobre esse assunto só aconteceria de fato em janeiro, quando Gutierrez já não estava na companhia.

Em outro email, de 5 de novembro de 2022, Gutierrez recebe os questionamentos da coordenadora do comitê de auditoria, Vanessa Lopes, também sobre os resultados do 3o trimestre, e ironiza: "Mar de comentários para variar…"

Os emails são usados pelos advogados da Americanas, Ana Teresa Basilio e Paulo Cesar Salomão Filho, para argumentar que "O modus operandi da diretoria na ocultação da fraude é fica ainda mais claro."

A empresa vem sustentando que os acionistas não tinham conhecimento da fraude e foram ludibriados pelos diretores. Produziu, inclusive, um relatório à CPI dizendo que havia duas contabilidades, uma para ser apresentada ao conselho e outra interna, da companhia, que traria a realidade.

Na petição, eles escreveram que "Até o último minuto, os Diretores integrantes do núcleo duro da fraude escondiam as reais informações de resultados e endividamento da companhia e combinavam entre eles a forma de levar as informações a todos aqueles que não integravam o grupo de fraudadores. E o modus operandi de Gutierrez, no comando da Diretoria, ficou também ainda mais evidente: centralizar as decisões, omitir informações relevantes e mentir sobre aquelas que é obrigado a divulgar."

Sobram acusações também para o Bradesco, que a Americanas acusa de fazer uma "jogada milimetricamente combinada" com o ex-CEO. "Logo após a petição do Bradesco, numa jogada milimetricamente combinada, Miguel Gutierrez apresentou sua manifestação respondendo à petição do agravado (o Bradesco) e juntando uma declaração (supostamente por ele escrita) em que buscaria tornar 'públicos os esclarecimentos necessários a se desfazer integralmente as aleivosias e os ataques reiteradamente realizados sem qualquer lastro probatório.'”

A troca de chumbo entre a empresa, o banco e os executivos ocorre na ação em que o Bradesco pediu uma produção antecipada de provas – na prática, um pedido para que se conhecessem os emails em poder da investigação interna da Americanas.

O banco pediu também que fossem ouvidos executivos e ex-executivos da companhia, entre eles Gutierrez, Rial e o ex-diretor financeiro André Covre, mas o pedido não foi atendido pela Justiça.

A negativa desencadeou uma troca de acusações via petições, todas visando convencer o juiz de que os depoimentos são necessários, e que culminou na última semana com a de Gutierrez, afirmando que "a ingerência dos controladores da Americanas nas finanças das companhias de seu portfólio é, de mais a mais, fato notório" e dizendo que as vendas da varejista "eram acompanhadas diariamente pelo Sr. Carlos Alberto Sicupira e pelo Sr. Eduardo Saggioro", representantes do trio de acionistas que tem ainda Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles.

Gutierrez, porém, afirma que ele mesmo não teve conhecimento das fraudes e não era sua função "fazer a contabilidade ou dizer como determinada transação deveria ser contabilizada"

Na carta que o executivo enviou à CPI da Americanas, ele diz que exercia a função de "CEO dos CEOs" e que está servindo como “bode expiatório a ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”.

E para provar seu argumento, afirma ter tido conhecimento de "interações diretas" entre o diretor-financeiro, Sr. Marcelo Nunes, com acionistas e membros do comitê financeiro (inclusive com o Sr. Paulo Lemann) sobre questões como “adiantamento a fornecedores” – um dos assuntos que depois se soube que vinham sendo utilizados na fraude. Gutierrez também diz que Sicupira "participava regularmente de reuniões que discutiam a evolução do fluxo financeiro e o caixa da companhia."

Procurada pela equipe da coluna, a defesa do ex-CEO Miguel Gutierrez preferiu não se manifestar por não conhecer o conteúdo da petição. O banco Bradesco também informou que não vai comentar as acusações da varejista.

Atualização às 12h40: A defesa do executivo Miguel Gutierrez enviou a seguinte nota em resposta às acusações da Americanas:

"Mais uma vez, a atual administração da Americanas pinça documentos fora de contexto na tentativa de corroborar sua narrativa falsa e incomprovada de que Miguel Gutierrez teria participado de uma fraude.

As novas alegações da companhia serão rebatidas nos foros próprios do processo, mas chama a atenção que nenhum daqueles documentos sequer se relaciona com VPC ou “risco-sacado”, temas que a companhia disse, no fato relevante de 13/06, corresponderem à fraude.

É incompreensível a insistência da Americanas em se precipitar à conclusão das autoridades para proteger seus acionistas controladores e membros do conselho de administração – que têm responsabilidade nas áreas financeira e contábil.

A companhia tropeça, assim, na tentativa de proteger pessoas que teriam muito mais condições de ressarci-la pelos danos que diz ter sofrido."

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