Malu Gaspar
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Por Rafael Moraes Moura — Brasília

O caso do desembargador de Santa Catarina acusado de manter uma empregada doméstica surda em condições de trabalho análogas à escravidão provocou um climão no Supremo Tribunal Federal (STF) entre o ministro André Mendonça e o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania do governo Lula, Silvio Almeida.

Na última sexta-feira (8), André Mendonça manteve uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que havia autorizado o desembargador Jorge Luiz Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), a ter contato com a empregada doméstica que teria sido mantida na sua casa, em Florianópolis, sob trabalho escravo.

Depois da decisão do STJ, ela decidiu voltar a morar na casa do desembargador.

De acordo com investigações do Ministério Público do Trabalho (MPT), Sônia Maria de Jesus vivia na casa do magistrado e de sua esposa há pelo menos 20 anos, sem receber salário, sem ter registro na carteira e submetida a trabalho forçado e maus-tratos.

Às 16h52 da última sexta-feira, preocupado com a decisão do ministro do Supremo, Silvio Almeida mandou uma mensagem para o gabinete de André Mendonça, com o assunto “Decisão em habeas corpus – Sônia Maria de Jesus”.

“Sabedores do compromisso de Vossa Excelência para com os mandamentos constitucionais, sirvo-me do presente para demonstrar preocupação com o caso e suas repercussões para os direitos da senhora Sônia Maria de Jesus e para o respeito aos direitos humanos em geral, notadamente das pessoas com deficiência”, escreveu Silvio Almeida.

O ministro de Lula lembrou que a decisão de Mendonça negou uma liminar pedida pela Defensoria Pública da União, que pretendia impedir o retorno de Sônia à casa do desembargador – e alertou para os “fortes indícios de versões contemporâneas de escravidão” no caso da empregada doméstica.

Mas, em vez de responder ao e-mail, André Mendonça escancarou o mal-estar provocado pela mensagem e transformou a mensagem em petição, abrindo, na prática, um novo processo no STF para tratar do assunto e cobrando explicações de Silvio Almeida.

O ministro deu um prazo de 24 horas para que Silvio Almeida explicasse ao Supremo: os documentos dos quais dispõe, que atestam os "fortes indícios" apontados; informe quando e por quem tomou conhecimento desses fortes indícios; e “informe e apresente os documentos correspondentes aos atos que tenha adotado, na condição de Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, para o fim de proteger os direitos e interesses” de Sônia Maria de Jesus.

Na prática, André Mendonça tentou tirar o foco de sua decisão individual e direcionar o caso para o ministro dos Direitos Humanos.

Integrantes do governo Lula consideraram a ofensiva de Mendonça “inusitada”, “desaforada” e uma “tentativa de intimidação”, já que não identificaram precedentes nesse sentido – de um e-mail de uma autoridade dar início à abertura de um processo no STF.

“Considerando que o ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, Sr. Silvio Almeida afirma, em seu e-mail, ter conhecimento de ‘fortes indícios fortes (sic) de versões contemporâneas de escravidão’, determino a notificação, o mais expedita possível, do Sr. Silvio Almeida”, escreveu André Mendonça, no último sábado (9).

Em uma resposta de duas páginas e meia, enviada no mesmo dia, Silvio Almeida disse que a apuração em torno das condições de trabalho de Sônia corre em segredo de Justiça e que não cabe ao Ministério dos Direitos Humanos “conduzir a investigação para a elucidação dos fatos".

Mas afirmou que o caso “ganhou repercussão nacional” e que é dever de sua pasta “promover diálogo entre esferas do Estado e da sociedade civil, em prol dos direitos humanos, notadamente das pessoas com deficiência”.

O ministro de Lula disse ainda que viajou a Santa Catarina em 1º de agosto, quando se encontrou com a própria vítima na sede do Ministério Público do Trabalho de Florianópolis, além de auditores fiscais do trabalho e com diversas pessoas que cuidaram dela após a operação.

“Nesse encontro, foram verificados fortes indícios de que a Sra. Sônia teve seus direitos violados – entre eles, o direito à Educação, direito de todos e dever do Estado e da família, segundo o artigo 205 da Constituição Federal; ao Trabalho Livre, Justo e Remunerado, previsto pelo artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos”, respondeu o ministro dos Direitos Humanos a André Mendonça.

Almeida frisou que a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, vinculada à sua pasta, vem mantendo contato com a DPU e com o Ministério Público do Trabalho, “!instituições essas que são, sim, competentes para tomar as providências investigativas e judiciais sobre o caso”.

Até a publicação deste texto, Mendonça não havia tomado nova decisão após as informações apresentadas por Almeida.

Procurada, a assessoria de Silvio Almeida não se manifestou.

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